Decisão de manter parceria com ONG que desviou quase R$ 600 mil reais causa incerteza em programa de proteção
A manutenção da parceria com uma organização responsável pelo desvio de quase R$ 600 mil dos cofres públicos empurrou para área de risco extremo, de novo, a integridade e a segurança de testemunhas. Nesta semana, o conselho deliberativo do programa de acolhimento a adultos que precisam da proteção do Estado, o Provita, deixou de receber novos ameaçados por causa de irregularidades que abalam a continuidade dos serviços – relacionados, na grande maioria das vezes, à garantia da vida das vítimas.
O governo do Paraná negou que haja impacto no atendimento, embora tenha informado que “já está promovendo, com a devida celeridade, o processo de seleção de entidade executora na forma da lei”.
O impasse está relacionado às pendências da executora das atividades, a Associação para a Vida e Solidariedade (Avis). Em 2021, a organização desviou R$ 580 mil de outro programa de proteção estadual do qual também era condutora, o PPCAAM, destinado a crianças a adolescentes ameaçados de morte. O roubo foi imputado a um dos diretores da ONG, incluída em dezembro passado no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados (Cadin) por nunca ter retornado o dinheiro ao caixa da administração pública.
Embora o termo de colaboração para os serviços do PPCAAM tenha sido descontinuado com a Avis, a entidade foi mantida à frente do Provita, programa que funciona com contrapartida da União. O convênio do Paraná com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) se encerra em abril do próximo ano e ainda tem uma última parcela pendente, no valor de R$ 562 mil, conforme indica o Portal da Transparência do governo Federal. O valor deveria ter sido repassado em abril, mas foi segurado.
Em resposta, o MDHC não citou o caso da Avis como causa do atraso, mas sugeriu irregularidades. Em nota, disse “que aguarda somente o cumprimento dos critérios pelo conveniente” para “dar seguimento aos trâmites de pagamento”.
De modo geral, a orientação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é para que órgãos e entidades da administração pública federal sejam “obrigados” a fazer consultas prévias ao Cadin, “a fim de realizar operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos, conceder incentivos fiscais e financeiros e celebrar convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos”.
Apesar de o Provita não ter descontinuado as atividades – pessoas já incluídas permanecem sob proteção do Estado –, o imbróglio paralisa novas adesões, o que resulta também em grande instabilidade para processos e investigações em trâmite. Hoje, casos atendidos pelo Provita chegam majoritariamente a pedido do Ministério Público, mas o Judiciário também pode acionar as medidas de proteção, consideradas como uma ferramenta de assistência bastante importante para acolher pessoas ameaçadas ou coagidas.
Esta é a segunda vez em dois anos que a gestão de Ratinho Jr. coloca na corda bamba serviços de acolhimento a testemunhas e vítimas no Paraná. Em 2021, o rombo provocado pela Avis exigiu aporte emergencial do Fundo Estadual para a Infância e Adolescência (FIA) para que o PPCAAM não fosse paralisado, já que contas começaram a se acumular. Um ano depois, o programa seguia operando em modalidade emergencial, ainda com repasses do FIA.
À época, Marino Galvão, ex-diretor-presidente da entidade responsável por colocar em prática as ações da política de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte no Paraná e apontado como o responsável pelo desvio de R$ 580 mil do caixa do programa, alegou ter mexido no dinheiro por ter sido vítima do golpe do bilhete premiado.
Decisão do conselho
Além de afirmar que o processo de seleção para uma nova executora já está em andamento, a Seju respondeu ao Plural que a decisão de manter a Avis como coordenadora do Provita, mesmo após o rombo provocado pela entidade, não foi da gestão Ratinho Jr. (PSD), mas do próprio conselho deliberativo do programa, “por não haver alternativas viáveis naquele momento”.
“Em 2021, foi mantida a entidade executora do programa, tendo em vista que a interrupção do serviço acarretaria risco de vida e de novas violações dos direitos humanos das vítimas atendidas pelo programa, ferindo os princípios constitucionais da legalidade, da dignidade humana e da continuidade dos serviços públicos essenciais”, afirmou.
No Paraná, o conselho deliberativo do Provita é composto por representantes do Ministério Público, do Judiciário, da Assembleia Legislativa, da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Paraná. Também há indicados da própria Seju, da Secretaria de Segurança Pública e das as Polícias Federal, Civil e Militar, o Judiciário Estadual, além de três representantes de entidades não governamentais da área de direitos humanos.
Segundo a nota, o entendimento do colegiado foi de que “o desvio de conduta foi realizado por um ex-dirigente e não pela entidade”.
Ainda de acordo com a pasta, apesar de a última transferência do governo federal ter sido efetuada em outubro do ano passado, os repasses já feitos são suficientes para manter as vítimas atendidas pelo programa, “sendo infundada a afirmação que o programa está fechado”.
A reportagem não havia conseguido contato com a Avis até o fechamento deste material. O espaço para esclarecimentos por parte da entidade segue aberto.
Fonte: Jornal Plural