Bancada governista articulou votação remota após manifestantes ocuparem ALEP
Na noite desta segunda-feira (3), deputados aprovaram, em primeiro turno, projeto de lei que autoriza a concessão de colégios estaduais para gestão da iniciativa privada.
O programa “Parceiro da Escola”, proposto pelo governador Ratinho Júnior (PSD) teve amplo apoio dos parlamentares. Foram 39 votos favoráveis e 12 contrários. Acompanhe como votou cada deputado:
A sessão ocorreu de maneira remota após manifestantes ocuparem a ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) com o intuito de acompanhar a votação. Educadores, estudantes, lideranças políticas, representantes de movimentos sociais e comunidade em geral se reuniram desde o período da manhã, na capital paranaense, para ato que reivindicou a retirada de pauta da matéria (saiba mais aqui).
Em contrariedade à proposta, professores e funcionários de escola do Paraná iniciaram greve, por tempo indeterminado, também nesta segunda-feira.
Uma das principais críticas da categoria é a falta de diálogo do mandatário do Iguaçu com os trabalhadores e alunos, principais afetados pela medida.
Rogério Nunes, professor da rede estadual, secretário de Assuntos Jurídicos da APP-Sindicato Núcleo Londrina, assinala a dificuldade para gestão democrática da educação, princípio garantido na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 1996. Ele também reforça o apoio dos parlamentares à ofensiva em prol das privatizações no estado.
A gestão Ratinho Júnior conta com ampla maioria no poder Legislativo estadual. Dos 54 deputados, 44 compõem a ala governista, de modo que o mandatário do Palácio do Iguaçu tem conseguido aprovar, sem grandes dificuldades, os projetos enviados à Assembleia.
“Aquilo que deveria ser a representação e a casa do povo, nesses momentos elas demonstram que, infelizmente, com raras exceções, a bancada dos deputados estaduais está para lá apenas para chancelar a sanha privatista do governo Ratinho Júnior”, analisa.
“É, no mínimo, sintomático que o presidente da ALEP, Ademar Traiano, réu-confesso por corrupção, se sinta no direito de encaminhar um projeto de votação tão sério que entrega das escolas públicas à iniciativa privada. Então, nós verificamos com muita preocupação, mais uma vez, a Assembleia Legislativa, principalmente, a bancada do governo, perde a credibilidade, se é que ela tinha em algum momento”, complementa o docente.
Bruno Garcia, representante da diretoria de Saúde e Previdência da APP-Sindicato Núcleo Londrina, também pontua a estratégia dos parlamentares em transformar a sessão em remota para garantir a aprovação do projeto impedindo a participação popular.
“Na época do golpe da presidenta Dilma, teve uma deputada muito conhecida que chamou eles de ‘canalhas, canalhas, canalhas’. E eu repito isso: canalhas, canalhas, canalhas. Não há outra frase para dizer. Alguém que precisa votar em regime de urgência e sair com o Choque pelos fundos não merece o mínimo de respeito da sociedade”, adverte.
Regime de urgência
Em 20 de maio, o secretário de Educação, Roni Miranda, conduziu reunião em que apresentou a iniciativa apenas para deputados da ala governista.
Na sequência, o projeto foi apresentado pelo governador Ratinho Júnior, na última segunda-feira (27) em caráter de urgência, o que reduz o prazo para análise das comissões do Legislativo antes da votação.
Em sessão extraordinária realizada na última quarta-feira (29), parlamentares membros da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), aprovaram o projeto com grande adesão. Apenas os deputados Arilson Chiorato e Requião Filho, ambos vinculados ao PT (Partido dos Trabalhadores), votaram contra a proposta. O texto seguiu para a Comissão de Educação, onde recebeu pedido de vista. A solicitação partiu do deputado, único de oposição na Comissão, professor Lemos (PT).
Na tarde desta segunda-feira, a Comissão de Educação também aprovou o projeto, possibilitando que ele fosse ao plenário.
No último domingo (2), presidente do TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná), Luiz Fernando Tomasi Keppen, negou pedido feito por oito deputado estaduais oposicionistas, de suspensão da tramitação do projeto de lei que quer terceirizar a gestão administrativa de escolas públicas do Paraná.
O mandado de segurança foi protocolado no sábado (1º) e tentou impedir o avanço da proposta. Os parlamentares alegam que houve violação do processo Legislativo pelo fato de o projeto não ter passado pela Comissão de Finanças e Tributação, e que não foram apresentadas informações do impacto orçamentário da proposta.
O desembargador também afirmou que cabe apenas ao Legislativo decidir se a matéria deve ou não tramitar em regime de urgência, não cabendo ao Judiciário avaliar a questão.
Ratinho recorre ao Judiciário para tentar barrar greve
Negligenciando o direito dos trabalhadores à mobilização e a soberania das assembleias, a Procuradoria-Geral do Estado entrou com liminar tentando barrar a paralisação dos educadores.
Em decisão, também emitida no último domingo, a desembargadora Dilmari Helena Kessler determina que a paralisação dos educadores não pode iniciar até que a APP-Sindicato apresente “um plano para manutenção dos serviços educacionais”. O descumprimento, segundo a magistrada, acarreta a multa diária de R$ 10 mil.
Em resposta, a APP-Sindicato classificou a medida como mais uma “prática antissindical” do governo Ratinho Júnior, garantiu que a greve é legal, cumpriu todos os ritos necessários e está mantida (veja aqui).
“A decisão da desembargadora não considerou a greve ilegal, mas apenas que nos tínhamos 15 dias para protocolar como garantiríamos o atendimento aos estudantes. Nós, assim que fomos notificados, fizemos a resposta à desembargadora de como faremos o assistência como sempre fizemos. A greve continua e só será suspensa ou encerrada em uma assembleia da categoria. Neste momento, o projeto de lei continua em tramitação e por isso a greve continua”, afirma Walkiria Mazeto, presidenta da APP-Sindicato.
“Fake news de sindicalistas”
Nesta segunda-feira, durante entrevista coletiva, Ratinho disse que “a greve teve baixa adesão” e que tratava-se de uma “fake news de sindicalistas”.
De acordo com levantamento da APP-Sindicato, a paralisação está ocorrendo em todas escolas estaduais, seja com suspensões parciais ou totais das atividades. Em Londrina, estimativa do coletivo, indica que aproximadamente 70% dos educadores aderiram à greve que segue por tempo indeterminado.
“Se o tramite for superado, vamos recorrer a via judicial porque este projeto é ilegal, inconstitucional além de imoral”, adverte Mazeto.
Como a proposta recebeu emendas, deverá retornar para a Comissão de Constituição e Justiça, antes de ser colocada em segunda votação.
“Só nós, professores e funcionários de escola, podemos suspender a greve, porque fomos nós que a deflagramos”, reforça Márcio André Ribeiro, presidente da APP-Sindicato Núcleo Londrina.
Entenda os próximos passos
Após a primeira aprovação em plenário, a CCJ se reuniu para começar a avaliar as emendas.
O relator do projeto no colegiado e líder do governo na Assembleia, deputado Hussein Bakri (PSD), apresentou parecer contrário a nove emendas. O voto dele foi acompanhado pela maioria.
As outras emendas foram juntadas em uma só, na forma de uma subemenda substitutiva geral que propõe as seguintes alterações no texto:
- Especifica quais são as 204 escolas estaduais que podem ter a gestão administrativa terceirizada (o projeto original abrangia 200 escolas);
- Garante aos professores contratados via CLT pela empresa privada os mesmos valores de salários dos professores contratados por PSS (Processo Seletivo Simplificado);
- Exigência de cinco anos de experiência, capacidade técnica e competência da empresa particular;
- Especifica que a empresa privada atuará exclusivamente nos setores administrativos e financeiro das escolas estaduais, mantendo na SEED (Secretaria de Estado de Educação) a autonomia na parte pedagógica;
- Prevê que o governo do Paraná deverá divulgar anualmente os principais indicadores educacionais das 204 escolas estaduais que podem ter a gestão terceirizada, como índices de aprendizagem, frequência escolar, número de matrículas, taxa de abandono e também de evasão escolar;
- Prevê que a consulta pública ao modelo terceirizado será realizada, preferencialmente, de forma presencial nas 204 escolas estaduais.
Nesta terça-feira (4), os deputados aprovaram em segundo turno, por 38 votos a favor e 13 contra, o projeto que terceiriza a gestão em 204 colégios estaduais, pouco mais de 10% da rede estadual de ensino.
Deputados da bancada de oposição, protocolaram documento no STF (Supremo Tribunal Federal), na intenção de reverter a decisão que autoriza o governo Ratinho Júnior a privatizar serviços de gestão da educação no estado.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.