Levantamento revela que projetos de lei pensados para conter violência que atinge as escolas estão há meses na fase inicial de tramitação na Alep
Nesta quarta-feira (19), o ataque ocorrido no Colégio Estadual Helena Kolody, em Cambé, região norte do Paraná, completa 30 dias. Muitos foram os discursos e promessas para conter a violência que têm ameaçado escolas, professores(as), funcionários(as), estudantes e comunidade. Mas um levantamento feito pela APP-Sindicato revela que propostas de lei protocoladas na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) com esse objetivo estão paradas há meses.
O projeto de lei nº 278/2023, por exemplo, cria a política de promoção da segurança e prevenção a violência nas escolas do Paraná. O texto tipifica atos de violência contra a comunidade escolar, prevê multa administrativa para os(as) infratores(as) e apoio psicológico para as vítimas.
“É dever do poder público e de toda a sociedade agir de forma conjunta na prevenção e no combate a atos de violência e agressão, promovendo a conscientização sobre segurança, ampliando o monitoramento das redes sociais e jogos online, investindo em tecnologias de segurança digital nas escolas, estabelecendo parcerias com empresas de tecnologia, entre outras medidas”, defende a justificativa do projeto.
Apesar disso, a última movimentação da matéria é do dia 20 de abril, quando deu entrada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), segundo informação do sistema de pesquisa da Alep. Nesse mesmo estágio também está o projeto nº 277/2023, que estabelece diretrizes gerais de segurança e de vigilância eletrônica nas escolas públicas e privadas de educação básica do Paraná.
No caso do projeto nº 77/2023, que cria a política estadual de educação em mídias digitais e combate à fake news no âmbito escolar, a situação não é diferente. A matéria já completou quatro meses na CCJ. Caso a proposição já tivesse sido aprovada, a Secretaria Estadual da Educação (Seed) deveria elaborar um plano de trabalho anual com o objetivo de combater os impactos das notícias falsas no âmbito escolar.
Outra proposta que dialoga com o tema da violência que atinge o ambiente escolar é o projeto de lei nº 14/2020. O texto institui o programa de mediação escolar na rede pública de ensino e tem objetivos como a solução pacífica e harmoniosa dos conflitos entre pessoas envolvidas nos processos educativos, respeito e tolerância às diferenças, educação para a paz, entre outros.
Para alcançar os objetivos, a matéria propõe, inclusive, parcerias com Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública para oferecer aos(às) educadores(as) a formação necessária para atuar na solução pacífica de conflitos. O projeto é mais um que está parado e, nesse caso, a demora contabiliza mais de três anos na fase inicial de tramitação.
De acordo com a Alep, apenas em 2023, foram protocolados 14 projetos tratando da prevenção de ataques às instituições de ensino. Após o atentado, a Casa divulgou que “os textos fazem parte de um conjunto de medidas que deverão tramitar com celeridade” e que a Comissão da Criança, do Adolescente e da Pessoa com Deficiência (CRIA) aprovou um pedido para a Mesa Executiva e para a CCJ “pautarem, com urgência, projetos de lei que trazem mais segurança nas escolas”.
No dia seguinte a tragédia, pelo menos mais três propostas foram protocoladas prevendo medidas similares às que estão em tramitação há mais tempo. O projeto nº 507/2023 dispõe sobre a prevenção e combate aos ataques nas escolas. O de nº 509/2023 estabelece diretrizes para implantação de modelos de segurança nas instituições de ensino públicas e particulares. O projeto nº 510/2023 institui a política estadual de proteção à comunidade escolar.
Congresso Nacional
Em ritmo diferente, no Congresso Nacional as discussões têm avançado de maneira mais rápida e o PL nº 1.372/2022, que determina a criação do serviço de monitoramento de ocorrências de violência escolar, já foi aprovado no Senado Federal e enviado para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Pelo texto, o serviço, chamado de Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas, deverá atuar prioritariamente na produção de estudos, mapeamento de ocorrências, sistematização e divulgação de soluções eficazes no combate à violência escolar, e em programas educacionais e sociais direcionados à formação de uma cultura de paz.
Apesar desse avanço, o projeto de lei nº 2.630/20, o chamado PL das Fake News, que já foi aprovado no Senado em junho de 2020, ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados. Em maio deste ano o texto chegou a entrar na ordem do dia, mas foi retirado devido a pressão das “bicht techs”, grandes empresas donas de sites de redes sociais, e de parlamentares conhecidos por usar a internet para disseminar informações falsas, discursos de ódio e, inclusive, ataques ideológicos contra professores(as).
O PL das Fake News cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Na avaliação de muitos(as) especialistas é uma resposta direta para conter a onda de massacres contra as escolas, pois estabelece regras para criminalizar a divulgação de conteúdo falso e discursos de ódio na internet. Além disso, responsabiliza as empresas que lucram com essas práticas ilegais nos ambientes virtuais e que têm incentivado a violência nas escolas e outros crimes.
O documentário Uma Escola Mais Segura provoca discussões que englobam problemas sociais e o papel da internet na disseminação de discursos de ódio e desinformação.
Luto e horror
Era para ser mais um dia de aula tranquilo no colégio estadual que leva o nome da poeta paranaense, Helena Kolody. Mas a paz na escola foi interrompida na manhã do dia 19 de junho de 2023. Por volta das 9h, tiros disparados por um ex-aluno mataram dois estudantes em mais um ataque estimulado pelos discursos de ódio disseminados na internet sem lei.
Após entrar na escola para solicitar uma cópia do histórico escolar, o jovem de 21 anos foi ao banheiro, vestiu um sobretudo preto e uma camiseta branca com inscrição em língua russa. Os elementos fazem referência a grupos extremistas que disseminam suas ideologias no submundo da internet.
No retorno ao pátio, efetuou vários disparos com uma arma de fogo. Os tiros atingiram Karoline Verri Alves, de 17 anos, que morreu no local, e Luan Augusto, de 16 anos, que foi socorrido em estado grave, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital.
Desde a data da ocorrência, a APP-Sindicato acompanha os desdobramentos, as investigações e as ações das autoridades para garantir a segurança das escolas. Em nota, o Sindicato lamentou a tragédia e prestou solidariedade às vítimas, familiares, colegas e a comunidade escolar.
A APP também acompanhou uma visita técnica realizada na escola pela Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados. Proposta pela deputada federal Carol Dartora (PT-PR), a atividade reuniu ainda representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Núcleo Regional de Educação.
Saiba mais: APP e Comissão de Segurança da Câmara visitam Colégio Helena Kolody, alvo de atentado em Cambé
Prisões
O assassino foi contido por um homem que trabalha em uma empresa próxima à escola e, em seguida, preso pela Polícia Militar. Em interrogatório, ele disse que não conhecia as vítimas e admitiu que planejava o crime há quatro anos. Dois dias depois, foi encontrado morto em uma cela da Casa de Custódia de Londrina.
Com base no depoimento e informações repassadas pelo Laboratório de Operações Cibernéticas da Secretaria Nacional de Segurança Pública, a polícia já prendeu mais cinco suspeitos de envolvimento no ataque, sendo três homens de 35, 39 e 21 anos, todos de Rolândia, cidade próxima a Cambé, um de 18 anos, morador de Gravatá, Pernambuco, e outro, de 19 anos, de Santo André, São Paulo.
Três dos investigados já foram denunciados pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR). Segundo o MP, os investigados utilizaram principalmente redes sociais e aplicativos de mensagens para instigar e auxiliar o executor dos homicídios a praticar o atentado. Eles responderão pela prática de dois homicídios duplamente qualificados, com penas previstas de 12 a 30 anos de reclusão para cada um dos crimes.
Fonte: APP-Sindicato