O líder da oposição na Assembleia Legislativa, Arilson Chiorato (PT), apresentou nesta semana uma proposta de decreto legislativo para anular a norma que autoriza o acesso da Fapec (Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura) aos dados armazenados pela Celepar (Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná).
Na semana passada, os deputados aprovaram um pedido de informações ao governo sobre o contrato no valor de R$ 38 milhões, feito com inexigibilidade de licitação. O convênio entre a Casa Civil do governo e a Fundação prevê a prestação de serviços voltados ao “desenvolvimento e execução de um projeto de ensino, pesquisa e gestão”.
Os questionamentos sobre o convênio teriam gerado mal-estar no governo e na base de apoio ao governador. Nesta semana, Ratinho Júnior disse que o contrato está sendo analisado pela Controladoria Geral do Estado. “Está tudo organizado e a Controladoria está fazendo toda a análise”, afirmou ele ao deixar o evento em que o estado liberou R$ 80 milhões para obras na Linha Verde, em Curitiba.
Uma das suspeitas é que a Fapec, com sede em Campo Grande (MS) e ligada à Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), tem acesso aos dados do governo e dos cidadãos paranaenses, geridos pela Celepar, empresa que já teve sua privatização aprovada no ano passado pela Assembleia.
A Fapec teria acesso aos dados por meio da LAB.PR, que teve sua criação anunciada em outubro pela Casa Civil. “Esse dispositivo é um risco à privacidade da população. Ele fere a LGPD, a lei que criou a Celepar e o bom senso. Os dados dos paranaenses, sobre saúde, educação, segurança e impostos, devem estar sob guarda do Estado, e não de fundações externas”, afirmou Arilson Chiorato.
O convênio entre a Casa Civil e a Fapec foi assinado em abril de 2024, com vigência de 35 meses. Em agosto, foi lançado o Centro Integrado de Gestão e Governança (CIG-PR), ligado à Casa Civil, em parceria com a Fapec, com o objetivo de “construir uma nova modelagem de gerenciamento de projetos e políticas públicas”. Em outubro, a Casa Civil anunciou a criação do LAB.PR, o Laboratório de Ciência de Dados e Inteligência Pública.
Apontado como um dos eixos do CIG-PR, o LAB.PR tem entre suas funções, descritas na página do Laboratório no portal do governo, a “Coleta e Análise de Dados”, com “Implementação de sistemas para a coleta contínua e estruturada de dados relevantes, provenientes de diversas fontes governamentais e sociais”.
Sem informações sobre os dados
O governo do Paraná e a Fapec não dão informações sobre o nível de acesso da fundação aos dados dos paranaenses – que podem incluir informações da áreas sensíveis como segurança pública, saúde, históricos médicos, processos judiciais e multas de trânsito, além de dados fiscais de empresas e de agentes públicos, como policiais, promotores e juízes.
Em outubro, em um pedido de informações à Casa Civil, a reportagem questionou desde quando o LAB.PR vem acessando os dados do governo, mas não houve resposta sobre esse ponto. A Casa Civil não informou também se Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) havia sido consultada sobre o processo – o que poderia estar em desacordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que veda a gestão de dados da área de segurança pública por entidades privadas.
Na semana passada, a Fapec não respondeu ao questionamento do Plural a respeito do acesso aos dados do governo (leia abaixo a nota da fundação). O contrato com a Casa Civil, entretanto, prevê que o governo forneça “todas as informações, dados e documentos que se fizerem necessários e que forem solicitados pela contratada”.
Dos R$ 38 milhões previstos no contrato, R$ 16,7 mihões são destinados à contratação de “pessoal de escritório de processos para o CIG-PR”; R$ 2,5 milhões para “implementação da Sala de Situação do CIG-PR”; R$ 400 mil para “locação de veículos e gastos com deslocamento”; R$ 445 mil para “locação de equipamentos” e R$ 5,3 milhões para implementação do CIG-PR, entre outros gastos. O convênio prevê “redes de alta velocidade, garantia de segurança da informação e alta disponibilidade dos serviços e aplicações de TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação)”.
Contrato com a Seed
Quase dois anos antes do contrato com a Casa Civil, a Fapec firmou um convênio com a Seed, com vigência entre setembro de 2022 e setembro de 2026. Assinado pelo ex-secretário da Educação Renato Feder, o contrato tem o valor total de R$ 58,3 milhões, dos quais R$ 42,6 milhões já foram pagos, segundo o Portal da Transparência do governo do Paraná. O último repasse foi no dia 17 de outubro de 2024, no valor de R$ 1.014.786,56.
Em junho do ano passado, a Fapec foi citada no episódio do disparo em massa de um vídeo contrário à greve dos professores, que protestavam contra o projeto de terceirização da gestão de escolas. O vídeo foi enviado aos contatos fornecidos por pais e responsáveis por alunos da rede estadual. Em um primeiro momento a Seed negou o envio, mas o vídeo estava no drive de Luciano Renan, um funcionário da Fapec.
Nota da Fapec
A Fapec enviou uma nota na semana passada a respeito do contrato com a Casa Civil. A reportagem questionou ainda a respeito do acesso da entidade aos dados do governo e a apuração sobre os disparos em massa no ano passado. Segue a nota enviada pela Fapec.
A FAPEC é uma fundação de apoio privada e sem fins lucrativos, credenciada no MEC/MCTI pela Portaria Conjunta n.º 129/2021, criada para apoiar a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, com a missão de promover pesquisa, ensino, extensão, desenvolvimento institucional e tecnológico e inovação, em parceria com instituições públicas e privadas.
Temos um histórico de transparência e compromisso, sendo regulados por órgãos de controle e fiscalizados pelo Ministério Público.
A Fundação Fapec, além de ser a Fundação de uma Universidade Federal com conceito máximo de avaliação no MEC, encontra-se também aprovada pelo Conselho Técnico Científico da Unidade de Pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI do atual Governo Federal, como sua Fundação de Apoio.
Somos a Fundação dos Movimentos Sociais do países do Mercosul e a Fundação de Apoio que participou do G20 Social a convite da Secretaria – Geral da Presidência da República do atual Governo Federal, tendo inclusive presidido Plenária Internacional no referido encontro.
Atualmente, atuamos em centenas de projetos. Só com o Governo Federal apoiamos diversos projetos de ensino, pesquisa e extensão.
A FAPEC é Fundação no Brasil referência, premiada pela gestão de convênios de aplicação em todo o território nacional.
Todos os contratos e projetos com os quais atua são geridos de forma transparente, segura e dentro da legalidade, e todos os processos seletivos e de contratação atrelados aos projetos são realizados de forma clara, sendo amplamente divulgados, garantindo a integridade, concorrência e a idoneidade da nossa atuação.
Vale ressaltar, ainda, que a FAPEC foi procurada pela Casa Civil do Paraná e pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná em razão da sua metodologia e das ferramentas próprias desenvolvidas com base no Marco de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016) e pertencentes à esta Fundação, tendo a contratação em questão seguido todos os trâmites legais, sendo aprovada por órgãos competentes.
Os resultados de nossos projetos, reconhecidos nacionalmente pelo Governo Federal são um reflexo do nosso compromisso com a inovação e o desenvolvimento nacional.
O CONTRATO questionado pelo Plural foi feito dentro das regras da Lei de Licitações e Contratos Administrativos e da Constituição Federal, tendo percorrido todos os ritos necessários. Cabe ainda esclarecer que o mesmo encontra-se disponível no Portal da Transparência.
As ações e produtos que compõe o objeto contratado encontra-se em execução e pleno desenvolvimento.
Quanto ao último questionamento, as medidas e apurações necessárias foram tomadas, sendo comprovado que não houve nenhuma irregularidade no ambiente da Fundação.
Fonte: Jornal Plural