Governo apresentou proposta com reajuste apenas em benefícios como auxílio-alimentação. Entidades sindicais criticam medida que não contempla perdas salariais acumuladas nos últimos anos
Desde o início deste mês, servidores de institutos federais localizados em diferentes regiões do país, paralisaram as atividades. A mobilização ganhou novo fôlego na última semana com a adesão de trabalhadores também das universidades federais. Ao menos 51 universidades e 79 institutos federais estão em greve, segundo levantamento do Portal G1.
Entre as reivindicações da categoria estão: reestruturação dos planos de carreira, revogação de medidas aprovadas durante os governos Temer (MDB) e Bolsonaro (PL), responsáveis por enxugar o orçamento da rede federal, e recomposição salarial de 22% a ser paga pelos próximos três anos – 7,06% em cada, começando já em 2024.
“Há uma bancada sindical que tem feito o processo de negociação dos servidores do Executivo federal tendo como pauta principal a questão do reajuste salarial, das perdas inflacionárias dos últimos anos. Vale lembrar que nos governos Temer e Bolsonaro, servidores públicos não tiveram nada de reajuste”, explica Viviane Peres, assistente social, servidora do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em Londrina e membra da diretoria da FENASPS (Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social).
A liderança pontua que as tentativas de negociação iniciaram no ano passado. No começo de 2023, o MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) instaurou Mesa Nacional de Negociação Permanente com os servidores, atividade suspensa em 2016. O primeiro acordo fechado, através da Medida Provisória 1170/23, determinou reajuste linear de 9% – um valor inferior à inflação do período, que foi de 4,62% – para todos os trabalhadores acompanhado de aumento de 43,6% no auxílio-alimentação.
Um levantamento realizado pelo FONASEFE (Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais) revelou que os servidores enfrentam um grave cenário de perdas salariais, chegando a acumular até 25% de redução em seus vencimentos entre 2016 e o final de 2023.
De acordo com a entidade, durante o período que compreende o governo Temer até o primeiro ano do mandato do novo governo Lula (PT), a inflação acumulada atingiu a marca de 42,99%. Enquanto isso, os salários dos servidores federais registraram um aumento de apenas 14,4% ou 25%, dependendo da categoria.
“Reajuste zero” e tentativa de dividir funcionalismo
Apesar da dívida acumulada com os trabalhadores, em 2024, o Palácio do Planalto anunciou ‘reajuste zero’, indicando apenas a possibilidade de mudanças nos valores de benefícios como auxílio-alimentação, auxílio-creche e per capita da saúde – subsídio suplementar concedido pelo governo federal a servidores que sejam titulares de plano de saúde e seus dependentes. “Isso não atende as demandas dos servidores que tiveram perdas inflacionárias imensas no último período”, destaca Viviane.
“Tivemos uma reunião na última semana, onde o governo reiterou que só daria possível reajuste nos benefícios e que qualquer alteração seria discutida nas mesas específicas e temporárias, porque além da mesa central, também foi negociado no início de 2023, as mesas específicas e temporárias que são os debates das carreiras, de reestruturação das várias categorias, educação, saúde, INSS, ou seja, uma tentativa de segmentar a luta dos servidores federais”, acrescenta.
Para atender categorias específicas, foram abertas 22 mesas temporárias para tratar de algumas carreiras. No âmbito dessas mesas, MGI e servidores negociam as pautas específicas apresentadas pelas entidades sindicais representantes das carreiras e que possuam impacto orçamentário.
Ela evidencia que a proposta não é equânime uma vez que não contempla os servidores federais aposentados. Dados de 2022 demonstram que o contingente de servidores ativos no âmbito do poder Executivo federal totalizava 568 mil pessoas, número mais baixo desde 2009.
O Atlas do Estado Brasileiro, plataforma do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostra que servidoras e servidores públicos representam 12,45% do total de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, percentual que fica abaixo de Estados Unidos, Europa e países vizinhos.
Números mais recentes do Painel Estatístico de Pessoal do governo federal mostram que, em junho de 2023, havia 1.208.684 servidores e servidoras registrados. No entanto, apenas 46% estavam em exercício, grande parte do segmento é composta por aposentados (34,55%).
“Reafirmamos que a proposta encaminhada pelo governo não atende a pauta dos servidores do funcionalismo público federal, necessitamos reestruturar as carreiras, mas precisamos de reajuste, das perdas inflacionárias que tivemos no último período. Além disso, a proposta de reajustar apenas os benefícios exclui uma imensa parte da categoria que são os aposentados e aposentadas, muitos deles que nem tem plano de saúde por conta das grandes perdas que tivemos nos últimos anos, sem condição de pagar. Não tem direito a auxílio-alimentação e muito menos acesso a auxílio-creche. Então, temos um lema enquanto Federação, da nossa base, a categoria seja ativo ou aposentado, ninguém será excluído”, assinala.
Jornada de Lutas e possibilidade de greve unificada
Na última quarta-feira (17), milhares de servidores realizaram ato público unificado em Brasília. Os trabalhadores marcharam até o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. A manifestação faz parte da Jornada de Lutas dos servidores do Executivo federal, que acontece entre os dias 16 e 18 de abril.
Segundo Viviane, caso o governo federal não mude o posicionamento de não conceder nenhum reajuste neste ano, uma greve unificada de todo funcionalismo federal não está descartada. “O FONASEFE construiu uma semana de luta aqui em Brasília, teve uma marcha com mais de 7 mil trabalhadores das diversas categorias, uma luta importantíssima, reafirmando que não aceitaremos reajuste zero para 2024. A educação já está em greve e outras categorias também estão se organizando para entrar em greve, fazer uma greve unificada”, afirma.
“Teremos uma plenária nacional no dia 27 de abril da FENASPS para discutir com a base essa proposta do governo. Mas vamos debater que não dá para excluir uma parcela da categoria. A valorização dos trabalhadores do serviço público, com reajuste, reestruturação da carreira, condições de trabalho, melhores estruturas nas unidades do trabalho é essencial para ter serviço público de qualidade e o que estamos dizendo é que quando fortalecemos o serviço público estamos fortalecendo os direitos sociais, da classe trabalhadora”, acrescenta.
Nova proposta é apresentada para Educação, mas greve continua
Na última sexta-feira (19), representantes do governo federal se reuniram com lideranças de servidores das universidades e institutos federais. No encontro, o Palácio do Planalto propôs um reajuste aos servidores das instituições de ensino superior de 9,5% no próximo ano e, em janeiro de 2026, mais 3,5%. No final do ano passado, a proposta era de 4,5% em 2025 e 4,5% em 2026.
O governo alega que dobrou a proposta de reajuste para o próximo ano. Para este ano, a expectativa continua de reajuste zero.
Os servidores do Sindicato dos Trabalhadores em Educação das Instituições Federais de Ensino Superior no Estado do Paraná (Sinditest-PR) aprovaram a proposta de reajuste dos benefícios, porém, a decisão não impacta na continuidade da greve, que persiste até que todas as reivindicações sejam negociadas.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.