Em um país onde a expectativa de vida cresce, a falta de dignidade e respeito para com idosos expõe a urgência de mudanças sociais e políticas que garantam um envelhecimento saudável e ativo
Na última terça-feira, 1º de outubro, celebramos o Dia do Idoso, uma data que remete ao estabelecimento da Lei nº 10.741, mais conhecida como Estatuto do Idoso.
O marco, que completa 21 anos, é importante para proteção dos direitos dessa população. Embora a legislação tenha sido um passo para garantir dignidade e respeito aos mais velhos, envelhecer no Brasil ainda é um desafio.
Quando olhamos para o futuro, a expectativa de vida está aumentando. De acordo com dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente, 14,7% da população é composta por pessoas com 60 anos ou mais, somando 31,2 milhões de indivíduos. Projeções indicam que, em 2039, a quantidade de idosos no país ultrapassará a de crianças, e, até 2060, 25,5% da população será idosa.

O que deveria ser uma boa notícia, na prática, viver mais não tem sido sinônimo de viver melhor. O país ainda não está preparado para cuidar de quem envelhece, e isso vai além da saúde, envolve etarismo, acesso à renda e trabalho, e o direito de ser tratado com dignidade.
Pense em como o sistema de saúde tem funcionado, face ao crescente sucateamento e falta de recursos, é quase certo que você já ouviu ou vivenciou a saga de conseguir uma consulta médica no SUS. Agora, imagine ser idoso, com doenças crônicas como diabete ou hipertensão, e depender desse sistema para se cuidar. As filas são longas, os retornos são demorados, e o atendimento especializado nem sempre está disponível. Em muitos casos, o que poderia ser controlado logo no início acaba se agravando porque o tratamento não chega a tempo.
Para quem tem mais de 60 anos, isso pode significar perder a autonomia, a qualidade de vida e, em alguns casos, até a esperança, é o que explica Francielle Franco, formanda em Direito pela Universidade Estadual de Londrina e Coordenadora do Instituto Movimenta 60+.
“Um dos maiores desafios para as pessoas idosas no Brasil é a falta de acesso de qualidade na saúde. Você precisa de uma especialidade e fica anos na fila de espera. Isso acaba afetando muito a saúde da pessoa idosa, que, por vezes, poderia resolver o seu problema no início, mas acaba agravando a situação”, ressalta.
Do ponto de vista econômico, a aposentadoria é frequentemente associada à ideia de descanso e tranquilidade após anos de trabalho. Entretanto, a realidade é bem distinta. Com o aumento da expectativa de vida, a proporção de trabalhadores com 60 anos ou mais cresceu de 17,4% para 19,1% da população em idade ativa entre 2019 e 2023. Um salto de 29,4 milhões para 33,4 milhões de empregados nessa faixa etária, conforme revelam os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
Para Francielle, essa situação evidencia que muitos idosos são forçados a permanecer no mercado de trabalho, pois suas aposentadorias não são suficientes para cobrir despesas básicas como alimentação, medicamentos e moradia. Assim, uma parte considerável dessa população se vê obrigada a buscar trabalho para complementar sua renda.
No entanto, a reintegração dos idosos ao mercado de trabalho enfrenta obstáculos significativos, como o preconceito etário e a ausência de políticas inclusivas. Isso resulta em 4 milhões de trabalhadores com 60 anos ou mais atuando na informalidade, representando uma taxa superior a 54%.

O preconceito não apenas prejudica a empregabilidade dos idosos, mas também compromete sua sociabilidade. Com o passar do tempo, muitos perdem seu círculo de amigos e a convivência diária, intensificando o isolamento.
“Há um estigma associado ao envelhecimento, onde os idosos são vistos como incapazes. A sociedade marginaliza essa população, considerando-os menos capazes, menos produtivos e menos úteis. Isso afeta diretamente sua autoestima e participação social”, comenta a pesquisadora.
O isolamento social é um dos principais fatores que contribuem para a violência contra os idosos, junto com a vulnerabilidade financeira e a falta de apoio familiar. Dados do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM) mostram que mais de 42 mil denúncias de violações contra pessoas com mais de 60 anos foram registradas nos primeiros três meses de 2024. O mais alarmante é que uma parte dessa violência ocorre dentro de casa, muitas vezes perpetrada por aqueles que deveriam cuidar deles.
Para Francielle, é necessário promover campanhas de conscientização e oferecer suporte para as famílias, sublinhando a importância de um olhar atento para a autonomia dos idosos.
Claro, envelhecer não precisa ser um fardo. Existem países que valorizam seus idosos, criando espaços de convivência, políticas de inclusão no trabalho e sistemas de saúde eficientes. Mas, aqui, ainda temos um longo caminho a percorrer. O Brasil precisa entender que envelhecer não é sinônimo de limitação. É uma fase da vida que pode ser rica, plena e significativa, desde que a sociedade esteja disposta a oferecer suporte e respeito.
“A mudança começa com a conscientização. Precisamos de mais programas que olhem para a saúde preventiva, que garantam um atendimento rápido e eficaz. No mercado de trabalho, é necessário abrir espaço para que os mais velhos possam continuar contribuindo e se sentindo valorizados. E, acima de tudo, precisamos mudar a forma como enxergamos o envelhecimento. Menos preconceito, mais empatia”, pontua Francielle.
Envelhecer faz parte da vida de todos nós. O que não deveria fazer parte é a dificuldade de viver com dignidade em um país que, ironicamente, envelhece rápido demais para acompanhar os próprios desafios.
Matéria da estagiária Joyce Keli dos Santos sob supervisão