Alessandro Stefanutto diz ao Metrópoles que há grande chance de punição a entidades que aplicam descontos indevidos em aposentados do INSS
Presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto afirma, em entrevista ao Metrópoles, que será “duro” com as associações que efetuam descontos indevidos diretamente na folha de pagamento das aposentadorias e que vai enviar à Polícia Federal (PF) os indícios de fraude nas filiações de aposentados que forem descobertos na apuração interna aberta pelo órgão.
Como o Metrópoles revelou na semana passada, com base em dados oficiais, 29 entidades faturaram mais de R$ 2 bilhões com “desconto de mensalidade associativa” nos benefícios de aposentadoria e pensão desde janeiro de 2023, por meio de “acordos de cooperação técnica” com o INSS. No período, o número de filiados explodiu, e a arrecadação mensal das entidades saltou de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões por mês.
Esses números são acompanhados por milhares de reclamações e processos judiciais nos quais essas entidades acumulam condenações por descontos indevidos em aposentadorias. Parte dos casos envolve fraude em assinaturas dos aposentados para suas filiações ou mesmo a ausência delas. Stefanutto (foto em destaque) afirma que já foram abertos procedimentos para investigar seis entidades com base em reportagens do Metrópoles.
“Se a gente pegar uma associação onde reiteradamente demonstra, inclusive, que falsificou assinatura, vamos mandar para a Polícia Federal apurar”, afirma o presidente do INSS, para quem “a chance de punição é muito alta” para entidades que tenham condutas ilegais reiteradas.
Ele também ressalta que já publicou portaria que estabelece mecanismos, como a biometria, para prevenir fraudes na filiação de segurados que terão descontos associativos. Leia a seguir a entrevista concedida pelo presidente do INSS ao Metrópoles:
Identificamos entidades com suspeita de fraude, tanto na filiação de aposentados, que alegam não ter autorizado a adesão, quanto na constituição delas, feita por empresários em nome de laranjas. O que o INSS vai fazer a respeito desses casos?
Decidi que a gente precisava evoluir a forma do desconto associativo nos mesmos moldes do empréstimo consignado, no mínimo. Não estava aqui na presidência [do INSS], mas era procurador-geral federal à época, e tivemos muitos problemas de empréstimos consignados que não eram feitos pelas pessoas, mas por alguns malandros que colocavam na conta dos outros. Isso acabou sendo resolvido de forma estruturante com a mudança da normativa dos consignados e colocando à disposição a biometria. O desconto passa a ser efetivado somente mediante biometria. Da mesma forma, está previsto para descontos associativos. Eu determinei que fossem abertos todos os procedimentos sobre cada entidade para que a gente apurasse. Vamos fazer uma amostragem efetiva, com confecção de relatório. Também quero garantir para todos o direito à ampla defesa. Muitas vezes a demora de uma punição acontece porque tem que fazer o contraditório. Então, a medida estruturante, para prevenção do problema, é a biometria. Todos os benefícios estarão bloqueados [a essas cobranças] e só serão desbloqueados com a biometria. A outra [medida] é ser rigoroso na apuração. Se apurar e confirmar o que está sendo demonstrado, alegado até pelas entrevistas que vocês fizeram, a chance de punição é muito alta, e as punições serão aplicadas. Ninguém quer perseguir ninguém, mas tem que seguir a regra do jogo. A regra do jogo é só inserir desconto associativo com assinatura real da pessoa. Quem estiver simulando, quem estiver inventando coisa, não tenha dúvida de que eu serei bastante duro com esse tipo de comportamento.
Há casos de falsificação de documentos e outros crimes, mas isso tem sido tratado na esfera cível e do consumidor. Se identificarem ilícitos penais, vão encaminhar à Polícia Federal?
Nós temos a obrigação de fazê-lo, qualquer ilícito penal ou pelo menos indícios de uma forma um pouco mais robusta. Se a gente pegar uma associação que tem 100 mil associados e tem um erro, certamente você não está diante de dolo, pode ser algum problema administrativo. Agora, se a gente pegar uma associação onde reiteradamente demonstra, inclusive, que falsificou assinatura, vamos mandar para a Polícia Federal apurar. É um ilícito civil. O nosso negócio principal é conceder direito, conceder aposentadoria, mas isso não nos isenta da responsabilidade de alguém que apresenta um documento falso para gente, assinatura falsa. Certamente terá repercussão criminal.
Há associações que são apenas fachada para atuação de empresários. Essas entidades não deveriam ser apenas representativas de aposentados? Isso é uma forma de fraude?
Nós temos o que está escrito na lei que permite o desconto. Nós operamos o desconto por um comando legal. Obviamente que nós não podemos criar um critério, ainda que em tese eu concorde com o que você falou. Como presidente, procurador, tenho que cumprir o que a norma diz, porque senão a gente começa a restringir além do que a lei impõe. Agora, nessa apuração, se a gente entender que precisa esclarecer melhor, alterar o conteúdo normativo, a gente fará. A gente tem aqui casos em que negamos a celebração do acordo porque no começo estava tudo ok, mas nós fizemos uma visita, e a gente faz visitas, e vimos que essa associação na verdade era uma funerária que só alterou sua finalidade formal para incluir aposentado porque precisa estar no objeto dela o tipo de associado para se enquadrar. Mas nós percebemos que, às vezes, alguém quer ter um ganho comercial, e nós não estamos autorizando. Não é incomum negar.
Somente neste ano, o INSS firmou mais sete acordos com novas entidades que promovem os descontos associativos. Não deveria haver um freio nesses termos de cooperação diante de tantas reclamações e processos contra elas?
Com a nova instrução normativa, a gente acredita que a pessoa só vai se associar a alguma dessas associações já pactuadas no acordo de cooperação técnica com a vontade dela, porque vai depender da biometria. Então, depende da vontade da pessoa. Nós do INSS não podemos dizer se cinco [entidades] é muito, se 10 é muito, se 20 é muito. Se as entidades que estão entrando ou que já entraram se comportarem errado, seja quem for, elas vão ser punidas. Falar do número, realmente, não tenho como dizer se são muitas ou não.
Com tantos processos judiciais e suspeitas de fraude envolvendo essas associações, o senhor reconhece que está faltando due dilligence (diligência prévia) para averiguar essas entidades?
Certamente nós aumentaremos as ações de due dilligence para saber se o associado não está sendo trazido de maneira informal. Não há dúvida de que isso é muito importante. Nós não podemos impedir, se a pessoa jurídica está dentro das limitações da lei, das normativas, de fazer o requerimento [de filiação de associado]. Mas podemos ser duros na concessão, na celebração, e ser duros na eventual apuração de desvios. Isso nós podemos e seremos. Eu, particularmente, assinei e publiquei hoje [2/4] a chegada de 250 novos servidores para o INSS. Nós separaremos alguns servidores para reforçar a coordenação que faz isso. Em que pese ser uma relação civil, é um dinheiro privado, porque sai da conta da pessoa, nós temos, sim, nossa responsabilidade de deixar o sistema hígido. Tenho interesse em saber se meus aposentados, que a gente tutela, que a gente paga todo mês, não estão sendo enganados. Porque, muitas vezes, a pessoa também pode entrar numa associação, tudo começa bem, depois tudo vai mal, e eles vão pagando com o desconto e perdendo dinheiro. Tenho convicção de que, daqui a seis meses, teremos muito menos denúncias por causa da efetividade das medidas que estão sendo tomadas agora.
O processo para obter os dados sobre o faturamento das associações via Lei de Acesso à Informação foi tortuoso porque coordenadores do INSS, por duas vezes, recorreram à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para dizer que seriam informações sigilosas ou sensíveis. Só depois a Ouvidoria do INSS nos deu acesso a eles. O senhor concorda com esse entendimento?
Eu sou a favor de fornecer todos os dados possíveis. Acho que [jogar] luz nas coisas mata bactéria, mata vírus. Isso é importante, ainda que doa. Às vezes, dói um pouquinho, a gente apanha, mas faz parte da função do gestor público. Quem não quer apanhar não pode ser gestor público. Eu, pessoalmente, acho que tem que dar todos os dados possíveis até bater na LGPD. O INSS tem tido alegados problemas de vazamento de dados. Quando cheguei ao INSS, eu transferi a ouvidoria para a presidência e tenho afirmado para liberar informações públicas. Servidores têm sido muito cautelosos em passar dados que envolvem valores, com medo de os interessados e, eventualmente, as próprias associações falarem: “Olha, isso é uma reserva minha, é o meu valor que eu arrecado e esse dinheiro não é público, porque é do aposentado, não é do INSS. Então, poderia haver alguma dúvida. Os dados passados para você foram dados pelo INSS. No seu caso, a CGU [Controladoria-Geral da União] tinha dado o ok e, por isso, a coordenadora da ouvidoria passou os dados. Nós não recorremos da decisão da CGU.
O INSS falhou, historicamente, na prevenção e combate a essas fraudes?
Certamente nós estamos aperfeiçoando. Hoje, você tem mais tecnologia, como por exemplo a biometria. Com ela e a Dataprev [empresa de TI do governo federal] avançando em análise de dados, de uso de outras ferramentas, vai ficar muito mais fácil nós operarmos e vermos alguns comportamentos que, a olho nu, você não consegue enxergar. Não posso falar sobre gestões anteriores para não parecer que é uma questão de ego caso melhore daqui para frente, mas temos a tecnologia que torna o aprimoramento mais fácil.
Fonte: Metrópoles