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Militarização de escolas em 2023 extingue 129 turmas de ensino noturno no Paraná e abandona milhares de estudantes

Em 2023, programa do governo Ratinho Jr. decretou o fechamento de 129 turmas frequentadas por trabalhadores(as) e estudantes da EJA

A última onda de militarização de escolas da rede estadual de ensino do Paraná fechou mais 129 turmas que funcionavam no período noturno, sendo 43 da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A conclusão é resultado de uma análise da APP-Sindicato em dados do Censo Escolar 2023 e na legislação estadual que criou o programa de escolas cívico-militares.

O levantamento confirma o caráter destrutivo da iniciativa inconstitucional implantada pelo governador Ratinho Jr. que, além de protagonizar uma série de denúncias de abusos e violação de direitos de crianças e adolescentes, também dificulta o acesso e as oportunidades de jovens e adultos concluírem os estudos.

Entre as proibições estabelecidas pela Secretaria da Educação (Seed), as escolas militarizadas não podem ofertar ensino no período noturno, onde a maioria das turmas é frequentada por estudantes que precisam trabalhar durante o dia e, por condições sociais e econômicas, apresentam maior dificuldade de aprendizado.

A pesquisa da APP considerou as informações oficiais divulgadas pelo Ministério da Educação (MEC) sobre os 106 estabelecimentos que até o ano passado funcionavam no modelo democrático, mas migraram para o militar a partir de 2024. 

Em 2023 essas escolas tinham 2.969 matrículas no período noturno. Desse total, 731 frequentavam a EJA, modalidade destinada a alunos(as) que não concluíram os estudos na idade padronizada pelo sistema de ensino brasileiro. O estrago só não foi maior porque outras 49 escolas que passaram pelo processo de consulta para virar cívico-militar rejeitaram a proposta. 

Abandonados(as)

A quantidade de estudantes afetados(as) em todo o estado, somada com a forma ilegal e autoritária como essas escolas funcionam e são implantadas, revelam também um governo populista, descomprometido com o direito e as diretrizes constitucionais das políticas públicas da educação.

O governo Ratinho Jr. não apresenta nenhum estudo de impacto da medida, como a possibilidade de evasão. A distância de outras escolas, por exemplo, pode dificultar ou inviabilizar a transferência dos(as) alunos(as) para a continuidade dos estudos. Com a militarização, os(as) alunos(as) do noturno são abandonados(as) à própria sorte.

Uma das hipóteses para essa maldade é a manipulação de dados para promover o modelo militarizado, utilizando ações que expulsam todos os(as) estudantes que apresentam dificuldades de rendimento e, consequentemente, impactam negativamente no cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

O Ideb é calculado com base na taxa de alunos(as) que passam de ano e no resultado de uma avaliação do MEC que mede o aprendizado em português e matemática. Excluindo os(as) estudantes que não se encaixam nos padrões do modelo militarizado e as turmas do ensino noturno, as escolas militarizadas se esquivam de problemas sociais a troco de reunir condições favoráveis para aumentar a nota do Ideb, sem necessariamente promover políticas concretas de melhoria da qualidade da educação.

Números

Das 106 escolas militarizadas no último período, a mais atingida pelo fechamento de turmas é o Colégio Jardim Alegre, do município de Telêmaco Borba, que tinha 197 matrículas em sete turmas no período noturno em 2023. Da lista das 10 unidades mais afetadas, oito registravam quantidade igual ou acima de 100 matrículas. Veja abaixo.

Ranking 10 escolas militarizadas em 2023 com maior número de matrículas do noturno 

Fonte: MEC / Censo Escolar 2023

  1. Colégio Jardim Alegre – Telêmaco Borba: 197 matrículas
  2. Colégio Carlos Drummond de Andrade – Foz Do Iguaçu: 181 matrículas
  3. Colégio Nóbrega da Cunha – Bandeirantes: 180 matrículas
  4. Colégio Miguel Franco Filho – Contenda: 180 matrículas
  5. Colégio Leonardo Da Vinci – Dois Vizinhos: 156 matrículas
  6. Colégio Andréa Nuzzi – Cambé: 154 matrículas
  7. Colégio Vila Macedo – Piraquara: 122 matrículas
  8. Colégio Arthur Da C Silva – Medianeira: 100 matrículas
  9. Colégio Thiago Terra – Londrina: 96 matrículas
  10. Colégio Santo Inácio De Loyola – Terra Rica: 93 matrículas

Ao olhar apenas para as matrículas da EJA, o Colégio Nóbrega da Cunha, de Bandeirantes, aparece em primeiro lugar, com 180 matrículas, seguido pelo Colégio Santo Inácio de Loyola (93), de Terra Rica, Colégio Carolina Lupion (72), de Cambará, e do Colégio Anchieta (69), de Cruzeiro do Oeste. Confira abaixo a relação das escolas com mais matrículas da EJA antes de serem militarizadas.

Ranking 10 escolas militarizadas em 2023 com maior número de matrículas da EJA

Fonte: MEC / Censo Escolar 2023

  1. Colégio Nóbrega Da Cunha – Bandeirantes: 180 matrículas
  2. Colégio Santo Inacio De Loyola, Terra Rica: 93 matrículas
  3. Colégio Carolina Lupion – Cambará: 72 matrículas
  4. Colégio Anchieta – Cruzeiro Do Oeste: 69 matrículas
  5. Colégio Santos Dumont – Santa Cruz de Monte Castelo: 52 matrículas
  6. Colégio Guido Arzua – Curitiba: 46 matrículas
  7. Colégio Jose De Mattos Leao – São João Do Ivaí: 41 matrículas
  8. Castelo Branco – Tapira: 39 matrículas
  9. Colégio Oscar J D P E Silva – Pinhais: 31 matrículas
  10. Colégio Ivan F Do Amaral Filho – Campina Grande Do Sul: 29 matrículas

Inconstitucional

O Programa de Escolas Cívico-Militares (Pecim) foi adotado em cerca de 200 escolas estaduais no primeiro mandato do governo Ratinho Jr. Até hoje, não há notícia de resultados positivos, mas o estado já conta com cerca de 312 estabelecimentos nesta modalidade.

A iniciativa não destina qualquer recurso a mais para as escolas. Pelo contrário, retira recursos do Estado para pagar uma generosa gratificação a militares aposentados(as). O valor é R$ 5,5 mil, maior do que o piso dos(as) professores(as) e o suficiente para pagar o salário básico de quatro funcionários(as) (Agentes I). É o maior cabide de emprego para militares aposentados(as) do Brasil.

Foto: Reprodução/ APP Sindicato

Um dos argumentos utilizados por defensores do modelo é o fato da mudança ser precedida por uma votação com a participação de integrantes da comunidade escolar. Mas, além das inúmeras irregularidades que colocam em xeque a legitimidade da consulta, a vedação ao suposto processo de escolha está na Constituição.

É o que explica a especialista em educação e integrante da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos, em entrevista concedida à reportagem da APP-Sindicato sobre os perigos, violações de direitos e ilegalidades das escolas cívico-militares. Pais, mães, educadores(as) e estudantes não têm direito a voto para militarizar escolas públicas. A proibição está na Constituição.

“A comunidade escolar não pode escolher militarizar ou não a escola, porque ela não é legislativa. Ora, não existe essa modalidade legalmente. Como é que a comunidade pode sair decidindo coisas que não estão previstas na lei?”, diz, lembrando também que estados e municípios não podem criar leis sobre o sistema de educação, pois o tema é de competência exclusiva da União.

Retrocesso

Com vários escândalos denunciados em todo país, esse modelo de gestão escolar se notabilizou por graves episódios de violência contra menores, abuso de autoridade e corrosão da gestão democrática. Trata-se de um modelo falido, ultrapassado e cuja única sustentação é ideológica.

Além disso, nas escolas militarizadas o governo encerra a oferta do ensino noturno, da Educação de Jovens e Adultos e dos cursos técnicos, prejudicando milhares de estudantes e adultos que trabalham durante o dia ou que não terminaram os estudos na idade certa. Outro agravante é o fato de que a direção deixa de ser eleita pela comunidade e passa a ser indicada pelo governo. 

Anunciados pelo governo Ratinho Jr. como se fossem uma fórmula mágica para melhoria da educação, todos os colégios cívico-militares implantados na rede estadual apresentam resultados no Ideb inferiores ao de dezenas de escolas com gestão democrática. 

Foto: Reprodução/ APP Sindicato

É o que mostra uma análise realizada pela APP-Sindicato nos dados do Ideb 2021, divulgados pelo Ministério da Educação. No ranking das 30 escolas com maior nota no ensino médio, por exemplo, nenhuma é cívico-militar. O Colégio Estadual de Laranjeiras do Sul, que adota o modelo democrático, lidera a lista. A escola obteve nota 6,2, índice 34% maior do que a média do estado. 

Já o colégio militarizado com a melhor pontuação é o Cândido Rondon, do município de Campo Mourão. Mas o índice obtido pelo estabelecimento em 2021 (5,5) se manteve estável em relação ao levantamento anterior (5,4).

Analisando o histórico do Ideb da escola Cândido Rondon, além de concluir que a presença dos militares dentro da escola não resultou em melhoria significativa no Ideb, também é possível observar uma queda no ritmo de crescimento que os(as) alunos(as) vinham registrando nas avaliações.

Isso fica demonstrado pela nota do Saeb, indicador que mede o desempenho em português e matemática e que é utilizado no cálculo do Ideb. Em 2017, a média da escola foi 5,02. Em 2019, cresceu 0,43 e alcançou a nota de 5,45. Já em 2021, na gestão militarizada, o incremento foi de apenas 0,1, resultando na média de 5,55.

O desempenho das escolas cívico-militares no Ideb não seria um problema se o governo não usasse a suposta melhoria nos índices educacionais para fazer propaganda do programa. Ocorre que as alegações não correspondem à realidade.

Como já demonstrado recentemente, outra afirmação do governo sobre o Ideb das escolas militarizadas é falaciosa. O crescimento do Ideb “3% acima da média da rede” se deve à exclusão de milhares de estudantes do ensino noturno, uma vez que as instituições que aderem ao programa perdem a modalidade, cujos altos índices de evasão impactam no Ideb.


Fonte: APP Sindicato

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