Vídeo enviado para pais de alunos pede voto favorável à terceirização. Programa teve sete irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas
A Secretaria de Estado da Educação (Seed) do governo Ratinho Jr. (PSD) está usando os dados pessoais fornecidos por pais e responsáveis por alunos para fazer propaganda do programa Parceiro da Escola, que prevê a terceirização da gestão de estabelecimentos de ensino no estado. A consulta à comunidade de 177 escolas será nos dias 6, 7 e 9 deste mês.
No vídeo enviado por WhatsApp, uma aluna e duas mulheres apresentadas como mães de alunos ressaltam a importância da votação e dizem que os serviços melhoraram nos dois colégios já terceirizados, Anibal Khury, em Curitiba, e Anita Canet, em São José dos Pinhais. Os dois estabelecimentos fazem parte do projeto-piloto que baseou o programa aprovado em junho pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).
O que a Seed não informa é que uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontou sete irregularidades no projeto-piloto, que ainda não foram esclarecidas pela Secretaria (veja abaixo), entre elas uso indevido da modalidade de credenciamento, ausência de dotação orçamentária e a falta de controle interno.
Além disso, a deputada estadual Ana Júlia (PT) cobrou explicações da Seed a respeito do contrato feito com a empresa Apogeu Mágico, que administra o Colégio Anita Canet. Segundo a parlamentar, a empresa já recebeu R$ 6 milhões do governo do Paraná sem informar o que já foi feito na unidade, já que o contrato, diz a deputada, não prevê a prestação de contas por parte da empresa.
O governo do Paraná ainda altera a regra da consulta, que é prevista na lei aprovada em junho. No decreto que regulamenta o programa, o governo havia decidido que a decisão sobre a adesão ao Parceiro da Escola caberia somente à Secretaria de Estado da Educação (Seed) caso não houvesse quórum na consulta. No mês passado, a juíza substituta da 5ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, Diele Denardin Zydek, determinou ao governo que respeite a decisão da comunidade escolar.
Dados e zona cinzenta
No dia 25 de setembro, o Plural mostrou que a Seed já vinha utilizando os dados fornecidos por pais ou responsáveis para fazer propaganda do Parceiro da Escola.
A prática pode estar em desconformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e com a regulamentação da própria Secretaria, a Resolução 6619, de 25 de outubro de 2022, que institui a Política de Privacidade de Dados Pessoais no âmbito da pasta.
O artigo 7º do Decreto diz que “o tratamento de dados pessoais pela Secretaria de Estado da Educação e do Esporte é realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com objetivo de executar suas competências legais e de cumprir as atribuições legais do serviço público”.
Além de omitir que o Parceiro da Escola tem sete pontos contestados pelo TCE, o vídeo enviado aos pais diz que “onde o projeto foi lançado, em Curitiba e São José dos Pinhais, a aprovação é total”. “O futuro do seu filho depende de você”, diz a narradora.
“As crianças ficaram mais esperançosas agora que a escola virou um projeto parceiro”, diz uma mulher apresentada como mãe de aluno. “Para o meu filho está sendo muito bom”.
Segundo o advogado Pedro Henrique Costa, especialista em LGPD, a legislação deixa lacunas sobre o que seria uma informação de interesse público em relação ao uso de dados pessoais. “É uma zona muito cinzenta, tanto a LGPD quanto essa resolução deixam muito a cargo do ente público esse enquadramento como ser de interesse ou finalidade pública”, afirmou Costa.
No dia 18 de novembro, o governo do Paraná divulgou uma pesquisa, feita pelo Instituto Paraná Pesquisas, mostrando que “75% dos paranaenses aprovam o programa Parceiro da Escola”. A Seed e a Secretaria da Comunicação não informaram quanto foi pago ao instituto pelo levantamento. No portal da transparência da Secretaria da Comunicação, consta uma contratação do Instituto Paraná de Pesquisas e Análise de Consumidor Ltda. para a Seed, no mês de setembro, na seção de “publicidade institucional”.
Irregularidades
Confira as sete irregularidades no programa Parceiro na Escola apontadas na auditoria da 2ª Inspetoria de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado.
Uso indevido da modalidade Credenciamento
“Houve desvio da natureza que caracteriza a modalidade credenciamento, tendo em vista o desrespeito ao seu aspecto essencial, qual seja, o caráter permanente de cadastramento de novos interessados.”
“Destacamos que não há condições padronizadas de contratação, tendo em vista que o objeto licitado envolve unidades escolares heterogêneas (com número de alunos entre 410 e 1.222 conforme tabela constante no item 2.1 do Edital de Credenciamento n. 03/2022). Como a contrapartida se dá em razão do número de alunos atendidos, poderia haver um credenciado remunerado em até três vezes mais do que aquele que receber a menor escola do rol. Ainda, é possível que as condições de conservação das escolas exijam diferentes esforços e dispêndios em termos de manutenção e obras.”
Ausência de dotação orçamentária
“No momento de abertura do credenciamento, não havia disponibilidade orçamentária específica para o Projeto Parceiro da Escola. A Declaração PREDUC nº 029/2022 comprova a falta de atendimento aos requisitos orçamentários, tendo em vista que informa que os recursos necessários para fazer frente ao projeto seriam remanejados de outros projetos/atividades da Educação, sem especificá-los.”
“Configura-se, portanto, o uso de previsão global e genérica envolvendo diversas fontes a serem remanejadas, sem que haja disponibilidade orçamentária assegurada na abertura do credenciamento em análise. Desse modo, há o desrespeito aos princípios orçamentários e aos ditames constitucionais que regem o início de projetos ou programas governamentais.”
Ausência de estudo técnico preliminar
“Foi constatada a ausência de estudo técnico preliminar (ETP) em ofensa ao art. 18, parágrafo I, da Lei Federal n. 14.133/21 e ao art. 15 do Decreto Estadual nº 10.086/22. A ausência do ETP fragiliza o planejamento da contratação, na medida em que referido documento está voltado para a evidenciação do problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação de sua viabilidade técnica e econômica.”
Ausência de detalhamento dos custos
“Quanto a formação de preços, cabe observar que A falta de detalhamento dos custos omite a existência de produtos e serviços componentes do preço global que deveriam estar sujeitos à formação de preço com base em ampla pesquisa, em ofensa aos art. 296 e art. 368 do Decreto Estadual n. 10.086/22.”
“Fica evidenciado que a falta de detalhamento dos custos e respectivas memórias de cálculo compromete a melhor formação de preço possível. Como consequência, resta prejudicada a análise da viabilidade econômica, o que, por sua vez impossibilita a avaliação analítica de um projeto que se intitula piloto.”
Exigência de capacidade acima de 50% para número de alunos
“Houve afronta aos arts. 67, §2º da Lei Federal n. 14.133/21 e 468, §5º do Decreto Estadual n. 10.086/22 com relação à exigência contida no item 5.2 do Edital de Credenciamento, que estabelece o número mínimo de alunos matriculados em instituições próprias dos interessados.”
“Naturalmente, as exigências para gerir uma escola com 410 alunos diferem daquelas necessárias à gestão de uma escola de 1.222 estudantes, o que, comparativamente, representa três vezes o montante de alunos da primeira. Mesmo diante dessas disparidades, o PARANEDUCAÇÃO estipulou o mesmo critério de qualificação técnica a quaisquer interessados, estabelecendo o número mínimo de 5.000 alunos por ano, conforme especifica o termo de referência.”
Nota do Enem como requisito para capacidade técnica
“Também no que se refere aos requisitos de capacidade técnica, verificou-se a imposição de nota de avaliação mínima de 550 (quinhentos e cinquenta) pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), constante do item 5.2.1 letra “b” do Edital de Credenciamento em análise.”
“Vale ressaltar que não consta do Termo de Referência (TR), ou de qualquer outra peça componente desse credenciamento, a justificativa técnica para utilização do ENEM, inclusive nos valores estipulados, como critério para habilitação das interessadas (550 pontos).”
“Além da exigência em relação à quantidade de alunos atendidos, o Edital estabelece tão somente o indicador ENEM para fins de habilitação dos interessados. Ocorre que tal adoção se deu de forma injustificada, sem que se faça compreender o elo entre o desempenho pedagógico do estudante – refletido pelo indicador – e a gestão administrativa da unidade escolar, objeto do credenciamento.”
Falta de controle interno
“A análise detida dos atos que compõem o Credenciamento n° 03/2022 aponta para a ausência de manifestação da Unidade de Controle Interno da Secretaria de Estado da Educação e do PARANAEDUCAÇÃO, em ofensa ao seu dever de avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos.”
Nota da Seed
Em nota, a Seed afirmou que a decisão cabe aos pais, responsáveis e à comunidade escolar. A íntegra da nota:
Os vídeos têm caráter informativo, detalham pontos importantes do Parceiro da Escola e reforçam que a decisão da adesão ao programa cabe aos pais, responsáveis e toda a comunidade escolar, que participarão de votações democráticas no fim da semana.
Fonte: Jornal Plural