Casa de madeira que serve de escola foi erguida pela comunidade; MEC alega responsabilidade do Estado em fazer melhorias
O governo do Paraná tem negligenciado a educação indígena na aldeia Tekoha Guarani, localizada no município de Guaíra, região Oeste. Na última semana, o cacique Ronaldo Martinez Esquivel divulgou fotos da estrutura que foi erguida a próprios punhos pela comunidade há um ano e que nunca recebeu reforma ou investimento por parte da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná (SEED). O medo é que estrutura desabe sobre as cerca de 50 crianças que estudam no local.
“Quem deveria fiscalizar é, primeiro, o Estado, segundo a Secretaria de Educação do Estado do Paraná, que atua na área de educação indígena, e que diz que nossa educação é diferenciada. Porém, a única diferença da nossa educação é que ela está caída aos pedaços, sem nenhuma estrutura”, denuncia Ronaldo.
A Constituição Federal assegura o direito à educação indígena às comunidades. A coordenação das ações escolares de educação indígena está, hoje, sob responsabilidade do Ministério de Educação, cabendo aos estados e municípios a sua execução.
Segundo o processo 2186/2, aprovado em dezembro de 2002, a criação de escolas indígenas no Paraná é de competência do Poder Executivo do Estado. “A Escola Indígena será criada em atendimento à reivindicação ou por iniciativa da comunidade interessada, ou com a anuência da mesma, respeitadas suas formas de representação”, diz trecho do processo, que ainda completa que “a manutenção do estabelecimento de ensino reconhecido como Escola Indígena é de competência do Poder Público Estadual, podendo, em regime de colaboração, estabelecer parceria com o Município”.
No entanto, o cacique denuncia que, mesmo buscando as autoridades, elas têm se silenciado ou transferindo a responsabilidade para outros órgãos. Em uma conversa via WhatsApp com a pedagoga Maria Dayse, da Secretaria do Estado da Educação do Paraná, o cacique cobrou medidas urgentes, mas foi indicado a procurar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), porque, segundo a pedagoga, “a secretaria não constrói em áreas de litígio”.
“Então vai deixar essa estrutura cair em cima de uma criança guarani. Sabendo da real situação, e o risco que as crianças estão levando.?”, questionou o cacique, que ficou sem respostas.
“Gostaria que alguns responsáveis pela educação pudessem vir verificar essa situação, porque é uma estrutura que precisamos muito, principalmente para os professores guaranis ensinarem como é nossa cultura, nossa língua, mas com essa estrutura precária ficamos com medo de mandar nossas crianças, principalmente porque são crianças pequenas”, frisa.
O receio do cacique é que, sem a garantia de uma escola na comunidade, as crianças indígenas percam o contato com a língua guarani, a cultura, os rezos e as danças. “É a nossa vivencia que não pode morrer, que não pode acabar”, enfatiza.
O que diz a SEED
Procurada, a Secretaria voltou a dizer que não pode construir em áreas de litígio. “Cabe esclarecer que não há a possibilidade de construção ou obra de nenhum tipo nos locais nos quais as aldeias indígenas estão localizadas, por se tratarem de áreas sem demarcação, alvo de litígio judicial”, respondeu, em nota.
Embora o cacique denuncie que não houve procura por parte do estado, a Secretaria alegou que “equipes do departamento de Coordenação de Diversidade e Direitos Humanos da Seed-PR têm realizado visitas regulares ao local”.
A pasta ainda disse que o pleito foi devidamente formalizado mediante Ação Civil Pública, junto ao Ministério Público Federal com a participação da Procuradoria-Geral do Estado e que estão sendo encaminhados os estudos para construção de nova sede escolar para atendimento aos estudantes da região onde está localizada a Tekoha Guarani, em região próxima, por sua vez, em área regularizada.
A Secretaria encerra a nota dizendo que há vagas em todas as escolas estaduais e municipais no município de Guaíra para que os estudantes sejam realocadas enquanto não houver escola.
MEC rebate
Enquanto a SEED alega que não pode construir no local por se tratar de área “sem demarcação, alvo de litígio judicial”, o Ministério de Educação (MEC) foi incisivo em dizer que a garantia à educação deve ser estendida independente da situação da terra indígena. “O Estado deve criar escolas indígenas onde é demandado por comunidade indígena, mesmo que a Terra Indígena da comunidade não seja demarcada”, justificou, em nota.
O Ministério Público Federal (MPF) também dispõe que o Ministério da Educação e as Secretarias Estaduais e Municipais têm a responsabilidade de, nos casos em que se constate a presença de populações indígenas, situadas em áreas regularizadas ou não, adotar todas as medidas possíveis visando o pleno atendimento do direito à educação, inclusive com a execução de obras de caráter permanente ou temporário, conforme as peculiaridades locais e culturais do povo indígena a ser atendido.
De forma análoga, o Parecer 004 PFE, elaborado pela Procuradoria Federal Especializada da Funai, dispõe: “Além de fazer jus ao tratamento constitucional conferido a qualquer cidadão brasileiro, os indígenas têm ainda algumas prerrogativas especiais asseguradas pelo ordenamento pátrio e por tratados internacionais, tanto em nível individual como coletivo. Sua origem se justifica na observância material do Princípio da Igualdade e na reparação histórica das violações promovidas pelo Estado brasileiro, para minimizar o contexto de subjugação dos indígenas aos interesses dominantes do país”, salientando que “as políticas públicas voltadas à população indígena devem se destinar a todos os indivíduos e Povos que se identifiquem como indígenas, ainda que não habitem terras tradicionais ou que estas estejam em processo de demarcação não finalizado.”
Especificamente no que se refere à Educação, o Parecer dispõe que “o Decreto n° 8.861/2009, que trata da Educação Escolar Indígena e define sua organização em territórios etnoeducacionais, diz que deve se observar a territorialidade dos Povos Indígenas, como forma de respeitar suas necessidades e especificidades”, e que “por territorialidade, à luz da Constituição Federal, não se deve compreender apenas as Terras Indígenas demarcadas, mas o conceito peculiar do que seja território a partir do ponto de vista do indígena, além da realidade espacial de ocupação das populações tradicionais, ainda que urbana”.
O parecer conclui que os serviços públicos essenciais, como segurança, educação, saúde, fornecimento de água, esgoto, transporte, telefonia e eletricidade devem ser prestados diretamente aos indígenas e suas comunidades, onde quer que se encontrem.
Fonte: Brasil de Fato