O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adiou, mais uma vez, a decisão sobre pacote de medidas para corte de gastos. Uma nova reunião deve ser realizada na sexta-feira (8) à tarde, com ministros das áreas econômica e social.
Um integrante da equipe econômica que participou da reunião com Lula na quinta disse, reservadamente, que algumas medidas ainda precisam ser explicadas.
Segundo pessoas a par das discussões, o abono salarial (espécie de 13º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos) deve ser alvo de um redesenho e há mais de um formato em análise.
O diagnóstico é de que o benefício, que custará R$ 30,7 bilhões em 2025, pode ser mais concentrado nos mais pobres. Sob as regras atuais, a própria política de valorização do salário mínimo tem contribuído para que um número cada vez maior de pessoas tenha direito ao repasse.
Já a desvinculação de benefícios sociais, como o abono e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), em relação ao salário mínimo, defendida por economistas e pelo mercado pelo impacto potente que produziria nas contas, está descartado e não é alvo das discussões recentes, segundo as mesmas pessoas.
Alterar os pisos de saúde e educação ainda é uma opção na mesa, mas, segundo um dos interlocutores, é um “candidato fraco” a figurar no cardápio final das mudanças. As simulações levadas a Lula indicam impacto pequeno até 2030, o que reduz a relação custo-benefício de adotar a medida e enfrentar as resistências que se avolumam dentro do próprio governo e do PT contra a alteração.
Integrantes do Ministério da Saúde saíram confiantes da reunião. Eles disseram acreditar que os pisos constitucionais serão poupados, em troca de um compromisso de cortar gastos no orçamento da pasta.
Há ainda discussões sobre a adoção de instrumentos que ajudem a otimizar a revisão de políticas sociais, como o BPC, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Uma das medidas consideradas é incluir em projeto de lei a exigência de biometria.
Hoje, a cobrança foi introduzida por portaria para novas concessões. Além de evitar questionamentos, a inclusão da medida em projeto de lei abarcaria também os benefícios já concedidos, tornando a revisão mais eficiente.
Outra medida é a ampliação do público-alvo da revisão, antes restrita a quem está com o cadastro desatualizado há mais de 48 meses. Agora, esse horizonte será reduzido para 24 meses.
“Não vamos cortar nenhum benefício de quem tem direito ao Bolsa Família e BPC. Pelo contrário: a ordem do presidente Lula é garantir direito a quem tem direito”, disse o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social).
Segundo ele, o presidente continua o mesmo Lula e, pela sua história de vida, tem compromisso com os mais pobres e jamais aceitaria cortar um só benefício do Bolsa Família, do BPC ou qualquer benefício que preenche requisitos legais de uma pessoa ou família pobre.
O ministro fez a declaração após a reunião desta quinta-feira com o presidente, em uma sinalização de que os cortes no BPC devem acabar se restringindo ao reforço dos instrumentos de pente-fino e medidas de combate à fraude. A equipe econômica tem a ambição de conseguir fazer uma alteração mais ampla. Dias, que está em viagem ao exterior, não participou da reunião com Lula.
Participaram das reuniões os ministros da JEO (Junta de Execução Orçamentária) – Haddad, Rui Costa (Casa Civil), Esther Dweck (Gestão) e Simone Tebet (Planejamento) –, Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Camilo Santana (Educação), Nísia Trindade (Saúde) e Paulo Pimenta (Secom).
Segundo participantes das discussões, também foi descartada a criação de um limite global para o crescimento das despesas obrigatórias, uma espécie de sublimite dentro do arcabouço fiscal. Mas ainda está em análise a criação de gatilhos de ajuste, que sirvam de instrumento para o governo promover os ajustes necessários à sustentabilidade da regra fiscal.
Há discussão sobre como seria o acionamento desses gatilhos, mas o raciocínio do governo é o de que não adianta prometer uma trajetória de gastos sem assegurar ferramentas que ataquem os fatores de crescimento dessas despesas.
A lista final das medidas ainda está em aberto. O presidente terá uma nova rodada de reuniões na tarde de sexta-feira (8) com ministros de governo. Segundo auxiliares, há ações que ainda precisam ser explicadas, e o pacote só será anunciado quando Lula bater o martelo.
Mesmo que o presidente decida quais medidas vão entrar no pacote, ele será aconselhado a não anunciar nada numa sexta-feira à noite. Sob reserva, um auxiliar direto diz que isso não faria sentido politicamente. Além disso, o ministro da Fazenda considera essencial que o pacote seja apresentado antes à cúpula do Senado e da Câmara.
Uma ala do governo defende que as medidas se tornem públicas num momento de menor turbulência externa nos mercados, cenário observado nesta semana diante da eleição dos Estados Unidos e da decisão do Banco Central sobre a taxa de juros.
Os adiamentos vão aumentando a expectativa em torno do pacote. Nesta quinta, durante o intervalo entre as duas reuniões realizadas para discutir o assunto, rumores de que as medidas poderiam ter um impacto considerado baixo pelo mercado levaram o Ministério da Fazenda a divulgar uma nota dizendo que os boatos não refletiam os rumos da discussão.
A própria equipe econômica, porém, tem alimentado parte das expectativas ao sinalizar que a conclusão das negociações está próxima. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse, na noite de quarta-feira (6), que tinha a expectativa de ter uma decisão final de Lula após o encontro desta quinta. Segundo ele, restavam apenas “dois detalhes” que precisavam ser alvo de uma “arbitragem simples” do presidente.
Enquanto Lula não dá o sinal verde para as medidas, os ministros das pastas com as políticas que podem ser alvo do pacote estão se movimentando para barrar as medidas mais duras e têm procurado passar a percepção de que estão sendo ouvidos pelo presidente
O dólar fechou sem alterações na quinta e se manteve cotado a R$ 5,675, em meio à repercussão da decisão de juros do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) e à expectativa pelo pacote de corte de gastos do governo.
Fonte: Folha de São Paulo