Entre 2021 e 2023, queixas saltaram mais de 500%
Na última sexta-feira (6), Silvio Almeida, responsável pelo Ministério dos Direitos Humanos, foi demitido após denúncias de assédio sexual divulgadas pelo portal Metrópoles, com base em levantamento do Me Too Brasil. Segundo a entidade, que tem como missão apoiar vítimas de violência sexual, os episódios envolvendo o ex-líder da pasta teriam ocorrido no ano passado, sendo uma das vítimas, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
De acordo com relato de Anielle, Silvio Almeida, que também é advogado, filósofo e professor universitário, teria tocado em sua perna durante uma reunião na Esplanada e dado beijos inapropriados ao cumprimentá-la, além de usar palavras de cunho sexual.
Ao se pronunciar sobre o caso, a ministra disse que “não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência” e que “contribuirá com as apurações, sempre que acionada” (acompanhe aqui).
Reportagem da GloboNews indica que integrantes da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sabiam, desde o ano passado, de relatos de assédio cometidos por Silvio Almeida.
Em nota, o Palácio do Planalto informou que a Comissão de Ética da Presidência da República abriu um procedimento de apuração sobre o caso e estabeleceu dez 10 dias úteis para, o agora ex-ministro, se explicar. A Polícia Federal também instaurou inquérito para investigar as denúncias de violência sexual envolvendo Silvio Almeida.
Mas o episódio não é isolado. Pelo contrário, segundo dados da CGU (Controladoria-Geral da União) entre janeiro e agosto deste ano, o órgão recebeu 557 denúncias envolvendo repartições federais. O índice equivale a, em média, dois casos por dia. A maioria dos casos estão relacionados a órgãos subordinados ao Ministério da Saúde e universidades federais.
O levantamento demonstra que a quantidade de denúncias de assédio na esfera federal tem crescido ano a ano. Em 2023, foram 920 registros. Em 2022, o total de queixas chegou a 531. Já em 2021, foram 178. Ou seja, entre 2021 e 2023, as denúncias saltaram mais de 500%.
Desde 2001, assédio sexual é considerado crime no país. Conforme estabelecido no Código Penal, corresponde à: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Nos últimos dois anos, o governo federal instaurou 75 processos disciplinares para apurar denúncias de assédio e outras condutas sexuais impróprias em ministérios. Entre 2019 e 2020, 50 funcionários foram expulsos em todo funcionalismo federal após investigações para apurar assédios sexuais. Porém, entre os Ministérios, o número foi significativamente inferior. Das 22 ações concluídas, apenas três resultaram em ajustamento de conduta e dois servidores foram suspensos.
Maioria dos estados não possui legislações
Conforme informado pelo Portal Verdade, somente cinco estados possuem legislações para combate e penalização ao assédio no serviço público. Estudo nomeado “Servidoras e servidores públicos contra assédio e violência no trabalho: limites da estabilidade do mecanismo de proteção” identificou que apenas 12% dos acusados de assédio moral e 21% dos de assédio sexual são punidos (relembre aqui).
“A denúncia ainda é um caminho difícil, principalmente, porque estamos falando de situações de poder em que trabalhadores e chefias não possuem a mesma força. A necessidade de subsistência muitas vezes fala mais alto e não podemos culpabilizar as vítimas por isso, ao contrário, temos que avançar no estabelecimento de leis que as resguardem”, afirma a advogada Janaína Bertão.
Mas a profissional também alerta para o fato de que nem sempre os agressores ocupam postos de maior hierarquia do que as vítimas. Além disso, destaca que em casos nos quais as denunciantes são mulheres, a dificuldade para a instauração de um processo de investigação torna-se ainda maior, isto porque a cultura machista tende a deslegitimar tais vozes em todos os espaços.
“É sabido que as mulheres são as principais vítimas de assédio no país. Precisamos avançar em estudos mais detalhados que permitam ver como isto ocorre no mercado de trabalho. Mas a suspeita é que elas também sejam as vítimas mais frequentes neste ambiente. Entretanto, acompanhando alguns casos de perto, observo que a mesma tentativa de minimizar a violência, desacreditar do relato e tentar impedir que processos avancem é muito comum”, ressalta.
AGU lança cartilha de prevenção ao assédio
Em agosto, a AGU (Advocacia-Geral da União) lançou Cartilha de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio no Serviço Público Federal (acesse aqui). O informativo apresenta conceitos e definições sobre assédio sexual, além de informações sobre dados, formas de identificação e canais de denúncia.
O documento também recomenda punições cabíveis em caso de violação praticada por supervisores de organizações contratadas pela administração pública, como empresas terceirizadas.
Atualmente, a plataforma Fala.BR é o principal canal de denúncia de casos de assédio sexual no âmbito do serviço público federal, e é possível fazer uma denúncia acessando a opção “denúncia” disponível no site.
As denúncias também podem ser feitas em ouvidorias e serão transcritas na plataforma Fala.BR. Caso a infração tenha sido praticada por servidores federais no exercício de suas atribuições, a vítima também pode denunciar o fato à Polícia Federal.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.