Taxa de reposição de servidores públicos federais em 2023 ficou em 66%; Vagas do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) deve tirar parte das políticas públicas da paralisa, mas ainda é insuficiente
Desde 2016, o Estado brasileiro perdeu 70 mil profissionais. A taxa de reposição de funcionários públicos federais, que é a conta dos que saíram, como aqueles que se aposentaram, e os novos, que chegaram para repor esse pessoal, em 2016 era de 100%. Mas desde então, ano a ano, ela está em franca queda. Em 2019 chegou a 23%, em 2021 ficou em 35%, e agora está em 66%.
Um dos motivos para essa taxa de reposição baixa é a queda na abertura concursos públicos – por excelência a forma de contratação da administração pública, além do congelamento de salários para cargos comissionados, criando um efeito de debandada de profissionais para o setor privado de 2016 em diante, quando o país passa a ser governado por sucessivos governos neoliberais – Michel Temer e Jair Bolsonaro.
O que aparentemente poderia ser uma economia de recursos pode ser um prejuízo para a população. A secretária-adjunta de Gestão de Pessoas do Ministério da Gestão e Inovação de Serviços Públicos, Reginas Camargos, afirma que o apagão de servidores é uma característica de governos que não investem em políticas públicas.
“Contratar para quê se não pretendo atender a população? É assim que eles pensam. Uma vez que outro governo retoma as políticas públicas, ele vai precisar de gente. Não tem SUS, não tem escola sem funcionário. Isso sem falar que o setor público é um empregador importante. Ele estrutura o mercado de trabalho, é a balança para que não precarize ainda mais os postos de trabalho”, afirma a secretária-adjunta.
Na tentativa de minimizar esse impacto, o governo Lula tem feito alguns esforços dentro do que o orçamento aprovado pelo Congresso Nacional e o Teto de Gastos possibilita como manobra. O mais representativo até agora foi o lançamento do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU), também conhecido como Enem dos Concursos.
O certame oferta 6.640 oportunidades de níveis médio e superior, divididas entre os 21 órgãos públicos participantes. As inscrições começaram dia 19 de janeiro e poderão ser feitas até 9 de fevereiro, no site do Concurso Nacional Unificado.
O secretário de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social (CNTSS), filiada à CUT, Sandro Alex de Oliveira Cezar, integra a mesa de conversas com o governo federal que debate a questão dos servidores, e afirma que, embora louvável a iniciativa do Concurso Unificado, ele representa “uma gota no oceano”.
País em reconstrução
Segunda a especialista em gestão de políticas públicas e professora da Universidade Federal do ABC Gabriela Lotta, o governo tem pela frente dois desafios: reconstruir as políticas que foram perdidas nos governos anteriores, e dar conta das novas demandas.
“Várias promessas de campanha não se cumprem por falta de pessoal para trabalhar. Agora, o que vemos, é a retomada de base de dados, cadastros, do próprio Bolsa Família. Isso não tem um impacto de sensação positiva na população imediato. E ainda não estamos com condições de olhar para frente”, afirma a pesquisadora.
Áreas mais afetadas
Um caso emblemático dos últimos anos é a fila do INSS. A falta de pessoal fez com que no início de 2023 mais de 1 milhão de pessoas aguardassem para fazer a perícia.
As áreas mais afetadas, segundo o ministério, são, por ordem, Saúde, Previdência e Educação. A Defesa Civil, área crucial no combate a eventos extremos, como enchentes, também está com vazio de funcionários.
Outros ministérios, como Meio Ambiente, que segundo Regina foram propositalmente desmantelados pelo governo anterior, estão atravessando quadros desalentadores.
Parte dos funcionários, ela explica, pediram transferência de órgãos, e não há gente para serviços básicos, como licenciamento ambiental, atividade que pode impactar nas futuras obras do PAC.
A ideia, segundo o ministério, é usar o cadastro reserva de aprovados no Concurso Unificado para preencher vagas em áreas que foram desmanteladas. “Há um desmonte causado por uma política de austeridade fiscal duríssima e cega”, afirma a secretária-adjunta.
Sobrecarregados e exaustos
Muito trabalho, poucos funcionários. Essa conta tem um efeito direto, e muito preocupante, sobre aqueles poucos servidores que estão na ativa. Um tem de fazer o trabalho de dois, três, e isso já está se refletindo em sobrecarga, exaustão, e adoecimentos como burnout.
A professora da UFABC Gabriela Lotta faz entrevistas regulares com os servidores federais. Ela conta que neste momento, de retomada de políticas públicas e reestruturação de órgãos públicos, a dedicação dos trabalhadores de trabalhadoras é a maior já registrada por ela.
“Eles estão trabalhando dobrado, fazendo turnos extenuantes, de até 16 horas para ajudar o carro andar. Isso desde o ano passado. Mas adianta esperar esse nível de dedicação por quatro anos. Eles já estão exaustos”, afirma a pesquisadora.
Propostas
O Concurso Unificado é uma das etapas do processo de reforma administrativa proposta pelo governo Lula. Ficou para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos está preparando um pacote de medidas para substituir a PEC 32, que trata da reforma administrativa do governo anterior.
Parte da transformação defendida pelo ministério é a recomposição salarial e de benefícios. Em 2024, a proposta é ter aumento real para a maioria dos servidores, com renda mensal de até R$ 10 mil.
Em coletiva de imprensa, a ministra Esther Dweck disse que os 9% de reajuste concedidos em maio de 2023 ainda têm impacto neste ano e, até o fim do mandato, a correção chegará a 18%, superior à inflação estimada para o período, de 16,5%.
Na proposta, haveria espaço orçamentário para conceder outro reajuste salarial em 2025 e em 2026, de mais 4,5% em cada ano.
Na esteira dos direitos dos servidores, o secretário de Finanças da CNTSS criticou o congelamento de salários, e os reajustes feitos, segundo ele, sem critérios objetivos.
“Nós da administração pública estamos muito feridos com o reajuste de até 70% para os profissionais da segurança. Enquanto todo o resto, que lutou para manter o Estado de pé nas condições mais ultrajantes, estamos com os salários congelados, justamente os profissionais que nos perseguiam agora estão sendo valorizados e nós não. Foi uma rasteira enorme”, desabafou Sandro Cezar.
Demonização dos servidores
Sem servidores públicos em quantidade adequada e valorizados, as políticas públicas necessárias para o país e o funcionamento do Estado ficam comprometidos. Mesmo assim, há uma ideia já há muito difundida na sociedade brasileira de que “a máquina pública é inchada”, e os servidores trabalhadores privilegiados e de pouco desempenho.
A professora Gabriela Lotta explica que essa ideia é consequência de um pensamento que encontra lastro nos chamados supersalários, como os de alguns cargos do judiciário, mas que não representam nem 0,5% do contingente do funcionalismo público.
Mesmo assim, esses supersalários criam um efeito negativo sobre uma população pobre e precarizada, e precisam acabar. “Isso afeta a moral do servidor, e governos que desejam destruir a máquina administrativa surfam nessa onda. É uma imagem muito perigosa”, afirma Gabriela.
Para a secretária-adjunta do Ministério da Gestão, a paralisa de diversos setores do Estado por falta de funcionários, como já mencionado, mostra que esse é um discurso sem conexão com a realidade.
“O que vemos é o contrário. Só quem tá operando a máquina na ponta sabe como a vida das pessoas depende disso, e que disso depende a valorização do servidor público”, disse Regina.
Comunicação
Durante a pandemia de Convid-19 esse quadro de demonização do servidor público sofreu um revés. A relevância dos profissionais da saúde diante da crise sanitária foi destaque na imprensa e outros meios de comunicação. Para a pesquisadora da UFABC, esse é um exemplo que deve ser perseguido pelos governos.
“Precisamos de um trabalho de comunicação que mostre como o servidor é um profissional empenhado, crucial para a vida da população. Essas pessoas não serão valorizadas se não forem reconhecidas. E hoje elas não são sequer reconhecidas”, afirma.
Fonte: CUT Brasil