Platafomizados trabalham cerca de 6,5 horas a mais por semana
Levantamento inédito divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no final de outubro demonstra que trabalhadores de aplicativo possuem jornadas semanais maiores e ganham menos por hora.
Os dados foram coletados entre setembro e dezembro de 2022. De acordo com o estudo, o Brasil possui tem 2,1 milhões de trabalhadores vinculados a plataformas. O índice representa 1,7% da população ocupada no setor privado, campo que empregou 87,2 milhões de pessoas no quarto trimestre do ano passado.
Entre os trabalhadores de aplicativos de serviços, há predomínio de motoristas homens, entre 25 e 39 anos e com ensino médio completo ou superior incompleto. A maioria atuava em aplicativos de transporte particular de passageiros (47,2%). Em seguida, estão os entregadores de alimentos e outros produtos (39,5%).
A maior parte declarou trabalhar por contra própria (77,1%). Trabalhadores plataformizados com carteira assinada representam apenas 5,9%. Os que contribuem com a previdência também são minoria (35,7%).
O rendimento da categoria é superior ao ganho médio obtido por empregados do setor privado no período. Estes possuíam remuneração de R$ 2.513. A diferença de R$ 132 a mais no bolso nos trabalhadores plataformizados (+ 5,3%).
A região Sudeste foi a única em que a renda mensal dos trabalhadores ocupados fora dos aplicativos (R$ 2.923) superou a média mensal dos profissionais que prestavam serviços via plataformas (R$ 2.733).
Porém, enquanto a carga horária de funcionários fora dos aplicativos atingiu, em média, 39,5 horas por semana, a dos associados a plataformas atingiu 46 horas semanais, isto é, 6,5 horas a mais.
O valor recebido por hora trabalhada também apresentou diferença entre as modalidades. Os ocupados fora das plataformas, recebem cerca de R$ 14,60 por hora. Já trabalhadores de aplicativos ganham em torno de R$ 13,30 por hora. A quantia é 8,9% inferior.
Considerando que é a primeira vez que o IBGE realiza a pesquisa com este recorte, não há informações que permitam fazer comparações considerando períodos anteriores.
Júlio Marinho, doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) observa que a partir de 2020, com a crise sanitária global provocada pelo novo coronavírus e a decorrente necessidade de isolamento social, o ambiente digital passou a ser ainda mais valorizado.
Entretanto, o pesquisador pontua, que embora o mundo conectado contribua para a interação social, entretenimento, disseminação de informações mais livremente, também altera as formas como o trabalho está organizado e as concepções formuladas sobre o que é trabalho. “Muitas vezes, o digital tornado trabalho sem regulamentação desconstrói o que entendemos como trabalho formal e isso é grave. O trabalhador tem que ter direitos, tem que ter carteira assinada”, assinala.
O estudioso observa, ainda, que fenômenos como a uberização e plataformização do trabalho tendem a ser vistos como arranjos em que os trabalhadores e trabalhadoras dispõem de mais liberdade e autonomia em face da ausência de jornadas pré-estabelecidas, porém, ele ressalva que esta compreensão é uma “falácia”, pois no cotidiano, o que tem sido percebido é o inverso disso. “As pessoas submetidas a este tipo de organização do trabalho são extremamente exploradas, estão submetidas a uma espécie de servidão digitalizada”, afirma.
Marinho chama atenção para os reflexos da lógica que coloca os sujeitos como “empreendedores de si mesmos”. Para ele, esta visão, além de ampliar a precarização do trabalho, desresponsabiliza os poderes públicos que devem assegurar qualificação e inserção dos indivíduos no mercado de trabalho. “As pessoas se culpam por não conseguirem trabalho, mas não deveria ser assim, o Estado que deveria se culpar por não criar oportunidades de trabalho para a sua população”, adverte.
Regulamentação
No segundo semestre deste ano, deve ser apresentada a proposta de regulamentação do trabalho por aplicativo no Brasil, que está sendo discutida por um grupo de trabalho formado por trabalhadores e representantes de ministérios e empregadores.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.