Entidades destacam não cumprimento dos requisitos técnicos e ligações à políticos de extrema direita
Sindicatos ligados às agências reguladoras questionam as indicações feitas pelo governo federal para os cargos de diretoria da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Segundo as entidades, os cotados podem comprometer a credibilidade da Agência e reforçar o negacionismo climático.
A principal denúncia recai sobre Larissa de Oliveira Rêgo que, além de ser ligada a políticos de extrema direita, não teria os requisitos técnicos necessários para ocupar o cargo. A Associação dos Servidores da ANA (Aságuas) também critica a indicação de Leonardo Góes Silva, ex-presidente da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), por possível comprometimento da imparcialidade da ANA.
A ANA é responsável por regular os recursos hídricos da União e por fazer cumprir o novo marco legal do saneamento básico, instituído pela Lei nº 14.026/2020, que inclui abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais. A agência também fiscaliza a segurança de barragens.
A Embasa, da qual Góes era presidente até o final de 2024, é a concessionária responsável pela prestação de serviços de saneamento básico no estado da Bahia e, portanto, é regulada pela ANA, o que inviabilizaria sua nomeação.
A Lei nº 9.986/2000, que trata dos recursos humanos de agências reguladoras, proíbe a indicação de qualquer pessoa que tenha vínculos diretos ou indiretos com empresas reguladas pela agência à qual foram indicadas.
“Dessa forma, ao ignorar essa norma, o governo abre um perigoso precedente de captura regulatória, que poderá comprometer a imparcialidade e independência da ANA”, destaca a Aságuas.
Vínculo bolsonarista
Outra indicada à diretoria da ANA foi Larissa de Oliveira Rêgo. Segundo o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências), a trajetória profissional de Rêgo revela “fortes ligações” com figuras de extrema direita, o que “levanta preocupações” sobre sua “adequação” para ocupar o cargo.
Durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), Rêgo foi assessora técnica do então ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra (MDB). Terra também atuou como ministro da Cidadania e Ação Social do governo Jair Bolsonaro (PL) e foi considerado uma das principais lideranças à frente do “gabinete paralelo”, composto por empresários e médicos que aconselharam Bolsonaro a adotar medidas negacionistas durante a pandemia da covid-19.
Terra foi alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, onde foi acusado de se colocar contra medidas de isolamento, como o lockdown, e a favor da imunidade de rebanho natural.
Quando esteve no governo Temer, em junho de 2016, Osmar Terra, de quem Regô era assessora, chegou a declarar guerra ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ameaçando retirar investimentos da reforma agrária: “Se estiverem usando as verbas públicas para serem eficazes, tudo bem. Mas se for só agitação contra o governo, guerra é guerra. E cada um vai usar as armas que tem e as nossas são as verbas”, declarou à época.
O ataque ao MST faz parte do currículo de outro político ao qual Larissa Regô esteve ligada. A atual indicada à diretoria da ANA trabalhou com Luiz Antônio Nabhan Garcia, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e secretário especial de Assuntos Fundiários no governo Bolsonaro.
Nabhan Garcia é autodeclarado inimigo da reforma agrária e da demarcação de terras indígenas. Ele chegou a chamar o MST de organização criminosa. “Quem comete ato ilícito, fora da lei, é organização criminosa. Vou defender invasor de propriedade? A lei diz que se invadir é crime, fora da lei”, disparou o então secretário, em entrevista à Agência Pública.
Em dezembro de 2019, Larissa Rêgo, então diretora de Assuntos Fundiários da secretaria chefiada por Nabhan, viajou com ele para Amsterdam. A viagem, com objetivo de conhecer a tecnologia de cadastro e registro de imóveis da empresa holandesa Kadaster Internacional, durou sete dias e incluiu, segundo roteiro divulgado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, jantar de boas-vindas e “turismo em Amsterdam”.
Segundo o Portal da Transparência, as passagens de Rêgo custaram R$ 9.677,46 aos cofres públicos. Somado ao valor das diárias de hospedagem, R$ 14.244,72, chega-se a um total de R$ 23.922,18 desembolsados.
“O alinhamento ideológico da indicada com figuras negacionistas e extremistas é incompatível com a gestão racional e eficiente das águas do Brasil. Essa nomeação demonstra falta de compromisso com a regulação técnica e transparente”, afirma o presidente do Sinagências, Fabio Rosa.
A proximidade de Rêgo a políticos bolsonaristas não é a única preocupação dos Sindicatos. As entidades também apontam que a indicada não tem qualificação técnica para assumir o cargo.
Falta requisitos técnicos
De acordo com a lei que regulamenta os recursos humanos de Agências Reguladoras no Brasil, os nomeados para as diretorias dessas instituições devem possuir reputação ilibada e notório conhecimento no campo de sua especialidade.
Além disso, o indicado deve ter experiência profissional de pelo menos dez anos no campo de atividade da agência reguladora em função de direção superior ou como profissional liberal, ou quatro anos em cargo cargo de chefia ou direção em empresa do setor regulado, no setor público ou na academia.
De acordo com o currículo de Larissa Rêgo, divulgado em portal do governo, ela é formada em Direito e tem dois anos de experiência no Ministério dos Direitos Humanos, quatro no Ministério da Agricultura e dois no Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR).
Segundo o Aságuas, embora tenha curso superior e esteja cursando mestrado em Políticas Públicas, sua experiência profissional está “concentrada em assessorias políticas e administrativas, sem histórico de atuação relevante em recursos hídricos ou saneamento básico”. A entidade também destaca que a atuação de Rêgo como diretora do Departamento de Irrigação do MIDR, iniciada em fevereiro de 2023, não é suficiente para completar a experiência mínima de dez anos exigida para o cargo.
“Com a intensificação dos eventos climáticos extremos e a crescente pressão sobre os recursos hídricos, torna-se imperativo que sua diretoria [da ANA] seja composta por profissionais de notória competência, experiência comprovada e formação técnica adequada, conforme estipulado na legislação”, diz Leonardo de Almeida, presidente da Aságuas.
As indicações para a diretoria da ANA foram feitas em dezembro de 2024, no entanto ainda não houve sabatina no Congresso Nacional.
Fonte: Brasil de Fato