Um movimento forte, surpreendente e extremamente danoso cresceu nos últimos anos no Brasil e no mundo. O chamado movimento antivax, ou seja, um questionamento confuso e inconsistente sobre a eficácia das vacinas. É certo que isso não é uma novidade. Oswaldo Cruz chegou a ser apedrejado no Rio no início do século XX, quando liderou a vacinação em massa contra a varíola. Pasteur foi expulso da sociedade médica francesa por defender a existência de microrganismos (não aceitavam a existência de bactérias!). É importante, no entanto, entender que a disseminação do negacionismo ultrapassa em muito o medo ou desconfiança na vacina em si.
Nas camadas mais profundas desse pensamento, caso seja possível chamar isso de pensamento, está um sistema de desinformação liderado por correntes políticas, infelizmente ainda em ascensão. Se não, como explicar que um país como o nosso, referência global em imunização, chegue hoje aos níveis alarmantes de baixa procura em postos de saúde. E, vale lembrar, o PNI, Programa Nacional de Imunização foi implantado em 1973, em plena ditadura militar. Ou seja, mesmo no pensamento retrógrado de então, o cuidado com a saúde guardava alguma racionalidade, que parece ter se perdido.
A propaganda negativa utilizada por correntes tão regressivas tem entre seus dogmas combater valores do mundo contemporâneo. E, entre eles, um dos mais caros é a ciência. Digamos assim: a medicina moderna baseia-se na biologia, nas alterações causadas pelas doenças no corpo. Adoecer não é uma maldição ou atuação de forças misteriosas e sobrenaturais, mas processos biológicos estudados e passíveis de intervenção e transformação. Isso vale para todos os ramos do conhecimento. Eles, por sua vez, vão negar exatamente isso, ao defender a ideia de uma guerra cultural.
E, se estamos em guerra, só vale destruir. Não se mede consequências. Passaram a disseminar a descrença em métodos consagrados, semear a confusão e dúvida. E principalmente despertar medo. Um medo irracional, baseado em nada. E, em tom geralmente pomposo e enraivecido, questionam o óbvio. Em outras palavras, transformam medo em raiva. Outro dia alguém me afirmou que depois da vacina, muita gente está morrendo do coração.
Argumentei que as doenças cardiovasculares são as mais letais desde sempre e não houve aumento pós vacina. Pedi os dados, ele não tinha. E continuou espalhando a mentira. Cerrando fileiras com eles existem médicos, inclusive. E, claro, potencializado por plataformas digitais que espalham esses desvarios com velocidade absurda.
Os prejuízos são desumanos e incalculáveis, como pudemos ver no atraso da vacinação contra a Covid 19, no Brasil. Uma mortandade desnecessária e inaceitável atingida, não por fatalidade, mas por método cruel. Uma espécie de industrialização da anticiência.
Para contrapor o obscurantismo, (que arrefeceu, mas está longe de ser contido) precisamos, mais que nunca elevar os valores herdados do iluminismo. A ciência como base de programas de saúde, respeitar a tripartição dos poderes, um estado laico e inclusivo, com respeito às diferenças. Parece óbvio. Mas nestes tempos obscuros explicar o óbvio tornou-se dolorosa obrigação.
Texto: Dr. Marco Antônio Fabiani