Ato em ao menos nove capitais defende punições exemplares aos golpistas; pesquisa mostra que 51% dos brasileiros rejeitam perdão a envolvidos nos ataques à democracia
Movimentos sociais e organizações políticas realizaram, neste domingo (30), atos em ao menos nove capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza e Brasília) contra o Projeto de Lei 2.858 de 2022, que propõe conceder anistia aos envolvidos nos atos extremistas de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e depredaram a Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Os atos, marcados por cartazes com frases como “Justiça, não impunidade!” e “8J não se apaga” , reúnem sindicatos, estudantes e entidades de direitos humanos. Falaram no ato representantes da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), CUT, Intersinsical, União Nacional dos Estudantes (UNE), os deputados federais Orlando Silva (PCdoB-SP), Lindbergh Farias (PT-RJ), Guilherme Boulos (PSol-SP) e outros lideranças políticas e sociais.
Os protestos foram convocados pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular em resposta ao ato promovido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em Copacabana, no Rio de Janeiro, no último dia 16 de março. Na ocasião, apenas 18 mil pessoas compareceram, bem abaixo da expectativa inicial dos organizadores, que previam a presença de um milhão de apoiadores.
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) discursou no ato em São Paulo e reforçou a necessidade de punições exemplares aos responsáveis pelo atentado contra a democracia. “O Supremo vai tomar decisões quando concluir o processo, espero que sejam justas, equilibradas, com punições exemplares para quem tentou o golpe do 8 de janeiro de 2023”, declarou. A declaração reflete o tom das manifestações, que vinculam a rejeição à anistia com a luta histórica contra a impunidade de crimes da ditadura militar (1964-1985).
Também presente no ato paulista, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) fez um discurso contra a proposta de anistia. Ele ironizou a situação do ex-presidente Bolsonaro, afirmando que levará “marmita da Cozinha Solidária” para ele na prisão. A fala, referindo-se ao projeto social que distribui comida a vulneráveis, foi recebida com aplausos. “Quando Bolsonaro se elegeu, ele disse que ia botar a esquerda na cadeia, vocês se lembram? Mas o mundo gira, e nós ainda vamos ter oportunidade de levar marmita para ele lá na Papuda”, disse.
Ao Portal Vermelho, o diretor da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e secretário Sindical Nacional do PCdoB, Nivaldo Santana, enfatizou a importância dos atos pelo que unificam de forças políticas e sociais em torno da defesa da democracia. “Os atos de hoje, marcados para relembrar os 61 anos do golpe militar de 1964, são importantes pela capacidade de unir amplas forças sociais e políticas em defesa da democracia e reafirmar o combate ao golpismo e aos golpistas de extrema-direita”, afirmou o sindicalista.
Para ele, esta luta hoje se materializa em torno de duas palavras de ordem: Sem Anistia e Prisão para os Golpistas. “Medidas que, importante registrar, estão sendo levadas a cabo nos julgamentos do STF contra as ações promovidas por extremistas no dia 8 de janeiro se 2024”, completou.
Cartazes contra Bolsonaro
Durante os atos, manifestantes levantaram faixas e cartazes contra a anistia e pedindo a prisão do ex-presidente. Em São Paulo, um cartaz destacava Bolsonaro ao lado do ex-presidente norte-americano Donald Trump em uma “lata de lixo”. O empresário Elon Musk, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), também apareciam na ilustração.
No Rio de Janeiro, embora o protesto principal tenha sido marcado para a próxima terça-feira (1º), manifestantes realizaram panfletagens e colaram cartazes contra a anistia em locais como o Museu da República, no Catete, e a Feira da Glória. Membros do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) também estenderam uma bandeira com os dizeres “Sem anistia para quem ataca a democracia” nos Arcos da Lapa, que foi retirada por policiais militares minutos depois.
Conexão com o passado: ditadura e luta pela memória
Os protestos não se limitaram ao 8 de janeiro. Em São Luís (MA), manifestantes lembraram os 61 anos do golpe militar (31 de março de 1964), destacando que a Comissão Nacional da Verdade reconhece ao menos 434 mortos e desaparecidos — número que pode ultrapassar 10 mil, segundo estimativas.
“Não podemos separar a luta contra a anistia de hoje da reparação histórica pelos crimes da ditadura”, disse Daiane Araújo, vice-presidenta da UNE, em São Paulo.
No Rio de Janeiro, ativistas do MTST estenderam uma faixa com os dizeres “Sem anistia para quem ataca a democracia” sob os Arcos da Lapa, removida pela Polícia Militar em dez minutos. Embora o ato no Rio seja na terça-feira, houve concentração de militantes na Feira da Glória e na Zonal Sul para panfletagens. No Pará, estudantes cercaram o Theatro da Paz, em Belém, enquanto em Recife (PE), cartazes com fotos de vítimas da ditadura militar ecoavam o lema: “Memória para não repetir”.
Em Belo Horizonte, um boneco de pano com o rosto de Bolsonaro foi colocado entre grades, carregado por manifestantes usando máscaras dos ministros do STF Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes — ambos votaram pela aceitação da denúncia contra o ex-presidente.
Mobilizações continuam nos próximos dias
Os protestos deste domingo ocorreram também em cidades como Fortaleza, Belo Horizonte, Belém, Recife e Curitiba. Em Belo Horizonte, manifestantes levaram cartazes com fotografias de desaparecidos da ditadura militar e um boneco com o rosto de Bolsonaro atrás das grades.
Ao todo, foram anunciadas ao menos 30 manifestações entre sexta-feira (28) e terça-feira (1º), abrangendo 20 cidades. Além das frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, movimentos como o MST, UNE, CUT e entidades sindicais também se mobilizaram. Em São Luís (MA), o protesto incluiu manifestações contra o legado do golpe militar de 1964, que completa 61 anos nesta semana.
Pesquisa revela rejeição à anistia
Dados do PoderData, divulgados em 21 de março, mostram que a maioria dos brasileiros é contra a anistia aos envolvidos no 8 de janeiro. Apenas 37% apoiam a medida, enquanto 51% são contrários e 12% não souberam responder. Entre os próprios eleitores de Bolsonaro, a rejeição à anistia chega a 49%.
O ex-presidente também perdeu força de mobilização. No ato de 16 de março, em Copacabana, os organizadores esperavam meio milhão de pessoas, mas apenas 18 mil compareceram, segundo monitoramento do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). O Datafolha estimou 30 mil presentes.
Diante da pressão popular e da baixa adesão ao ato bolsonarista, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), sinalizou que o PL da anistia não será priorizado na pauta do Congresso. Assim, a mobilização das ruas pode ser decisiva para enterrar de vez a proposta.
Pressão no Congresso e no Judiciário
Enquanto as frentes programam 30 atos até terça-feira (1º), incluindo mobilizações em Aracaju e Teresina, o STF deve retomar o julgamento de Bolsonaro nas próximas semanas.
Já o governo federal, por meio do Ministério dos Direitos Humanos, reafirmou compromisso com a memória, citando pedidos de desculpas oficiais por negligência na vala de Perus, onde restos de vítimas da ditadura foram ocultados. O ato em São Paulo teve o comando da ministra de Direitos Humanos, Macaé Evaristo.
Os protestos deste domingo revelam um país dividido entre o revisionismo e a defesa intransigente da democracia. Se, por um lado, Bolsonaro tenta reacender a chama bolsonarista com atos minguados, as ruas mostram que a maioria não compactua com a impunidade. Como sintetizou um cartaz no Rio: “Anistia ontem foi erro. Anistia hoje é golpe”.
Fonte: Portal Vermelho