Além da capital paranaense, APP-Sindicato também puxou ato nos 29 núcleos regionais
Na manhã desta segunda-feira (3), trabalhadores da educação básica, de diferentes regiões do Paraná, se reuniram na Praça Santos Andrade, no centro de Curitiba, em contrariedade ao projeto “Parceiro da Escola”, que prevê a privatização de, no mínimo, 200 colégios estaduais.
Ao todo, aproximadamente 20 mil manifestantes, entre educadores, estudantes, lideranças políticas, representantes de movimentos sociais e comunidade em geral compareceram ao ato estadual “Não venda minha escola” convocado pela APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) com apoio de outras entidades como UPES (União Paranaense dos Estudantes Secundaristas), FES (Fórum das Entidades Sindicais) e Coletivo de Sindicatos de Londrina.
O protesto abre a agenda de mobilização da greve deflagrada pela categoria no último dia 25 de maio (relembre aqui). Com ampla adesão dos servidores, a paralisação aprovada por tempo indeterminado visa barrar a tramitação do programa que é considerado o “fim da escola pública” no Paraná.
Entre as consequências, os educadores alertam para intensificação da precarização do trabalho via aumento das contratações terceirizadas, uma vez que, a medida dispensa a realização de concursos públicos, demissões em massa, instauração de metas abusivas levando ao adoecimento ainda maior dos trabalhadores, interferência no processo pedagógico e perda da autonomia docente, falta de assistência aos estudantes com deficiência, ampliação das desigualdades socioeducacionais, entre outras (saiba mais aqui).
A deputada federal, Carol Dartora (PT), compareceu ao ato. Em entrevista ao Portal Verdade, a parlamentar que também é professora de História, tendo atuado na rede estadual de educação do Paraná, ressaltou os impactos do projeto para a fragilização das relações de trabalho nas escolas.
O deputado estadual, professor Lemos (PT) classificou o programa como “o pior projeto, que fere de morte a educação pública no estado”. A liderança enfatizou que a iniciativa dá margem para desvios do dinheiro público, além de um possível rombo na previdência.
A medida possibilita que os profissionais sejam admitidos via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) pelas organizações privadas. Este processo levará à queda de contribuintes para a ParanáPrevidência, que é o fundo responsável pelo pagamento das aposentadorias e pensões dos servidores públicos estaduais.
“Toda população precisa se levantar contra este projeto, ele não pode avançar. Vamos trabalhar para que o governo retire o projeto e se não retirar que a gente possa derrotar o projeto. Esse projeto permite a corrupção porque as empresas privadas vão ficar com boa parte do dinheiro da educação e ela não precisa prestar contas ao Tribunal de Contas. A educação tem condição de continuar pública e precisa continuar pública”, diz.
“O governo pode arrumar um problema para o estado no futuro, porque existe um fundo de previdência próprio do estado, quem banca é quem está em atividade. Se você não contrata mais ninguém que vá repassar para este fundo, se não tem ingresso de novos contribuintes, este fundo vai à falência. Lá na frente poderemos ter um problema e o estado é solidário. Não vai ter reforma possível para salvar a previdência”, acrescenta.
O grupo marchou até o Centro Cívico e se concentrou em frente à ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná).
Manifestantes ocupam a ALEP
A votação do projeto em plenário estava prevista para ocorrer nesta segunda-feira por volta das 14h30.
Para acompanhar a sessão, os educadores ocuparam as galerias da Assembleia Legislativa, já que o órgão permitiu a entrada de apenas 300 pessoas. A PM (Polícia Militar) usou bombas para impedir o acesso de manifestantes e uma barreira foi montada para bloquear que o grupo se aproximasse dos deputados. Veja:
De acordo com apuração do Brasil de Fato Paraná, dois manifestantes foram presos enquanto protestavam contra o projeto de terceirização das escolas estaduais. Ronaine Hegele, professora de Cascavel, e Pedro Lanna, técnico-administrativo em educação.
Pedro Lanna, que estava ferido no momento da detenção, foi encaminhado para a Unidade de Pronto Atendimento do Pinheiro antes de ser levado, junto com a professora, para a Central de Flagrantes.
Os educadores estão sendo indiciados por dois crimes e uma contravenção: dano ao patrimônio público, desacato e impedir o direito ao trabalho. Os trabalhadores seguem detidos e devem passar por audiência na tarde desta terça-feira (4).
Sessão remota para evitar a pressão popular
Walkiria Mazeto, presidenta da APP-Sindicato pontuou que a entrada na Casa foi necessária devido à recusa do governador, Ratinho Júnior (PSD), de discutir o projeto com os trabalhadores da educação, alunos e sociedade mais amplamente.
“Para nós é uma infelicidade que isso tenha acontecido, se nós tivéssemos sendo recebidos pelo governo como requeremos há mais de dois meses, tivéssemos estabelecido um diálogo, se esse projeto tivesse sido retirado para um debate mais amplo conosco e com a comunidade, nada disso teria acontecido. Se esse episódio aconteceu hoje, a culpa é do governador”, avalia.
Às 15h30, o presidente da Casa, Ademar Traiano (PSD), informou que a sessão estava suspensa temporiamente. No entanto, em reunião remota, iniciada às 17h, os parlamentares aprovaram o projeto em primeiro turno. Foram 39 votos favoráveis e 12 contrários.
A aprovação foi recebida com indignação pela categoria. “Este projeto de lei não foi debatido por esta Casa e vimos hoje o constrangimento que a mesa fez a deputados que se abstiveram na primeira votação que era para retida, insistindo para que se pronunciassem. É uma vergonha, considerando que este projeto permite que o governador venda as escolas públicas do Paraná”, compartilha Mazeto.
Rogério Nunes, professor da rede estadual, secretário de Assuntos Jurídicos da APP-Sindicato Núcleo Londrina, assinala a dificuldade para gestão democrática da educação, princípio garantido na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 1996. Ele também reforça o apoio dos parlamentares à ofensiva em prol das privatizações no estado.
A gestão Ratinho Júnior conta com ampla maioria no poder Legislativo estadual. Dos 54 deputados, 44 compõem a ala governista, de modo que o mandatário do Palácio do Iguaçu tem conseguido aprovar, sem grandes dificuldades, os projetos enviados à Assembleia.
“Aquilo que deveria ser a representação e a casa do povo, nesses momentos elas demonstram que, infelizmente, com raras exceções, a bancada dos deputados estaduais está para lá apenas para chancelar a sanha privatista do governo Ratinho Júnior”, analisa.
É, no mínimo, sintomático que o presidente da ALEP, Ademar Traiano, réu-confesso por corrupção, se sinta no direito de encaminhar um projeto de votação tão sério que entrega das escolas públicas à iniciativa privada. Então, nós verificamos com muita preocupação, mais uma vez, a Assembleia Legislativa, principalmente, a bancada do governo, perde a credibilidade, se é que ela tinha em algum momento”, complementa o docente.
Bruno Garcia, representante da diretoria de Saúde e Previdência da APP-Sindicato Núcleo Londrina, também pontua a estratégia dos parlamentares em transformar a sessão em remota para garantir a aprovação do projeto impedindo a participação popular.
“Na época do golpe da presidenta Dilma, teve uma deputada muito conhecida que chamou eles de ‘canalhas, canalhas, canalhas’. E eu repito isso: canalhas, canalhas, canalhas. Não há outra frase para dizer. Alguém que precisa votar em regime de urgência e sair com o Choque pelos fundos não merece o mínimo de respeito da sociedade”, adverte.
Nesta terça-feira (4), os deputados aprovaram em segundo turno, por 38 votos a favor e 13 contra, o projeto que terceiriza a gestão em 204 colégios estaduais, pouco mais de 10% da rede estadual de ensino.
Deputados da bancada de oposição, protocolaram documento no STF (Supremo Tribunal Federal), na intenção de reverter a decisão que autoriza o governo Ratinho Júnior a privatizar serviços de gestão da educação no estado.
A APP-Sindicato informou que a greve continua. “A votação na ALEP não encerrou, precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça novamente, nós continuamos insistindo que o governador retire o projeto e abra um dialogo conosco, com toda a comunidade escolar”, finaliza Mazeto.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.