Implementação de plataformas digitais na rede estadual é alvo de críticas por parte de educadores e estudantes
Professores e estudantes da rede pública do Paraná têm enfrentado um processo de “plataformização” da educação, caracterizado pela adoção massiva de aplicativos e programas para a gestão pedagógica.
São cerca de 20 plataformas usadas nas escolas, muitas de uso obrigatório, com a adesão monitorada de perto pelo governo. A pressão por metas e a competição entre as instituições são incentivadas por políticas como o “Desafio Paraná”.
“Nós não estamos dando aulas, estamos apenas preenchendo plataformas”, critica o professor de História, João Paulo da Rocha. “Há uma pressão muito forte, estamos trabalhando apenas por metas, mas o resultado prático não está acontecendo”, complementa.
Educadores e alunos relatam sobrecarga de tarefas, comprometimento da saúde mental, falta de estrutura, dificuldades técnicas e incompreensão dos objetivos da transição digital. Segundo pesquisa do Instituto IPO e da APP-Sindicato, que representa os professores da rede estadual, 83% dos educadores afirmam que as plataformas não melhoraram o aprendizado. Além disso, 72,3% dizem que as escolas não têm equipamentos suficientes para atender às metas estabelecidas pela Secretaria da Educação.
Mesmo em instituições com falta de computadores ou em situações em que os alunos não possuem celular ou computador, o uso das plataformas é exigido. A pesquisa também revela que 43% dos professores se sentem assediados pela pressão para utilizar as plataformas e 95% relatam cobrança por metas e resultados.
“Existe uma legislação onde os diretores têm várias metas e métricas para serem cumpridas. Se ele não cumpre, pode ser afastado do cargo ao qual foi eleito”, alerta Marlei Fernandes, secretária de assuntos jurídicos da APP-Sindicato.
Além do afastamento de diretores, o não cumprimento das metas pode levar à perda de aulas. Recentemente, professores receberam uma mensagem da gestão escolar alertando que aqueles que não atingirem os índices desejados em 2024 não poderão lecionar disciplinas relacionadas às plataformas.
“Parabéns para quem conseguiu atingir o amarelo e o verde! Quem ainda está no vermelho, procure a pedagoga para verem estratégias e possibilidades para essas turmas. Recebemos hoje a informação de que para o ano que vem, se o professor não tiver mantido o melhor índice possível na sua plataforma este ano, não poderá pegar aulas no componente curricular que envolve a plataforma. Fiquem espertos com isso”, dizia a mensagem.
Os educadores criticam a compra de diversos aplicativos pelo governo para padronizar o currículo e monitorar o trabalho docente, priorizando o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em detrimento da aprendizagem.
“As plataformas estão gerando um negacionismo pedagógico, uma sobrecarga de trabalho e o adoecimento dos professores, além de intensificarem a ansiedade nos estudantes. Essa plataformização não é educação, é um grande negócio”, declarou Vanda Santa, secretária educacional da APP-Sindicato, no 14º Fórum da Internet no Brasil.
Professores sem liberdade para educar
Professores também relatam que a exigência de uso das plataformas limita as opções de apresentação dos conteúdos didáticos e transforma o professor em mediador da relação entre plataformas e alunos.
A professora de Biologia Eldice Balbinot, de Curitiba, relata que falta espaço para a criatividade do professor. “As plataformas engessam as nossas aulas, não temos tempo nem liberdade de dar aula e preparar as atividades como queremos”, afirma.
“A criatividade e o professor reflexivo em sala de aula não existem mais, não podemos refletir sobre qual o melhor método usar”, diz ela.
A professora Gislaine Carvalho, que leciona Língua Portuguesa, Redação e Leitura, relata que sente falta de ter tempo para trabalhar os conteúdos e até mesmo desenvolver relacionamento afetivo em sala de aula.
“Com essa plataformização temos que bater metas. Na minha disciplina são três produções por semestre e eles (Seed) definem o gênero textual a ser trabalhado. Eu não tenho autonomia para planejar a minha aula”, conta Gislaine. “Na educação tudo é experimento, mas ultimamente tem sido tentativa e erro”.
Sobrecarrega e adoecimento
Acelerada pela pandemia e mantida pelo atual secretário de Educação, Roni Miranda, a transição digital tem gerado índices alarmantes de sobrecarga e adoecimento entre educadores e estudantes. Mais de 70% dos professores apontam impactos negativos na saúde física e mental relacionados ao uso das plataformas e às metas impostas.
Ainda segundo a pesquisa “Plataformização da Educação”, quase 91,3% dos educadores se sentem sobrecarregados com o uso das novas plataformas, e 74,3% afirmam sofrer impactos negativos em sua saúde. Mais de 78% conhecem colegas que adoeceram devido às dificuldades impostas pela digitalização do ensino.
“A sensação de sobrecarga de trabalho está associada à forma como vem ocorrendo a política de implantação de uso das plataformas digitais. Os professores estão sentindo a precarização das condições de trabalho e isso afeta a sua saúde física e emocional”, avalia a socióloga Gisele Rodrigues, gerente de pesquisas do IPO.
Mas os educadores não são os únicos indignados com a avalanche de plataformas digitais. Os estudantes também sofrem com a pressão das plataformas. Relatos de ansiedade e sobrecarga emocional são frequentes.
“Os professores pelo menos uma vez na semana mandam quizzes para os alunos, mas imagina um aluno com dez matérias, imagina quantos quizzes ele terá em casa? As notificações dos quizzes chegam o tempo todo, é um peso”, relata a professora de Matemática, Raquel Silveira.
“Ouvi muitos relatos relacionados à ansiedade. Além das atividades das matérias, como provas e trabalhos, muitos alunos trabalham no contraturno, e essas plataformas têm gerado uma pressão desnecessária, que só serve para cumprir metas do governo”, diz Erick, aluno do segundo ano do Colégio Estadual Ivo Leão.
Os estudantes também reclamam de erros e travamentos nas plataformas, que os fazem perder o progresso nas avaliações e podem prejudicar a nota.
“Não é de hoje que vejo uma má otimização, travamentos, interface que não é dinâmica, entre outros problemas”, ressalta o aluno. “Um projeto mal estruturado, cheio de defeitos e bugs que apenas sobrecarrega os professores e os alunos, sem fins educativos e que apenas busca números para o governo do estado dizer que temos o melhor Ideb do Brasil”, opina.
Opção, não obrigação
Embora os professores não sejam contrários à adoção de novas tecnologias, criticam o excesso de plataformas e a obrigatoriedade de seu uso. Segundo a pesquisa, 90% dos educadores defendem que as plataformas sejam de uso opcional, servindo como ferramentas de apoio pedagógico, e não como exigência.
“Se fosse autorizada usar as plataformas como um diferencial nas aulas, seria maravilhoso, mas como tem essa questão da obrigatoriedade e o Desafio Paraná, fica uma pressão para que cumpra os índices, para isso temos que parar a aula e pedir para que os alunos façam as tarefas de casa”, afirma o professor João Paulo da Rocha. A professora Raquel Silveira sugere que as plataformas sejam usadas em avaliações de fim de trimestre, em vez de semanalmente, para evitar o esgotamento dos alunos e educadores.
A Secretaria Estadual do Paraná foi procurada pela redação do Brasil de Fato PR, mas não retornou aos questionamentos até a última atualização desta matéria.
Fonte: ICL Notícias