Leio n’alguma mídia social que três das mais tradicionais vinícolas do sul do país (Cooperativa Salton, Aurora e Garibaldi) foram flagradas explorando nordestinos (baianos), na colheita de uva, o que caracterizaria trabalho análogo a escravidão.
Flagrante lavrado pela polícia federal, já se iniciou a investigação que, se levantar elementos suficientes, propiciará ao estado denunciar os responsáveis, abrindo assim a veia do devido processo à desfavor dos representantes legais da três vinícolas. Será o devido processo em sua plenitude a esclarecer o evento, quer para confirmar as severas acusações (dos próprios trabalhadores), quer para afastá-las.
As vinícolas, sem o devido processo, devem ser presumidas inocentes. É a regra do jogo e não há o que se discutir. Noves fora questões procedimentais e o tempo que a marcha do processo reclama, o que já dá para medir e gerar posição (nojo e asco) é a fala do edil (Patriotas) de Caxias do Sul (na serra gaúcha), Sandro Fantinel.
O preconceituoso defendeu a tese da não contratação de baianos, imediatamente após a Polícia Federal ter deflagrado a operação que resgatou 280 trabalhadores, sugerindo a arregimentação de mão de obra argentina que, segundo o xenófobo racista, seria ‘mais limpa’.
Seu partido político (Patriotas) já o expulsou, suposto que o pronunciamento foi ‘desrespeitoso e inaceitável’, naquilo que traz ‘grave desrespeito a princípios e direitos constitucionalmente assegurados, à dignidade humana, à igualdade, ao decoro, à ordem e ao trabalho’.
São os fatos. Vejamos o que deles dizer. De saída vou registrar minha admiração pela cultura gaúcha (marquei aqui o Elizandro Pellin), que vai além do Rio Grande do Sul e abarca os hermanos (uruguaios e argentinos), bem assim minha consideração e respeito pelo grande Advogado e amigo gaudério radicado no Rio de Janeiro, Salo de Carvalho. Ademais, vou agradecer, todos os dias, ter visto Falcão e Ronaldinho jogarem.
Cultura é arte e as danças temáticas retratando o estilo de vida da Campanha, revelam da história à riqueza de detalhes que as tradições preservam. Os gaúchos possuem uma literatura riquíssima (Borges, Cortazar, Galeano, Érico Veríssimo, Mário Quintana, Simões Lopes Neto, Eduardo Guimarães, Antônio Xerxenesky) e uma música tão maravilhosa que produziu, para falar pouco, um gênio imortal – Piazzolla, que segue sendo minha quintessência…
Essa riqueza colorida em preto e branco emoldura a vida imitando a arte, naquilo que existir revela um valor preto e branco, onde subir montanhas para apagar estrelas é metáfora mundo afora – exceto em Minas Gerais, mas esse é um tema para outro momento.
Ademais, somos todos iguais essa noite e, bem por isso, não se deve (jamais) atentar contra os povos feito um todo, suposto que generalizações xenofóbicas não deveriam voltar à baila, principalmente após a política nazista do chanceler do mal e sua solução final que eliminou mais de seis milhões de judeus.
Assim, a história permite questionar se o edil (Sandro Fantinel) é ignorante ou burro. O burro investe contra a realidade e quer modificar o fato, distorcendo premissas e circunstâncias que estabelecem o conhecimento (para o burro dois somado a dois seriam vinte e dois e não quatro. A terra, para os burros, não é redonda e sim plana…
Já os ignorantes, desconhecendo um tema qualquer, se socorrem em conceitos preconcebidos que se lhes pareçam relevantes e com os quais foram habituados culturalmente desde ninhos – leite com manga faz mal, mulher que é livre é puta, o homem é superior à mulher e outras estultices dessa monta…
Assim é que o cidadão menor da Campanha gaúcha (edil Sandro Fantinel) é muito burro, naquilo que ao atacar o povo baiano (´só serve para bater bumbo’), dá uma verdadeira conferencia de fake news quando alicerça a sua premissa exclusiva de nordestinos na contramão da história da formação do próprio Rio Grande.
Os de Rio Grande tem sua formação étnica ligada, principalmente, à Italianos e alemães que lá aportaram no século XIX, após receberem terras e incentivos (que foram de vestimentas à animais de cria), sob regime de pequena propriedade, o que lhes permitiu desenvolver ricamente a região.
Assim é que, desde o início, o subsídio governamental ladeou a formação dos rio-grandense e isso não quer dizer, em absoluto, que os gaudérios são preguiçosos e não fizeram por merecer a situação – antes o contrário; trabalhou-se e se trabalha muito no sul, apenas a sua formação étnico-política convola esse viés donativo.
Gosto do gaúcho, mas não suporto gente como o edil (Sandro Fantinel) em qualquer lugar do mundo. O preconceito criminoso, vomitado em seu discurso, é deletério cultural da humanidade. Além disso, não tolero quem se julgue superior (por qualquer razão). Antes de sermos nordestinos e gaúchos somos todos filhos do mesmo sol e das mesmas necessidades e urgências que a vida alberga.
Não dá mais para conviver com sociopatas que meçam e julguem as pessoas pelo local de onde elas vêm, pela cor de sua pele, por sua orientação sexual. As pessoas merecem ser aceitas pelo que são, não por circunstâncias adjacentes à formação do caráter do outro.
Dou um exemplo que abraça a cultura gaúcha: me parece belíssima a praia do Cassino (onde jamais estive), mas não vejo nela mais beleza do que em Jericoacoara, tampouco que o Arraial D’ajuda (para focar na Bahia). Acredito que a beleza das praias nordestinas não desmerece (em nada) a maravilha das praias gaúchas.
E assim a vida segue e a roda do destino gira. Nós outros somos testemunhas do convívio do sol com a lua e vivemos sob um céu estrelado. As vezes chove, outras bate sol, mas a vida segue, inexorável, urgente, plena…
Essa vida plena, todavia, grita ao edil burro (Sandro Fantinel): saia de cena rapidamente (feito sua intervenção em favor das vinícolas) e vá ler, ouvir os vinis dos novos baianos (todos eles), Caetano, Gil (principalmente ouça Domingo no Parque). Leia Jorge Amado (principalmente Jubiabá, Terras do Sem Fim e Capitães de Areia).
Procure saber que a magia, por ter nascido na Bahia, pode lhe alcançar e fazer de sua burrice uma ponte com a vida, em resgate à humanidade que sua fala bestial sepulta, em atentado contra a demanda da vida.
Saudade pai, você ensinou que viver é amar!
João dos Santos Gomes Filho
Para o Canto do Locco
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.