Ratinho Júnior manteve projeto em segredo, deixando para enviar a proposta após as eleições municipais, a fim de evitar um possível desgaste dos candidatos apoiados pelo governador
Na última segunda-feira (4), o governador Ratinho Júnior (PSD) enviou para ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) projeto de lei que autoriza a venda da Celepar (Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná).
A tentativa de privatização foi levantada em agosto, quando a primeira página do projeto vazou e chegou a ser divulgada pelo deputado estadual Arilson Chiorato (PT), mas à época, o mandatário do Palacio do Iguaçu negou que o projeto estivesse em andamento.
O parlamentar, membro da bancada de oposição, lamentou o anúncio e destacou a importância da Celepar para o desenvolvimento econômico e social do estado. “Infelizmente, mais uma pontuação negativa para o governador Ratinho Júnior. A Celepar é uma empresa essencial, estratégica para o crescimento do Paraná”, diz.
Fundada em 1964, a Celepar é a primeira empresa pública de tecnologia da informação do país. Atualmente, a estatal conta com 980 funcionários. No local, ficam os servidores que guardam todos os dados dos paranaenses, como informações sobre notas escolares, históricos médicos, infrações de trânsito e pagamentos de impostos.
“A Celepar possui muitos dados e expertise no setor de negócios. O governador vai entregar para o setor privado sem saber como serão utilizados estes dados. Além de expor os dados, eles podem ser usados para fins comerciais, por exemplo, os dados da saúde, as empresas farmacêuticas poderão saber quais pacientes utilizam determinados remédios. Na segurança pública, serão expostos dados que são sigilosos e podem favorecer esquemas do crime organizado. Na educação, vão saber todos os dados dos alunos e dos pais, que também poderão ser usados por certos mercados. Muito maléfico”, avalia Arilson.
O governo alega que a privatização não deverá interferir na política de dados dos paranaenses que estão protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O projeto prevê duas mudanças no Estatuto da Companhia. A primeira delas garante que a sede continuará no Paraná. A segunda é que deverão ser mantidas no estado as infraestruturas físicas de armazenamento e processamento de dados existentes na data de publicação da lei, pelo prazo mínimo de dez anos.
O governo do Paraná ainda irá decidir o modelo a ser adotado, com alienação parcial ou total dos bens. Os estudos devem levar cerca de um ano e meio. Após isso, se os deputados aprovarem a privatização, a venda deve ocorrer na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo.
“Esse projeto do governador Ratinho Júnior favorece o mercado somente. Temos muitos dados sensíveis e sigilosos do estado que podem ser expostos e com certeza serão usados. Agora, precisamos entender que mais do que os dados, a Celepar é uma empresa importante porque trata de diversos processos do estado que não tem preço e hoje ela não tem concorrente no mercado, mas a partir do momento que vender, o setor privado irá participar”, adverte o parlamentar.
Além da exposição dos dados, o deputado chama atenção para os trabalhos desenvolvidos pela estatal que também poderão ser repassados para a iniciativa privada, causando prejuízos aos cofres públicos.
“Os maiores problemas são a base de dados e a apropriação indevida do trabalho de inteligência de determinado softwares. Para além do uso, da tecnologia, da criação das fontes de dados, que houve um capital intelectual que foi custeado com recurso público e será repassado para as empresas, há também os contratos existentes, a Celepar possui contratos com prefeituras, com órgãos do governo. Ao comprarem a Celepar, estes contratos serão repassados também? Se for isso, Ratinho está fazendo um grande favor para as concorrentes da Celepar, infelizmente”, observa.
Por ser uma empresa pública, a Celepar pode firmar contratos sem licitação com prefeituras, governos e secretarias, entre outros órgãos públicos. Se for privatizada, a empresa terá que passar por licitações para firmar novos contratos com o poder público, mas o projeto não especifica como ficarão os contratos em vigor.
Arilson Chiorato evidencia a venda do patrimônio público realizada pela Ratinho. “Assim como fez com a Copel, Sanepar, pedágio, Porto de Paranaguá, é triste ver o Paraná sendo vendido em uma mesa do Palácio do Iguaçu depois da meia noite”, complementa.
Em setembro, a Celepar firmou um contrato no valor de R$ 2,6 milhões com a consultoria Ernst & Young, sem licitação, para a realização de um estudo sobre o posicionamento estratégico da companhia.
“O Ratinho sempre foi mentiroso. Durante a campanha chegou a gravar vídeo falando que não ia vender a Copel, passou a campanha e vendeu a Copel. Negou que a Sanepar seria privatizada e agora está sendo, então, ele faz tudo de caso pensado. Contratar a Ernst & Young, foi a mesma contratada para privatização da Copel. É uma empresa parceira. É uma empresa competente, não estou criticando isso, e tenho certeza que o estudo feito enfatiza a necessidade estratégica de ter a Celepar, mas eu fico triste com esses processos que acontecem sem licitação e para favorecer os amigos”, analisa.
“A gente vê a Celepar indo embora. É uma questão de soberania estadual e o Ratinho se desfez dela de graça praticamente. Tem um cunho mercadológico e a gente precisa descobrir qual essa é tara que o governador tem pela Bovespa, não sei se é o martelo do Tarcísio [de Freitas, governador de São Paulo] ou que é que ele se sente tão empoderado de entregar tudo para a Bovespa, precisamos estudar isso”, acrescenta Arilson.
A pedido dos deputados do bloco PT-PDT, ocorre nesta segunda-feira (11), a partir das 18h na ALEP, audiência pública para debater a venda a Celepar.
Arilson compartilha que, além de votar contra a proposição, a bancada de oposição irá pedir vistas nas comissões pertinentes e criar emendas, caso o projeto avance. “Vamos nos articular para tentar derrubar o processo e discutir com os setores da sociedade, lutando e defendendo o Paraná quanto às perversidades e a garra do governador de entrega o bem público para o setor privado, para os seus amigos”, conclui.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.