Estudantes, professores e gestores cometam primeiras impressões e expectativas após aula inaugural
“Aqui, eu encontrei conhecimento, pessoas que abraçam o sonho da gente” – é deste modo que Luiz Henrique de Souza Ferreira, de 26 anos, se sente após a aula inaugural do cursinho comunitário do Vista Bela, na zona Norte de Londrina. O primeiro encontro da turma, composta até o momento por cerca de 30 alunos, ocorreu na última segunda-feira (22).
Luiz, que atualmente trabalha com jardinagem, procurou a iniciativa para concluir os estudos e prestar o ENCCEJA (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos).
Mas o planejamento não para por aí. “Vou continuar buscando, tenho vontade de abrir um CNPJ [Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica], ser dono do meu próprio negócio por isso a importância dos estudos, do conhecimento, o melhor aprendizado. O interesse de poder progredir, escolher uma área, uma profissão, seguir um sonho, foi isso que me trouxe até aqui. Até agora eu gostei, toda essa recepção calorosa e bate-papo, pessoas preparadas, a energia das pessoas motivando”, diz.
A possibilidade de voltar para sala de aula e recuperar projetos interrompidos também fez Tatiana Figueiredo da Silva, de 29 anos, buscar a ação. Trabalhando como assistente virtual, Tatiana retornou ao Paraná há pouco tempo. Entre seus objetivos, cursar Direito ou Psicologia, e propiciar melhores condições de vida para a família.
“Assisti a notícia sobre o cursinho no jornal e corri porque eu preciso disso, eu tive a oportunidade de ingressar em uma universidade alguns anos atrás, mas não pude concluir o curso. Ver que ainda dá tempo, e essa possibilidade de estar fazendo o cursinho, principalmente, por ser gratuito, eu fiquei muito animada. Acredito que vai me ajudar bastante para poder reingressar na faculdade e concluir o curso, conseguir uma estabilidade melhor para mim e para minha filha”, assinala.
O cursinho também é voltado para estudantes que desejam prestar vestibulares e ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) como Nicolly dos Santos. Trabalhando no comércio, Nicolly tem 18 anos e pretende cursar Pedagogia ou Letras. Tendo iniciado um preparatório à distância e privado anteriormente, a estudante conta que estava com dificuldades de prosseguir com os estudos de maneira remota.
“A importância para mim é a minha carreira, meu futuro. Eu vejo o quanto meus pais batalham, trabalham. Não que por ter uma faculdade eu vou trabalhar menos, não é isso, pelo contrário, mas eu vou ter um conforto de vida maior do que meus pais têm”, pontua.
As aulas vão acontecer de segunda a sexta-feira das 19h às 21h30 na Escola Municipal America Sabino Coimbra a partir de parceria firmada, neste ano, com a Secretaria Municipal de Educação. Antes, as atividades aconteciam no colégio estadual do bairro, mas com a militarização, o ensino noturno foi extinto, inviabilizando a manutenção do cursinho na unidade.
Todo o material de estudo é fornecido pela medida, incluindo apostilas, textos complementares, cadernos e lápis, garantindo que nenhum estudante seja impedido de participar por falta de recursos.
O cursinho é uma iniciativa do Instituto Conexões Londrina em parceria com a CUFA (Central Única das Favelas). Ambos os coletivos buscam não apenas ampliar as oportunidades nas periferias, promovendo ações que visam diminuir as desigualdades sociais, como também valorizam iniciativas e culturas das próprias quebradas.
No último dia 8 de abril, o prefeito Marcelo Belinati (PP) sancionou a Lei nº 13.753, que declara de utilidade pública o Instituto Conexões Londrina. O projeto teve início em 2019 e foi formalizado em 2021. Desde então, mais de 4 mil famílias já foram impactadas pelo coletivo.
“É muito bom rever a turma antiga, os nossos parceiros de alguns anos, integrar os novos, sentir a expectativa da turma nova. Uma galera nova com ar de sonhos e potência”, avalia Lua Gomes, fundadora do Conexões e coordenadora regional da CUFA no Paraná.
Lua acrescenta que o primeiro encontro visou apresentar o “pacto de convivência”, a estrutura do cursinho, professores e, ainda, identificar as demandas e interesses dos estudantes, já que a expectativa é criar metodologias e discutir temáticas que dialoguem com o cotidiano dos alunos, rompendo com um modelo de educação meramente tecnicista.
“O formato do cursinho comunitário e das práticas pedagógicas que a gente utiliza são um pouco mais disruptivas, a gente procura trazer este acolhimento para além do conteúdo. Aqui, não tem revisão conteudista, o que a gente faz aqui é construção de saber coletivo, processo de troca, para que as pessoas saibam que a universidade é para todo mundo, todos têm direito de acessar”, observa.
Ainda, segundo a liderança, a meta a médio prazo é envolver membros da própria comunidade na gestão do cursinho.
“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”
Os professores do cursinho são todos voluntários, a exemplo de Renan Nunes, que ficará responsável por ministrar as disciplinas de Filosofia e Física. Egresso de iniciativa similar, ele também reforça a necessidade de defender a educação como um direito de todos.
“Para mim, é muito gratificante, eu tive uma parte da minha jornada em cursinho comunitário, então, poder devolver este conhecimento para a comunidade, para meus semelhantes, me deixa sem palavras. A minha expectativa é grande, eu busco incentivá-los, fazer com que não tenham medo e vejam que é uma realidade para eles também”, afirma.
O docente, que é natural de Ibiporã, destaca a importância de ampliar iniciativas como o cursinho, fundamentais para a democratização do ensino superior. “Muitas vezes é inacessível seja pela distância ou preço, acaba não fazendo parte da realidade, não sabendo a existência do cursinho e da universidade pública. Muitas pessoas da minha cidade, do meu bairro, não sabem que existe uma universidade pública que não precisa pagar”, adverte.
Ainda, a medida conta com parcerias como o projeto de extensão “Engenharia Solidária”, vinculado a UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) – campus Londrina. Lizandra Ferreira de Lima, professora do curso de Engenharia Química na instituição, evidencia que através do cursinho é possível estreitar o diálogo entre a universidade e população de maneira geral.
“Vejo o cursinho como uma das ações mais relevantes que estamos fazendo para promover essa relação entre o aluno da universidade e a sociedade, com ele podemos realizar trocas de conhecimento”, indica.
Com experiência na oferta de oficinas sobre panificação e saboaria, esta é a primeira vez, que estudantes do projeto irão lecionar no cursinho. Para a supervisora, a chance não é apenas contribuir com a formação dos estudantes do Vista Bela, mas de igual maneira, aprimorar a qualificação dos graduandos que passarão a ter mais um espaço para socializar os conhecimentos adquiridos na universidade e, sobretudo, poderão entrar em contato com outras realidades. Acompanhe:
Ex-alunos dão depoimento
Esta é a terceira turma do cursinho comunitário do Vista Bela, que iniciou as atividades em 2018 e interrompeu os trabalhos durante a pandemia de Covid-19. Para compartilhar as vivências e importância da iniciativa, ex-alunos também compareceram à aula inaugural.
É o caso de Victor Mendonça, de 23 anos, estudante de Educação Física na UEL (Universidade Estadual de Londrina). “Tive a oportunidade de ser aluno do cursinho em 2019. Fico bastante contente de saber que o curso voltou com muitos alunos, para o bairro isso é muito importante, saber que tem, é gratuito e com pessoas capacitadas para ensinar”, aponta.
“O Vista Bela é um bairro de classe baixa, onde pessoas não sabem dos direitos que têm e ter quem incentiva, estimula, é fundamental para a formação das pessoas, dos seus sonhos”, complementa.
Biblioteca busca doações
A biblioteca do cursinho está à procura de doações. Entre as obras estão os títulos que integram a listagem de leituras obrigatórias do vestibular da UEL:
– Quarto de despejo – Carolina Maria de Jesus;
– Histórias que os jornais não contam – Moacyr Scliar;
– O rei da vela – Oswald de Andrade;
– O seminarista – Bernardo Guimarães;
– Niketche – Paulina Chiziane;
– Torto arado – ltamar Vieira Junior;
– Melhores poemas – Fernando Pessoa;
– Chove sobre minha infância – Miguel Sanches Neto;
– Cartas chilenas – Tomás Antônio Gonzaga.
O cursinho ainda possui algumas vagas. Interessados devem preencher o formulário (disponível aqui) até o próximo dia 3 de maio. Mais informações sobre a iniciativa também poder solicitadas através da página no Instagram @conexoeslondrina ou do telefone (43) 99115-3182 – falar com Lua.
Confira na íntegra entrevista de Lua Gomes ao VerdadePod, podcast do Portal Verdade:
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.