A indústria farmacêutica nacional faturou, neste ano de 2023, R$ 147 bilhões. Nos EUA, passou de US$ 1 trilhão! É fácil constatar porque é bem mais lucrativo deixar as pessoas adoecerem para, só depois, medicá-las. A prevenção não é nada lucrativa. Além desse insano mercado, veja o que há de macabro por detrás das pesquisas sobre medicamentos:
PIMENTA NOS OLHOS DOS OUTROS
Para se colocar remédio da praça, primeiro dá para um bicho engolir. Morreu? Reduza a dose e tenta de novo. Sobreviveu? Bota no balcão da farmácia que o negócio é faturar!
E, na poeira destes experimentos com animais, diria Laurinho, meu prezado:
– Muito macaco, rato e coelho foi esperdiçado.
Para ser quase preciso, pois não há quem saiba o número de cobaias submetidas a experimentos científicos no mundo, estima- se que, a cada ano, só os Estados Unidos usem 35 milhões de animais; o Japão, 8 milhões e a Inglaterra, 4 milhões. Não se contam aí a França, Itália, Suíça, Bélgica, Canadá e seus impérios farmacológicos e de cosméticos e 160 países mais, que também fazem experimentos, na imensa maioria, inúteis.
A requisição desses milhões de seres durante os últimos cem anos, aos poucos fez vicejar e agigantou uma verdadeira indústria de gaiolas, mordaças, cordas, algemas, seringas, agulhas, soros, medicamentos, esteiras, fios e cabos para choques elétricos, laboratórios, profissionais, rações, vacinas para animais e um império comercial que vai da procriação à entrega do animal.
As cobaias sentem o que nós humanos sentimos. Caso não sentissem, como justificariam experimentos com alguma utilidade a humanos?
Por isso, as experiências induzem nelas dor, angústia, ansiedade, desespero, incontáveis perturbações psicológicas, zumbidos, desorientação, sono, insônia, sede, fome, vômitos, anemia, febre, hipertensão arterial, arritmia cardíaca, diarreias, paralisias, convulsões, sangramento digestivo e morte.
São experimentos como os que pingam tinta de caneta, corante, cosméticos, batom, cera para assoalho, alvejantes, xampus e produtos de limpeza nos olhos de coelhos. Ou as que os obrigam a ingerir papel sem parar. Ou choques elétricos nas patas de cachorrinhos que não podem fugir. Ou doses letais de radiação química e gases neurotóxicos em macacos. Ou a ingesta, por cães, de cápsulas de nitroglicerina.
Ou choques em peixes. Ou a abertura da caixa craniana de macaquinhos vivos. Ou dores em pôneis…
Por tudo isso e muito mais, naquela noite, as cobaias marcaram reunião de emergência. A gaiola de uma arara recém-chegada, ainda envergonhada pelas novas quatro cores adquiridas já nas agulhadas do primeiro experimento, recebeu a todos. Estufado, o local não cabia sequer mais um hamster.
– Deixa disso, arara! Olha para mim, um legítimo rato pelado, carregando este implante de cabelo…
– E eu não estou mais bonita que você – tentou ajudar a lebre, piscando um olho azul e o outro vermelho…
A anfitriã relaxou, seu intestino funcionou, e a reunião, pôde começar.
O macaco, circunspecto, explicou o ponto da pauta:
– É daqui para o cemitério! Não há como escapar.
Um lamento uníssono percorreu o recinto. Ele continuou:
– Todas as rotas de fuga já foram testadas. Quem tentou, falhou. Não podemos persistir. Já perdemos companheiros demais.
– Não há mais nenhuma cobaia?
O sarcasmo foi recebido com total indignação.
– O que fazemos? – suplicou a porquinha já sem útero, com apenas três das mamas ainda intactas e sem os dentes de cima.
– Se não há como sair, vamos reduzir o número dos que podem entrar.
– Sensato – rosnou um cão fluorescente.
E, em meio a um clima de invejável solidariedade para com cobaias que jamais sonhariam entrar naquele local, foi que o grupo resolveu não mais colaborar.
Ao raiar do sol, no primeiro choque matinal, o cão começou a miar. Confuso, o experimentador humano deixou-o e foi colocar máscaras de gases tóxicos nas narinas de coelhinhos recém-nascidos. Mas os ratos haviam roído o tubo que acessava o compressor. Por isso, os coelhinhos sorriam ao invés de, como era esperado, guincharem, babarem, debaterem-se.
Não crendo no que via, ele tentou checar uma última experiência: provocar parada cardíaca, com dois mililitros de adrenalina, em macaco Rhesus. Mas, a água destilada durante a noite, sorrateiramente, substituiu a adrenalina do frasco, permitindo que o futuro moribundo abrisse os braços e, num terno abraço, como um igual, acalentasse o pesquisador.
Foi muito!
Estarrecido, com os olhos esbugalhados, as mãos tateando o ar em puro desespero, o experimentador saiu trôpego, balbuciando frases desconexas e, na ânsia de ver-se livre daquele verdadeiro manicômio em que tinha se transformado seu pacato e ordeiro laboratório, esqueceu a porta aberta e aquelas vidas condenadas puderam, para sempre, fazer aquilo para o qual haviam nascido: viver.
Luiz Eduardo Cheida é médico gastroenterologista em Londrina