Doações podem ser realizadas até terça-feira (31) e serão direcionadas para aproximadamente 39 estudantes indígenas e suas famílias
Estudantes indígenas da UEL (Universidade Estadual de Londrina), em parceria com a CUIA (Comissão Universidade para os Indígenas) e SEBEC (Serviço de Bem-estar à Comunidade), ambos vinculados à Instituição, estão promovendo campanha de arrecadação de fundos para a compra de cestas básicas no valor estimado de R$ 150,00 cada. As doações serão destinadas a alunos indígenas, a nível graduação da UEL, e suas famílias.
A assistente social, Gilza Kaingang, primeira mestra indígena a se formar na UEL, atualmente doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política Social e representante dos estudantes indígenas na Universidade, conta que a ação surge devido demanda de alunos indígenas que a procuraram a fim de obter ajuda para conseguirem se manter no retorno às atividades acadêmicas, visto que neste mês de janeiro eles não ainda receberam bolsa permanência. O auxílio, nas quantias de R$ 1.125,00 para estudantes solteiros e R$ 1.687,50 para os que têm filhos, será pago somente em fevereiro.
“Estamos fazendo esta arrecadação justamente pela necessidade dos estudantes indígenas da graduação. Eles estão retornando para o segundo semestre do ano letivo e muito deles sem condições financeiras para se manter neste mês, já que em dezembro eles receberam a bolsa permanência de novembro e dezembro e a de janeiro será paga apenas em fevereiro. Todo ano é assim, estamos querendo garantir o mínimo”, explica.
“As populações indígenas sofrem as consequências do racismo no Brasil, além dos obstáculos para permanecer em um ambiente com altos custos para permanência, como é o caso das universidades. Os estudantes indígenas recebem bolsa para subsidiar os estudos, todavia, no começo do ano o valor se torna insuficiente, pois eles possuem uma sociabilidade diferente da imposta socialmente, com apreço pela lógica comunitária, compartilhamento de atividades e bens, além de construções familiares que são mais numerosas. Outro fator são os gastos obrigatórios de início de ano, como materiais escolares e impostos”, complementa João Paulo Rosa Lorenço, assistente social no SEBEC e representante do órgão na CUIA.
Segundo ele, entre as principais reivindicações dos estudantes indígenas estão: mobilidade, suporte para inclusão digital, assistência à saúde mental. “As principais demandas são expressas nos processos de seleções socioeconômicas para bolsa de inclusão social, bolsa permanência, questões relacionadas à saúde mental dos estudantes e outras relacionadas ao transporte para universidade, especialmente daqueles que vem para a UEL diretamente dos territórios indígenas, há também procura pelos equipamentos de inclusão digital, como tablets e celulares”, pontua.
Atualmente, a UEL possui 39 estudantes indígenas matriculados. Além de Kainkang, há alunos pertencentes às comunidades Guarani e Guarani-Ñandeva. Ainda, de acordo Gilza, primeiramente a Articulação dos Estudantes Indígenas da UEL, procurou o SEBEC, que sem recurso para garantir as cestas básicas, contatou a Prefeitura de Londrina com o intuito de estabelecer uma parceria para viabilizar a doação, no entanto, a mediação não foi efetivada.
As colaborações, de qualquer valor, podem ser realizadas via PIX para o CPF: 066.276.879-50. As doações serão recebidas até esta terça-feira (31). Além das arrecadações em dinheiro, também serão aceitas cestas básicas. Mais informações para entrega, podem ser solicitadas através do telefone: (43) 98499-4501 – falar com Gilza.
Londrina também é terra indígena
Para Gilza, apesar da significativa presença de indígenas em Londrina e região, as comunidades ainda enfrentam diversas dificuldades para acessar espaços e serviços públicos. Uma das terras indígenas existentes no norte do Paraná é a Apucaraninha, localizada na divisa dos municípios de Londrina e Tamarana, e ocupada por indígenas da etnia Kaingang.
“Temos grande demanda de indígenas que transitam pela cidade, trabalhadores de diversas áreas como serviços domésticos, construção civil, outros que vendem o próprio artesanato, cestarias. E também tem os estudantes indígenas. A nossa presença na cidade é constante, no entanto, as políticas públicas direcionadas ainda são muito insuficientes, não dão conta das nossas necessidades”, avalia.
Ela lembra, por exemplo, do Centro Cultural Kaingang, situado as margens da avenida Dez de Dezembro. O local, criado há mais de 20 anos, busca valorizar a cultura do grupo na cidade, porém não possui condições adequadas para abrigar os indígenas. Além da falta de infraestrutura, há carência de itens de higiene e alimentação. Em agosto de 2021, o espaço foi acometido por um incêndio que destruiu cinco casas. O acidente ocorreu após uma moradora acender um lampião com óleo diesel e derrubar o líquido. O ambiente, à época, não possuía energia elétrica.
“Temos a situação do Centro Cultural de Londrina que não tem nenhuma estrutura para que eles fiquem neste espaço. Há um projeto tramitando na Câmara de Londrina para a construção da casa de estudante indígena. Estamos ocupando estes espaços, dialogando com as partes envolvidas que podem auxiliar para que a gente possa ficar em Londrina com dignidade em todos os aspectos, não apenas os estudantes, mas as mulheres indígenas que vem vender as suas cestas, usar a maternidade, os acompanhantes, uso dos cartórios, para que a gente tenha uma acessibilidade dos serviços públicos e privados em geral”, observa.
Contudo, a pesquisadora, considera que, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os decorrentes diálogos com as populações indígenas, vide a criação do Ministério dos Povos Originários, as expectativas são de avanços no acesso a direitos como a demarcação de terras indígenas, promoção de políticas de saúde e educação interculturais e a desconstrução de preconceitos por parte dos não indígenas.
“Esperamos que a sociedade possa nos conhecer para desconstruir este pensamento colonial mesmo que foi colocado sobre nós. Temos novas perspectivas, um governo que tem um olhar mais afetivo com as comunidades indígenas. Pela primeira vez, estamos acessando um Ministério, criado para os povos indígenas com a participação de indígenas, isso é muito importante. A nossa presença neste fazer estado, porque nos últimos anos, a gente foi esquecido e ainda mais estigmatizados”, afirma.
Genocídio contra Yanomamis
Gilza cita também o genocídio contra os povos Yanomamis que residem na região de Roraima. Nas últimas semanas, fotos de indígenas em extrema desnutrição tomaram as redes sociais, contudo, desde o ano passado, o aumento de casos de malária tem sido denunciado por lideranças e ativistas. Ao menos 22 mil contaminações foram identificadas em uma população de 30 mil indígenas, mas apenas sete foram notificados pelo Ministério da Saúde. A terra indígena Yanomami é demarcada desde 1992, porém o garimpo ilegal tem crescido a passos largos desde 2016. A crise sanitária já matou 570 crianças Yanomami entre 2019 e 2022, segundo levantamento da agência Sumaúma.
“Estamos vivendo uma situação de calamidade social que é a enfrentada pelos Yanomamis. Lamentável. O Brasil é um país riquíssimo, com muita produção agrícola, então, como que as crianças morrem de fome por conta da ganância do garimpo, da expropriação dos territórios indígenas?”, questiona.
Quer saber mais sobre a presença indígena na UEL?
Acompanhe a seguir reportagem sobre o projeto “A produção audiovisual como articuladora de sentidos de identidade e interculturalidade”, idealizado e coordenado pela professora e jornalista Mônica Panis Kaseker, e vinculado ao Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A iniciativa faz parte do Ciclo Acadêmico Intercultural, que tem como finalidade contribuir para que os indígenas, que foram aprovados no Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná, conheçam a rotina universitária.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.