A memória anda me traindo além da conta e, penso, antes do tempo – afinal, tenho apenas 58 anos.
Na altura, tenho tido muito cuidado com o repasse de qualquer informação que me vem à lembrança, naquilo que lembrar (para mim) é meio que esquecer, suposto que no filme de minha vida a memória em branco e preto anda de mãos dadas com meus anseios, sobrelevando desejo e medo ao patamar dos recordos.
Viver é meio que não esquecer, suposto que a vida, como a vejo, está longe de ser retilínea e se pronuncia à sombra da própria brevidade, conquanto seguimos fugindo de circunstâncias e, sobretudo, da morte.
Ciente de minha atual limitação, quando fixo lembrança o faço quase sempre em terra firme, onde as ondas não alcançam, com o sal da memória, os lamentos do mar. Nesse balanço, venho esgrimindo as muitas bobagens e mentiras que as narrativas de ódio disparam pela rede mundial.
A ex namoradinha do Brasil (regina duarte) é minha campeã inconteste desse modelo mentiroso de atuação, naquilo que (há tempos) vem alocando seu mito de estimação sobre todas as coisas, em especial a verdade.
Há, nesse descompasso, uma desvalorização do tempo de viver, naquilo que a distopia dimensiona a mentira, subtraindo a racionalidade das estações em polo de conflito com a agonia do cotidiano.
Abílio Diniz, empresário de sucesso tupiniquim, teria dito temer que a taxação de grandes fortunas signifique, na prática, tirar do muito rico para dar ao muito pobre. Abílio ‘Pão de Açúcar’ Diniz, aparentemente, prefere que os muito pobres sigam abastecendo a fortuna dos muito ricos.
Fato é; a fala desalinhada e absolutamente surreal do empresário Abílio está em todo lugar, emprestando credibilidade interpretativa às narrativas que esgrimem espaço nos muitos multiversos que os nichos sociais produzem cotidianamente.
Eu mesmo estou em uma bolha e não consigo escapar, prisioneiro da hipótese levantada pelo muito rico empresário que sugere, em desfavor da distribuição mais óbvia de renda, o que Abílio sugeriu.
Como diz a Virgínia, minha comadre: é preciso saber de onde esse povo saiu para ir até lá e fechar o buraco…
Fato é: já não pensamos. Consumimos.
Pensar e valorizar o fato, todavia, já não bastam para vencer o boato mentiroso. Bem por isso é preciso lembrar aos incautos das mentiras esparramadas pelos criadores de conteúdo falso, naquilo que a caraminhola é mãe da miséria e sua serventia é abastecer as grandes fortunas, suposto que a distopia elevada à condição de realidade escraviza – e de escravos já estamos com lotação esgotada.
Na altura, talvez seja esclarecedor lembrar: Quando o Brasil, pela via do BNDS, financia uma qualquer obra em outro país, não se aporta um centavo que seja naquela aldeia, suposto que, por força da modalidade negocial contratada, está escrita a obrigação contratual em favor de uma empresa brasileira. É para esta empresa que o governo destina os valores financiados.
Deveras, a distopia segue mitigando a verdade e esse multiverso particular solapa o espectro racional que permeia nossas circunstâncias, estabelecendo narrativas de interesse sobre a identidade da verdade. Hoje, Ortega y Gasset somaria o enfrentamento distópico às circunstâncias que ladeiam seu Eu.
Na altura não tenho como desconhecer a última publicação de regina duarte sobre o abandono político dos Yanomamis, naquilo que a namoradinha do Brasil, brigando com imagens, dados clínicos e exames médicos, disse o que não há fome nem desnutrição e sim disputa política.
Pobre regina. Ela abraça sua versão particular da história, para onde vai em busca de recursos argumentativos que lhe interessem. A morte pela desnutrição dos indiozinhos não significa (para ela) nada além de efeito colateral da disputa política. A namoradinha do Brasil (nunca peguei), ao recorrer a seu multiverso, ergue cotidianamente um altar ao avatar da miséria sócio moral que sua visão de mudo e da vida reclamam. A mentira noticiada é seu combustível.
Na altura, o multiverso privado dessa gente aloca desinformação mentirosa à serviço de narrativas que confortem e albergue interesses de classe.
O próprio Orwell e seu 1984, onde nasceu o Grande Irmão, não foi tão imaginativo, naquilo que la duarte contracena nossa falência humanitária ao som de damares ministrando palestras em goiabeiras.
Me permitindo ligeira licença poética, ouso trazer de memória o já clássico devaneio modal da senadora que ontem foi ministra: meninos de azul e meninas de rosa.
E eu, cara pálida, que sou preto e branco de alma, espírito e arquibancada (vai Corinthians!)? Vestiria o que? Seria eu ‘tão lindo de se admirar que andaria nu por meu país’? E os índios damares? Vamos de cocar multicor e pudores à mostra?
Nascia aí, nessa estultice preconceituosa e limitadora de damares, a tendência de obnubilar o debate plural de interesse minórico, com frases de efeito que espraiam o lado irracional de nossas circunstâncias, em ordem a fomentar um autoritarismo latente que sustente o seu mito de estimação.
La duarte e damares operam em mentira na busca de alterar a concepção da história, em ordem a trazer para o centro do debate o nada, o vazio, o zero absoluto, cujo relevo é nenhum e a serventia apenas desinformar para abastecer um curral eleitoral próprio e ignaro, cujo apanágio é criar massa de manobra.
Percebam a estratégia: ao valorizar o zero absoluto, ambas tangenciam o vero escopo de nossas carências sociais, em favor do sustento neoliberal da extrema direta que se anuncia violenta e irascível.
As meliantes da verdade vivem na e da rede mundial, onde substituíram a realidade em favor de interesses (próprios e de grupo político) escusos. Ambas sugerem um perfil ‘outside’ a descaracterizar a cultura originária do convívio com pudores e vergonhas paridos de uma régua moral própria, em ordem a estabelecer uma ditadura de maiorias que abasteça e informe o ideário fascista.
Vale questionar: As meninas malvadas do ‘bolsonazismo’ sabem o que é ter fome? Fome é nossa dívida de alma que cunha a moeda de paga à Caronte, para a travessia do Limbo em direção aos círculos centrais do inferno. Fome, no maior país agricultável do mundo, desenha a vergonha suprema que encaminha para o cadafalso humanitário de nossa era.
Para piorar, o gado incauto só obedece ao som do berrante, suposto que não percebe a beleza com olhos de ver e sim de consumir. O mundo não se basta no que já produziu; há uma constante renovação produtora que cobra a releitura das fontes de consumo e de gado para consumir.
A fome é minha inimiga mais antiga e eu tenho lutado tanto contra ela que minha barriga me entrega. Mas a fome dos que não tem como vencê-la encerra o maior pecado de uma civilização. Se a poeira do choque entre o meteorito e a terra dizimou os grandes lagartos, a fome levará nossa espécie de volta às cavernas.
Saudade Pai, você ensinou que fome de viver é a resposta…
João dos Santos Gomes Filho
Advogado