O projeto visa preservar a memória histórica do Jornal Brasil Mulher e promover uma reflexão sobre a luta feminina e as implicações da censura política durante a ditadura militar
Nesta segunda-feira (10), a partir das 19h30, na Biblioteca Pública Pedro Viriato Parigot de Souza – Sala de Exposições José Antônio Teodoro, ocorre o lançamento da exposição “Páginas de Luta – O Jornal Brasil Mulher e a Resistência Feminina em Londrina”.
A mostra tem como principal objetivo apresentar uma variedade de materiais que documentam a vigilância o e a resistência do jornal frente à repressão estatal. Através de painéis, será resgatada a trajetória do Jornal Brasil Mulher, que foi lançado em Londrina, publicações e aspectos do contexto histórico em que o veículo atuou, além de abordar a censura enfrentada.
O Jornal Brasil Mulher foi o primeiro periódico da imprensa alternativa feito por mulheres e dirigido às mulheres. O jornal era editado pela Sociedade Brasil Mulher. Sua primeira edição data de 1975 e seu último exemplar foi publicado em 1980. Durante os cinco anos, foram publicadas 20 edições, sendo 16 edições regulares e quatro edições extras.

Foto: Fundação Perseu Abramo/Reprodução
Em entrevista ao Portal Verdade, Lívia Campanheli, que é formanda em Ciências Sociais na UEL (Universidade Estadual de Londrina) e responsável pela curadoria da exposição, conta que desde o início da graduação tem se dedicado ao estudo da ditadura militar, com um interesse especial nos documentos do SNI (Serviço Nacional de Informações).
Criado em 1964, o SNI possuía como finalidades supervisionar e coordenar as atividades de informações e contrainformações no Brasil e exterior, ou seja, operava como um órgão de espionagem da ditadura militar.
Para Lívia, o desenvolvimento da exposição é uma forma de disseminar, de maneira mais ampla, os conhecimentos construídos durante o seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). Ela também destaca a possibilidade de articular o estudo com o estágio desenvolvido na Biblioteca Municipal.
“Durante essa pesquisa, descobri o Jornal Brasil Mulher, um periódico feminista pioneiro que surgiu em Londrina e enfrentou intensa vigilância e repressão. Esse achado despertou meu interesse em aprofundar o tema, resultando em diversas pesquisas acadêmicas e no meu Trabalho de Conclusão de Curso. Ao levar essa investigação para meu estágio na Biblioteca Municipal de Londrina, surgiu a ideia da exposição como uma forma de transformar essa pesquisa em um material acessível ao público”, pontua.
A mostra ficará aberta para visitação até 29 de março, de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 18h. A entrada é gratuita.
“Queremos que estudantes, pesquisadores, professores, militantes, jornalistas e qualquer pessoa interessada na história da resistência feminina no Brasil possam conhecer esse capítulo importante da nossa história”, ela complementa.

Foto: Lívia Campanheli/Acervo Pessoal
Questionada pela reportagem, quais foram as principais descobertas da pesquisa, ela aponta a repressão estatal às mulheres envolvidas com o Jornal Brasil Mulher.
“Os arquivos do SNI revelam um acompanhamento sistemático das atividades dessas jornalistas e militantes, evidenciando como o regime via o feminismo e a imprensa alternativa como ameaças à ordem estabelecida. Além disso, os documentos mostram como essas mulheres desenvolveram estratégias para continuar publicando e articulando debates, mesmo sob constante vigilância”, sinaliza.
Lívia também evidencia que a exposição procura contribuir para a construção de uma memória sobre os anos de chumbo, focalizando a participação de mulheres, grupo cujo protagonismo tem sido apagado nos registros oficiais.
“Esperamos receber visitantes de diferentes áreas e trajetórias, incentivando um debate amplo sobre a memória da ditadura e a luta das mulheres. Além disso, buscamos fortalecer a preservação da memória histórica, destacando a importância da imprensa alternativa e das mulheres que desafiaram o regime militar por meio da palavra escrita”, observa.
1964 ou 2025?
Para Lívia, há fortes semelhanças entre as tentativas de silenciamento da imprensa durante o regime militar e as estratégias adotadas em governos de extrema-direita na atualidade.
“No passado, a repressão se dava por censura oficial, perseguição política e violência estatal contra jornalistas e intelectuais. Hoje, vemos a deslegitimação da imprensa por meio de campanhas de desinformação, ataques virtuais e físicos a jornalistas – especialmente mulheres, que se tornam alvos de violência de gênero, ameaças e assédio”, avalia.
De acordo com levantamento divulgado pela CDJor (Coalizão em Defesa do Jornalismo), mulheres jornalistas foram as vítimas mais recorrentes dos ataques sofridos pela imprensa durante a cobertura das eleições municipais brasileiras de 2024.
“O caso da jornalista Patrícia Campos Mello exemplifica como discursos autoritários e misóginos buscam silenciar vozes críticas, algo que também ocorreu durante a ditadura com jornalistas que desafiavam o regime. Esse paralelo reforça a necessidade de preservarmos a memória histórica e lutarmos por uma imprensa livre e democrática”, relembra.
Em 2022, a jornalista Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de São Paulo, ganhou o processo que movia contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) após declaração sexista.
São apoiadores da exposição a Secretaria Municipal de Cultura, por meio da Diretoria de Bibliotecas Públicas e Coordenação de Atendimento, Programação e Extensão; Sindicato dos Jornalistas; Universidade Estadual de Londrina; Projeto Os documentos inéditos dos arquivos do SNI (Paraná-BR), do Projeto Opening The Archives e CIA (EUA) e o projeto de extensão, Práxis Itinerante.
Serviço
Exposição: “Páginas de Luta – O Jornal Brasil Mulher e a Resistência Feminina em Londrina”
Local: Biblioteca Pública Pedro Viriato Parigot de Souza – Sala de Exposições José Antônio Teodoro (Avenida Rio de Janeiro, nº 413, Centro)
Período: De 10 a 29 de março
Dias e horários: De segunda a sexta-feira, das 7h30 às 18h
Entrada gratuita


Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.