Sem a substituição do aparelho, contrato com clínica particular estabelecido em 2022 foi renovado
Há um ano, o tomógrafo do Hospital Estadual Doutor Anisio Figueiredo, localizado na zona Norte de Londrina, está quebrado. Para suprir o atendimento o governador Ratinho Júnior (PSD) firmou contrato com a MP Centro de Diagnóstico Ltda, empresa privada, localizada no centro da cidade, a um custo médio de R$ 100 mil mensais.
Segundo Gilson Luiz Pereira Filho, técnico de enfermagem e membro da diretoria estadual do SindSaúde-PR (Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Público da Saúde e da Previdência do Estado do Paraná), em janeiro último, foi realizada uma reunião com a direção da unidade que apontou as condições do equipamento.
Após inspeções de técnicos da empresa fabricante, a holandesa Philips, verificou-se que o custo para o conserto ultrapassaria o valor da compra de um novo aparelho. O preço de um tomógrafo novo varia entre R$ 500 mil a R$ 1 milhão.
“O tomógrafo do [Hospital] Zona Norte se encontra quebrado há mais de um ano. Segundo a direção, foram feitas solicitações de manutenção e não obtiveram sucesso porque o valor para a solução dos problemas causados é inviável”, relata.
De acordo com informações levantadas pelo SindSaúde-PR, o contrato original foi assinado pela FUNEAS (Fundação Estatal de Atenção à Saúde no Paraná) e a MP Centro de Diagnóstico Ltda em outubro de 2022.
A previsão era de um pagamento total de R$ 1.547.795,04 no período de vigência, entre 20 de janeiro de 2023 e 20 de janeiro de 2024. O valor, no entanto, segundo o documento, era “meramente estimativo, de forma que os pagamentos devidos ao contratado dependerão dos quantitativos de serviços efetivamente prestados”.
Com o fim da vigência do contrato e sem a substituição do tomógrafo quebrado, a parceria foi renovada pela SESA (Secretaria Estadual de Saúde). A estimativa é que sejam realizados 450 atendimentos mensais.
Impactos para pacientes e profissionais
Com a falta do aparelho, fundamental para diagnósticos, pacientes do Hospital Zona Norte e do Hospital Eulalino Ignácio de Andrade, na zona Sul da cidade, estão sendo encaminhados diariamente para a clínica particular. A liderança destaca as consequências da transferência para os pacientes que, muitas vezes, estão com mobilidade reduzida. O tempo médio gasto apenas com o trajeto é de pelo menos 30 minutos para ida e mais 30 minutos para volta.
“Nem todos os pacientes que precisam de tomografia estão em plena condição de saúde para serem transportados. Em alguns casos, em que os pacientes não se encontram conscientes também há uma dificuldade para o transporte e realização do exame, levando em consideração que parte deles estão em tratamento, alguns com sintomas físicos de debilidade, isso dificulta e torna mais caótico o transporte”, observa.
Além disso, para a locomoção é necessário reservar ambulâncias que deixam de atender outros chamados. “Paciente às vezes com dor, limitação, com sintoma de mal-estar, tem de fazer o transporte do Hospital até o centro da cidade. Esse deslocamento gera um estresse, todo um esforço logístico do Hospital. Tem o desgaste da ambulância, o uso da ambulância para exames dificultando a transferência de pacientes para outros hospitais”, acrescenta.
Filho também chama atenção para o tempo de espera dos pacientes já na clínica. “Os pacientes do SUS, do Zona Norte, que chegam nesta empresa, aguardam um tempo maior do que os outros pacientes da própria empresa ou de outros hospitais”, afirma.
“O nosso paciente SUS aguarda um tempo maior do que o habitual possivelmente porque é um paciente SUS. Então, o pagamento deste custo de R$ 100 mil mensais para uma média de 400 atendimentos por mês, um montante altíssimo, não se justifica a espera exacerbada dos pacientes para realização dos exames. É uma prática que tem acontecido, não é sempre, mas tem aumentado a frequência em que os trabalhadores têm que aguardar para realizar os exames nesta clínica privada”, questiona o dirigente.
Na onda das terceirizações, contratos temporários tornam-se permanentes
Conforme pontua Filho, o estabelecimento de contratos com empresas privadas quando a rede pública não tem possibilidade de prestar o serviço é regular, porém, estes devem ter caráter provisório. Contudo, ele ressalta que a prática tem se tornado cada vez mais frequente, demonstrando a crescente ofensiva que visa à privatização do SUS (Sistema Único de Saúde) em todo o país.
“O contrato de uma empresa para prestar serviço em que o SUS não tem condições de prestar, de fato, é uma alternativa para resolver o problema temporariamente do acesso aos exames de imagem. Mas o que a gente percebe tanto na administração da saúde pública do estado do Paraná como na lógica que tem se instalado no país como um todo, é a terceirização de atividades, de serviços que eram anteriormente fornecidos pelo SUS para iniciativa privada”, adverte.
“A gente encara isso como a entrega do SUS e dos serviços públicos para a iniciativa privada que de alguma forma isso beneficia alguns grupos exclusivos e ligados a figuras políticas do Brasil e do Paraná que entregam um serviço para a população, mas com um custo muito maior do que se estivesse sendo prestado pelo SUS ou unidades próprias da SESA”, complementa.
Filho ressalta que a terceirização dos serviços de saúde, especificamente no Paraná, tem aumentado a partir do momento que a FUNEAS assumiu a gestão. Atualmente, a entidade administra 12 hospitais no estado.
“Nós já temos uma terceirização que a FUNEAS promove de forma desorganizada e ineficiente de trabalhadores para o SUS e agora isso de exames, que era comum em outras épocas, mas se intensificou, vem crescendo ao longo dos anos no Paraná. Contratos que eram para ser emergenciais e se tornaram corriqueiros, o que era provisório se tornou permanente”, assinala.
A FUNEAS é constante alvo de críticas dos trabalhadores da saúde que apontam sucateamento dos serviços, aumento das contratações terceirizadas chegando ao questionamento dos seus critérios de admissão pelo Conselho Estadual de Saúde, o que levou à suspensão da análise das contas da organização no final de março, conforme denúncia do SindSaúde-PR (saiba mais aqui).
Falta de estrutura e mau uso do dinheiro público
De acordo com Filho, representantes da SESA justificaram a degradação do aparelho com o uso intensivo durante a pandemia de Covid-19. No entanto, o profissional explica que, além deste fator, outros motivos como a falta de estrutura física do ambiente para comportar o tomógrafo, o que perpassa problemas nas instalações elétricas, também levaram ao desgaste do equipamento.
“A alegação da SESA de que o aparelho teve alto uso durante a pandemia é verdade, porém não é só esse o motivo para ter parado de funcionar. Não dá para gente acreditar e achar normal que um aparelho de alto custo, que custa em torno de R$ 1 milhão, dure de 2018 a 2022. É inconcebível que por esse alto custo sua vida útil seja somente deste tempo independentemente da quantidade de exames”, diz.
Além disso, após a instalação do aparelho no Hospital Zona Norte, em dezembro de 2017, ele ficou um ano sem uso devido à falta de profissionais que soubessem operá-lo. Com isso, pacientes de Londrina e região foram alocados para outros hospitais a fim de obter atendimento.
“O que temos de informações coletadas na reunião com direção do Zona Norte em janeiro, é que na avaliação técnica que a Philips fez foi constatado que a ampola radioativa, que é a peça que emite a radiação para o exame perdeu a vida útil, ou seja, esse aparelho foi adquirido em 2016, foi instalado no Zona Norte em 2017, durante o governo Beto Richa e de 2017 até 2018, ele não funcionou porque não tinha profissionais habilitados para utilizar este aparelho”, pontua.
Para ele, a série de problemas gerenciais expressam o mau uso do recurso público. “Ora, se você adquiriu o aparelho e não preparou a equipe técnica para manusear, esses que trabalham com radiação, essa ampola tem validade, você utilizando ou não, ela possui uma vida útil. Nós tivemos vários anos sem usar o aparelho e a vida útil dessa ampola foi se deteriorando. Quando em 2019, 2020 com a pandemia, tivemos um uso de no máximo três anos do aparelho e já virou obsoleto”, analisa.
“Se houvesse o saneamento do dinheiro público para a compra de um novo aparelho ao invés de permanecer todo esse tempo na iniciativa privada com certeza significaria uma economia para os cofres públicos e um atendimento mais confortável e humanizado para os pacientes, visto que não seria necessário o deslocamento para outra empresa”, ressalta.
Em nota, a SESA informou que um novo equipamento já foi adquirido a um custo de R$ 2,5 milhões.
“No dia 16 de abril, nós pedimos a administração do Zona Norte, um esclarecimento sobre a compra e chegada deste aparelho que em janeiro disseram que seria para 2024. Esperamos com urgência e com muito empenho tanto a resposta deste ofício como a entrega desse aparelho que é tão importante para Londrina e região, principalmente, para os hospitais secundários, que dependem da tomografia para os casos de ortopedia e outras cirurgias de urgência que fazemos. É um exame extremamente importante e isso impacta diretamente no atendimento dos pacientes que aguardam no Zona Norte”, ressalta.
A reportagem encontrou em contato com a SESA solicitando o posicionamento da pasta sobre as queixas, porém, até o fechamento da matéria não obteve retorno.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.