O governo de Ratinho Júnior (PSD) terá que explicar à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) a dispensa de licitação em um contrato no valor de R$ 38 milhões, assinado com a Fapec (Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura), entidade com sede em Campo Grande (MS) e ligada à Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). O convênio entre a Casa Civil do governo e a Fundação prevê a prestação de serviços voltados ao “desenvolvimento e execução de um projeto de ensino, pesquisa e gestão”.
Uma das suspeitas é que a Fapec tem livre acesso aos dados do governo e dos cidadãos paranaenses, que eram geridos pela Celepar (Companhia de Informação e Tecnologia do Paraná), empresa que já teve sua privatização aprovada pela Alep. Além da Casa Civil, a Fundação tem um convênio com a Secretaria de Estado da Educação (Seed), no valor total de R$ 58,3 milhões, firmado em 2022.
O pedido de informações sobre o contrato com a Casa Civil foi apresentado na sessão de segunda-feira (24) pelo líder da oposição na Alep, Arilson Chiorato (PT), e aprovado no mesmo dia, com apoio da base de Ratinho Júnior. Líder da bancada governista, o deputado Hussein Bakri (PSD) confirmou que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) recebeu uma denúncia sobre o contrato, feita por um empresário.
Falta de transparência
O convênio entre a Casa Civil e a Fapec foi assinado em abril de 2024, com vigência de 35 meses. O objeto era o “desenvolvimento e execução de projeto de Ensino, Pesquisa, Gestão e Governança como prática integrativa, com a criação do Centro Integrado de Gestão e Governança do Estado do Paraná, cumulado com a implantação do Escritório de Processos da Casa Civil”.
Em agosto, foi lançado o Centro Integrado de Gestão e Governança (CIG-PR), no âmbito da Casa Civil, em parceria com a Fapec, com o objetivo de “construir uma nova modelagem de gerenciamento de projetos e políticas públicas”. Em outubro, a Casa Civil anunciou a criação do LAB.PR, o Laboratório de Ciência de Dados e Inteligência Pública.
Apontado como um dos eixos do CIG-PR, o LAB.PR tem entre suas funções, descritas na página do Laboratório no portal do governo, a “Coleta e Análise de Dados”, com “Implementação de sistemas para a coleta contínua e estruturada de dados relevantes, provenientes de diversas fontes governamentais e sociais”. Para funcionários e ex-funcionários da Celepar ouvidos pelo Plural, a criação do LAB.PR foi uma forma de enfraquecer o papel da companhia na gestão estadual.
O governo do Paraná e a Fapec não dão informações sobre o nível de acesso da fundação aos dados dos paranaenses – que podem incluir informações da áreas sensíveis como segurança pública, saúde, históricos médicos, processos judiciais e multas de trânsito, além de dados fiscais de empresas e de agentes públicos, como policiais, promotores e juízes.
Em outubro do ano passado, o Plural fez um pedido de informações à Casa Civil, questionando desde quando o LAB.PR vem acessando os dados do governo e se há alguma relação entre a Fapec e o decreto que criou o laboratório, mas não houve resposta sobre esses temas. A Casa Civil não informou também se Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) havia sido consultada sobre o processo – o que poderia estar em desacordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que veda a gestão de dados da área de segurança pública por entidades privadas.
Também em resposta a um pedido de informações, a Ouvidoria-Geral do Estado afirmou apenas que o LAB.PR tem como objetivo “transformar a administração pública por meio da aplicação de ciência de dados, inteligência artificial e utilização de linguagem simples e redesign de documentos públicos” e forneceu o link para a página do laboratório.
Nesta semana, a Fapec não respondeu ao questionamento do Plural a respeito do acesso aos dados do governo (leia abaixo a nota da fundação). O contrato com a Casa Civil prevê que o governo forneça “todas as informações, dados e documentos que se fizerem necessários e que forem solicitados pela contratada”.
Dos R$ 38 milhões previstos no contrato, R$ 16,7 milhões são destinados à contratação de “pessoal de escritório de processos para o CIG-PR”; R$ 2,5 milhões para “implementação da Sala de Situação do CIG-PR”; R$ 400 mil para “locação de veículos e gastos com deslocamento”; R$ 445 mil para “locação de equipamentos” e R$ 5,3 milhões para implementação do CIG-PR, entre outros gastos. O convênio prevê “redes de alta velocidade, garantia de segurança da informação e alta disponibilidade dos serviços e aplicações de TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação)”.
Contrato com a Seed
Quase dois anos antes do contrato com a Casa Civil, a Fapec firmou um convênio com a Seed, com vigência entre setembro de 2022 e setembro de 2026. Assinado pelo ex-secretário da Educação Renato Feder, o contrato tem o valor total de R$ 58,3 milhões, dos quais R$ 42,6 milhões já foram pagos, segundo o Portal da Transparência do governo do Paraná. O último repasse foi no dia 17 de outubro de 2024, no valor de R$ 1.014.786,56.
Em junho do ano passado, a Fapec foi citada no episódio do disparo em massa de um vídeo contrário à greve dos professores, que protestavam contra o projeto de terceirização da gestão de escolas. O vídeo foi enviado aos contatos fornecidos por pais e responsáveis por alunos da rede estadual. Em um primeiro momento a Seed negou o envio, mas o vídeo estava no drive de Luciano Renan, um funcionário da Fapec.
Em relação a esse caso, a Fapec informou nesta semana que “as medidas e apurações necessárias foram tomadas, sendo comprovado que não houve nenhuma irregularidade no ambiente da Fundação”.
Crise na base
Os questionamentos sobre o contrato com a Casa Civil teriam gerado desconforto na cúpula do governo de Ratinho Júnior e alimentaram a crise com deputados da base governista. Em fevereiro, o líder do governo na Assembleia, Hussein Bakri, cobrou duramente o governo e secretários que estariam desprezando o papel de parlamentares e se articulando diretamente com prefeitos.
O descontentamento agora seria com a reforma do secretariado de Ratinho Júnior, que priorizado nomes com pretensões eleitorais, como Rafael Greca (PSD), secretário Desenvolvimento Sustentável, e Guto Silva (PSD), remanejado do Planejamento para a pasta das Cidades, que dá grande poder de articulação com prefeitos.
Os deputados não falam abertamente, mas três confirmaram ao Plural que nos bastidores já há comentários sobre a instalação de uma CPI para investigar os contratos com a Fapec. Uma matemática difícil para a oposição, já que, dos 54 parlamentares, pelo menos 45 são alinhados ao governo.
Na sessão de segunda-feira, Bakri anunciou rapidamente que o pedido de informações da oposição a respeito do contrato seria aprovado. “Vou indicar aos membros da nossa base que votem favoráveis, porque nós também queremos respostas”. O deputado defendeu o governo e disse que a modalidade de dispensa de licitação é usada para esse tipo de contrato e que também foi adotada pelo governo federal.
Nota da Fapec
O Plural entrou em contato com a Fapec na quinta-feira (26) para obter a posição da fundação sobre a polêmico a respeito do contrato com a Casa Civil. A reportagem questionou ainda a respeito do acesso da entidade aos dados do governo e a apuração sobre os disparos em massa no ano passado. Segue a nota enviada pela Fapec.
A FAPEC é uma fundação de apoio privada e sem fins lucrativos, credenciada no MEC/MCTI pela Portaria Conjunta n.º 129/2021, criada para apoiar a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, com a missão de promover pesquisa, ensino, extensão, desenvolvimento institucional e tecnológico e inovação, em parceria com instituições públicas e privadas.
Temos um histórico de transparência e compromisso, sendo regulados por órgãos de controle e fiscalizados pelo Ministério Público.
A Fundação Fapec, além de ser a Fundação de uma Universidade Federal com conceito máximo de avaliação no MEC, encontra-se também aprovada pelo Conselho Técnico Científico da Unidade de Pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI do atual Governo Federal, como sua Fundação de Apoio.
Somos a Fundação dos Movimentos Sociais do países do Mercosul e a Fundação de Apoio que participou do G20 Social a convite da Secretaria – Geral da Presidência da República do atual Governo Federal, tendo inclusive presidido Plenária Internacional no referido encontro.
Atualmente, atuamos em centenas de projetos. Só com o Governo Federal apoiamos diversos projetos de ensino, pesquisa e extensão.
A FAPEC é Fundação no Brasil referência, premiada pela gestão de convênios de aplicação em todo o território nacional.
Todos os contratos e projetos com os quais atua são geridos de forma transparente, segura e dentro da legalidade, e todos os processos seletivos e de contratação atrelados aos projetos são realizados de forma clara, sendo amplamente divulgados, garantindo a integridade, concorrência e a idoneidade da nossa atuação.
Vale ressaltar, ainda, que a FAPEC foi procurada pela Casa Civil do Paraná e pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná em razão da sua metodologia e das ferramentas próprias desenvolvidas com base no Marco de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016) e pertencentes à esta Fundação, tendo a contratação em questão seguido todos os trâmites legais, sendo aprovada por órgãos competentes.
Os resultados de nossos projetos, reconhecidos nacionalmente pelo Governo Federal são um reflexo do nosso compromisso com a inovação e o desenvolvimento nacional.
O CONTRATO questionado pelo Plural foi feito dentro das regras da Lei de Licitações e Contratos Administrativos e da Constituição Federal, tendo percorrido todos os ritos necessários. Cabe ainda esclarecer que o mesmo encontra-se disponível no Portal da Transparência.
As ações e produtos que compõem o objeto contratado encontram-se em execução e pleno desenvolvimento.
Quanto ao último questionamento, as medidas e apurações necessárias foram tomadas, sendo comprovado que não houve nenhuma irregularidade no ambiente da Fundação.
Fonte: Jornal Plural