Entre as críticas, lideranças apontam o engessamento das discussões por parte da Secretaria Estadual de Saúde
Na última terça-feira (18) ocorreu a Conferência Regional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, em Londrina. Trata-se de mais uma etapa rumo à 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, prevista para os dias 18 a 21 de agosto.
O encontro aconteceu na Unicesumar – campus Londrina e reuniu profissionais da saúde, representantes de movimentos sociais, lideranças sindicais e usuários, com o intuito de debater ações que visem fortalecer os serviços voltados à prevenção e assistência a saúde do trabalhador seja do setor público como privado.
Laurito Porto Lira, secretário de Formação Sindicato dos Bancários de Londrina e Região, membro da Comissão da Saúde do Trabalhador e Trabalhadora, vinculada ao Conselho Municipal de Saúde, avalia que como a Pré-Conferência Municipal de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, a fase regional também representou mais um momento “pro-forma”.
“Mais uma vez, tivemos uma conferência que não permitiu debates e a construção de propostas adequadas aos objetivos que se propõe”, diz.
Para Lira, que acaba de ser eleito presidente do Sindicato dos Bancários, as orientações engessadas encaminhadas pela SESA (Secretaria Estadual de Saúde) e CES-PR (Conselho Estadual de Saúde do Paraná) dificultaram que o aprofundamento dos debates. Além disso, ele pontua o despreparo para as discussões.
“Foi muito triste ver que os delegados dos municípios menores não faziam nem ideia do que estavam discutindo, se não fosse os delegados de Londrina essa conferência não teria nenhuma proposta adequada às políticas públicas em saúde do trabalhador e da trabalhadora e adequados às premissas da orientação do Conselho Nacional de Saúde”, assinala.
A mesma avaliação é realizada pelo diretor do Sindserv Londrina (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais), Marco Antônio Modesto. Para ele, o número reduzido de delegados que deverão representar a 17ª Regional de Saúde na Conferência Estadual de Saúde, marcada para os dias 10 e 11 de junho, também foi uma dificuldade levantada.
“Vários municípios presentes do norte do Paraná e da 17ª Regional [de Saúde] e somente quatro vagas de delegados para Conferência Estadual para discutir a saúde do trabalhador. Quatro vagas para o seguimento do trabalhador. Essa é uma avaliação negativa que foi pontuada na Conferência para ser levada a conhecimento do Conselho Estadual de Saúde do Trabalhador”, adverte.
A 17ª Regional de Saúde de Londrina abrange 21 municípios.
Para Modesto, a adesão ao evento não atendeu as expectativas. Ele destaca a necessidade de amplificar os debates, agregando mais pessoas bem como renovando o público, para além daqueles já engajados na pauta.
“Muitos municípios presentes na conferência, só que a gente nota sempre as mesmas pessoas lutando pelo seguimento do trabalhador e trabalhadora. Poucos jovens, o pessoal mais antigo que tem mais essa linha de luta, os sindicatos, as associações e órgãos ligados ao servidor público também”, observa.

Reforma Trabalhista e o desmonte
De acordo com Modesto, o principal debate travado pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras foi o desmonte que vem ocorrendo na última década, principalmente, em razão da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467).
A legislação trouxe várias modificações ao texto da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Várias dessas mudanças desrespeitam normas relativas à saúde do trabalhador, dispostas na Constituição Federal de 1988.
Entre as alterações, o regimento possibilita alterar o enquadramento do grau de insalubridade mediante negociação coletiva; reduzir o intervalo intrajornada também por negociação coletiva; além de permitir a permanência em condições de trabalho insalubres durante a gravidez e fase de lactação e liberar a terceirização de maneira irrestrita.
Como consequência, diversos estudos têm alertado para o aumento nos números de acidentes de trabalho e de doenças relacionadas ao trabalho.
Segundo Modesto, o fim do sucateamento de órgãos voltados à promoção e cuidado como os Cerests (Centros de Referência em Saúde do Trabalhador) também foi uma das reivindicações apresentadas. Uma das demandas é ampliar o atendimento através da municipalização.
“O principal encaminhamento é a questão do fortalecimento dos órgãos ligados aos Cerests, que vai gerar um benefício para o trabalhador e para a trabalhadora no sentido de implantação também de Cerests municipais para ampliação e para que notifiquem mais, para que se tenha mais essa ferramenta do SUS [Sistema Único de Saúde] que é a vigilância em saúde do trabalhador, independente do vínculo que ele ocupe. Nós focamos muito nesse item para que ocorra mais investimento nesses setores, para não ocorrer a precarização e o sucateamento desses setores que visam a vigilância em saúde”, assinala.
Conforme informado pelo Portal Verdade, em 2023, o governo federal destinou R$ 3,5 milhões ao Paraná. Do montante apenas R$ 244 mil foram investidos em ações voltadas à saúde do trabalhador. Isto quer dizer que o governo Ratinho Júnior (PSD) deixou de investir cerca de R$ 3 milhões na prevenção e cuidado com a saúde do trabalhador paranaense.

Um dos reflexos do desmonte é a situação enfrentada pelos trabalhadores da SCAFAR (Seção de Assistência Farmacêutica), sob responsabilidade da 17ª Regional de Saúde. Como denunciado pelo Portal Verdade, o local apresenta problemas de infraestrutura, incluindo riscos de desabamentos, infiltração e riscos de incêndio, há pelo menos três anos (relembre aqui).
Ainda, Lira compartilha que foi encaminhada a necessidade de que os trabalhadores por aplicativo e informais sejam incluídos nas políticas públicas em saúde. Também foi sinalizada a urgência de que Londrina construa propostas robustas visando a implementação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora.
“Faltou debater a NR 1 [Norma Regulamentadora nº 1, que estabelece diretrizes para a segurança e saúde no trabalho] e o impacto de sua alteração, a questão da construção das informações necessárias no cadastro para possibilitar a inclusão dos informais e trabalhadores por aplicativo, a criação de estruturas ou parcerias que possibilitem a construção de relatórios epidemiológicos sobre as doenças provenientes do ambiente do trabalho e como fortalecer a vigilância em saúde do trabalhador desde as equipes de investigação e fiscalização, bem como, as equipes de acompanhamento dos trabalhadores adoecidos e para o tratamento destes”, reforça.

Muitas demandas e pouco espaço para propostas
As lideranças também chamaram a atenção para a quantidade limitada de propostas. No total, os delegados poderão sugerir apenas duas propostas estaduais por eixo e uma proposta nacional por eixo. Ao todo são três eixos: Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora; As novas relações de trabalho e a saúde do trabalhador e da trabalhadora e Participação Popular na Saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras para o controle social.
Além disso, o curto espaço dedicado à construção do texto também gerou críticas. “Propostas não poderiam ter mais de 500 caracteres. Esse item foi muito questionado, teve uma discussão muito ampla. Como é o regimento nacional, foi pontuado por conta da limitação de encaminhamento de propostas”, evidencia Modesto.
Lira também rechaça o que classifica como “fala infeliz” durante a aula magna preparatória para os grupos de debate por eixo. Segundo o sindicalista, foi argumentado que a Justiça do Trabalho prejudica o empresariado, o que casou reação.
“Os delegados de Londrina defenderam que o trabalhador e trabalhadora só entram na justiça porque os empregadores não respeitam a legislação e as normas vigentes, bem como, a desumanização os trabalhadores, ferindo os princípios de respeito à dignidade humana”, relata.
Ainda, os representantes sindicais reforçaram a importância de que os trabalhadores tenham autonomia para participar dos debates sem sofrer descontos e tampouco se tornarem alvos de assédio por defenderem seus direitos.
“Também o fortalecimento do controle social através da garantia de que quem trabalha possa participar dos conselhos sem prejuízo no trabalho com descontos e perseguição por parte do empregador”, finaliza Lira.

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.