A TV Independência Norte do Paraná Ltda, de nome fantasia RICtv, afiliada da Record em Londrina, terá que indenizar a jornalista Carolina Romanini Paneghini por demissão discriminatória, além de pagar todos os salários e benefícios relativos ao vínculo empregatício mantido entre a profissional e emissora ao longo de pouco mais de 2 anos. A sentença, assinada pela juíza Ana Paula Sefrin Saladini, foi divulgada no dia 9 de fevereiro. Carolina é representada pela assessoria jurídica do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná (Sindijor Norte PR).
Embora ainda caiba recurso, a sentença traz ganhos expressivos para a profissional e para a categoria, uma vez que reconhece o vínculo empregatício de uma relação “pejotizada”. “Hoje, é muito difícil o reconhecimento judicial do vínculo empregatício. A subordinação tem que ser muito bem caracterizada”, explica a assessora jurídica do Sindijor Norte PR, Roberta Baracat de Grande. “Ela era PJ, mas, na prática, não tinha qualquer possibilidade de não estar subordinada às ordens da RICtv”, detalha.
A ação demonstrou que “A Hora da Venenosa”, quadro apresentado por Carolina, é um produto da emissora Record, com formato fechado e semelhante em todas as praças. “A jornalista até podia sugerir pautas, mas estas passavam por avaliação e, frequentemente, eram rejeitadas, caracterizando, mais uma vez, a subordinação”, destaca Roberta.
Para a juíza, o vínculo ficou totalmente comprovado e a emissora deve custear: diferenças salariais (uma vez que Carolina teve o salário reduzido ao longo da permanência no cargo); verbas rescisórias e contratuais, mais multa por demissão sem aviso prévio; repouso semanal remunerado; FGTS e multa; adicional por função de pauta; anuênios; indenização em dobro e por danos morais por dispensa discriminatória.
A sentença também reconhece a influência do deputado federal Felipe Barros (PL) na demissão da jornalista, ocorrida em 14 de setembro de 2022, em meio a um polarizado processo eleitoral. Após desentendimento público com o político, Carolina teria sido “orientada” a não respondê-lo nas redes sociais.
Ao não acatar a “recomendação”, a profissional foi considerada insubordinada, como declarado pela própria representante da emissora (preposta) na audiência. O episódio, portanto, não apenas confirmou a demissão discriminatória, como reforçou a existência do vínculo empregatício. “Em nenhum momento, desde que ingressei com o processo, eu tinha interesse financeiro. Eu queria uma justiça mesmo, porque a maneira como eu fui demitida foi totalmente discriminatória, sem nenhum profissionalismo, muito diferente da maneira quando me procuraram para me contratar, que foram até a minha casa; para me demitir nem me disseram qual era a razão”, conta Carolina.
“Quando eu recebi a sentença eu chorei muito, copiosamente, porque foi realmente um reconhecimento. Na sentença fica muito claro que, em nenhum momento a demissão foi por falta de profissionalismo, eles usaram da questão política. Eles devem recorrer, mas a sentença em primeira instância foi como um abraço de apoio.”
Para o presidente do Sindijor Norte PR, Ayoub Hanna Ayoub, essa é uma vitória importante para o sindicato e para a categoria. “Primeiro porque reconhece o vínculo empregatício, que as empresas cada vez mais tentam descaracterizar; segundo porque reconhece uma perseguição política, a ingerência política de um determinado grupo nos rumos da empresa, com perseguição a uma profissional porque não está seguindo as regras daquele determinado grupo.”
Ayoub ressalta que a vitória também reflete a atuação da assessoria jurídica do sindicato, que “tem levado essas questões importantes e fundamentais para a garantia dos direitos de nossa categoria”.
Demitida ‘por usar vermelho’
A demissão de Carolina Romanini ganhou repercussão à época por ter ocorrido logo após um desentendimento entre ela e o deputado federal pelo PL Felipe Barros nas imediações do Estádio do Café, onde acontecia um jogo do Londrina Esporte Clube. No dia seguinte ao conflito ela apresentou o programa vestindo vermelho e o deputado bolsonarista teria influenciado a emissora na demissão, ocorrida um dia depois. O caso foi noticiado, inclusive pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) em matéria citada pela juíza na sentença.
“Tudo aponta para uma conclusão lógica que não foi desconstituída nos autos: a reclamante (Carolina) se desentendeu com um deputado federal verde-e-amarelo no sábado, 10; foi atacada publicamente, no dia imediato, domingo, 11, por referida autoridade, em redes sociais; no dia 12 apresentou seu programa com uma roupa vermelha; no dia 13 já foi impedida de apresentar, sem qualquer informe prévio que a poupasse de se preparar para entrar no ar, e no dia 14 o contrato foi rescindido. Tudo em meio à grande polarização política que se observava no país”, pontua a juíza na sentença.
O Sindijor Norte PR tomou conhecimento que a RICtv negou, nos autos, a proibição do uso de vermelho por seus jornalistas e apresentadores, fato que não corresponde à verdade. Como mostrou o Sindijor Norte PR na época, a estilista da emissora enviou no grupo dos profissionais comunicado sobre a proibição, no qual não citava o uso de verde e amarelo, tampouco restringia o não uso do vermelho aos jornalistas atuantes na cobertura eleitoral. A versão da emissora é desmontada na sentença: “Registre-se que não veio, na sequência, qualquer restrição específica à utilização dos tons de amarelo e verde, como afirmado pela preposta (representante da empresa) em seu depoimento pessoal”.
Em outro ponto, a juíza adiciona: “O deputado federal referido pela reclamante se identifica com o partido que usa as cores verde-e-amarelo em sua campanha, enquanto o candidato do outro pólo é identificado pela cor vermelha. A vedação da utilização da cor vermelha no programa no dia seguinte aos fatos até pode ter sido casual, como afirma a reclamante, mas certamente não foi assim vista pela diretoria da emissora – o depoimento da preposta contém o uso da expressão ‘insubordinação’ com referência à reclamante, sendo essa uma das causas da dispensa”.
“A preposta confirmou o peso do caso com o deputado na demissão, classificou como fator de insubordinação. Carolina foi orientada a não entrar em conflito com o deputado, mesmo fazendo uso de suas redes pessoais”, detalha a assessora jurídica do Sindijor Norte PR.
Reconhecimento como jornalista
Antes da luta para comprovação do vínculo e da dispensa discriminatória, a assessoria jurídica do Sindijor Norte PR teve que trabalhar para que Carolina Romanini fosse reconhecida como jornalista. A RICtv argumentava que suas atividades seriam vinculadas ao sindicato dos radialistas. “Alegaram que ela seria somente apresentadora”, explica o advogado Lucas Rodrigues da Silva, que também atuou na ação.
Na sentença, a juíza reconhece como clara a atuação de Carolina como jornalista: “A reclamante atuava tanto como profissional apresentadora quanto organizando o programa com pesquisas sobre as matérias, inclusive orientando acerca da edição de vídeos. Sua presença na reclamada não se limitava ao período da apresentação, tampouco, mas a testemunha ouvida por sua indicação aponta que tinha uma jornada que se iniciava diariamente de segunda a sexta-feira, por volta das 10h20”.
Fonte: Sindicato dos Jornalistas