29 de janeiro é considerado Dia Nacional da Visibilidade Trans, e por isso, ao longo de todo mês diversas ações são realizadas para chamar atenção para as violências e resistências deste segmento da população brasileira cuja estimativa, de acordo com mapeamento desenvolvido pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), já soma mais de 3 milhões de pessoas.
A data foi escolhida em homenagem ao primeiro ato nacional organizado pela população trans e travesti, em 2004, onde os manifestantes lançaram a campanha “Travesti e Respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos” em frente ao Congresso Nacional, em Brasília.
Contudo, mais do que um marco comemorativo, o período evidencia as diversas e constantes lutas de pessoas trans para manterem-se vivas. Com base em dados levantados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Brasil é pelo 14º ano consecutivo, o país que mais mata transexuais e travestis no mundo.
De 2017 a 2022, foram contabilizados 912 assassinatos de pessoas trans e não binárias no país. Apenas no ano passado, ocorreram ao menos 131 assassinatos. O número representa um pequeno recuo em relação a 2021, quando foram registrados 140 crimes. Porém, as tentativas de homicídio cresceram, saltando de 79 para 84 no mesmo período. Além disso, especialistas e lideranças chamam atenção para a dificuldade do levantamento de informações sobre os casos, o que pode gerar a subnotificação das ocorrências.
Ainda, segundo o dossiê, entre as vidas perdidas: 130 eram mulheres trans ou travestis e um homem trans/pessoa transmasculina. A maioria tinha entre 15 e 40 anos, sendo que 81% possuíam até 35 anos. Já no que diz respeito ao pertencimento étnico-racial, em 76 casos, a vítima era negra. Também foi identificada a morte de uma travesti indígena. Assim, conforme evidenciado pela investigação, enquanto a expectativa de vida de uma pessoa cisgênero no Brasil é de 76 anos, a de uma pessoa trans não ultrapassa 35 anos, regredindo para 28 anos, se for negra.
Com isso, em 2022, aconteceu, em média, 11 assassinatos por mês, sendo que 61% dos crimes foram cometidos durante o primeiro semestre. Pernambuco foi o estado que que mais matou a população trans no último ano, com 13 assassinatos, saindo da 5ª posição para torna-se o local mais violento do país a comunidade trans. Em segundo lugar, e empatados, estão São Paulo e Ceará, com 11 assassinatos cada.
O relatório também traz informações sobre os métodos mais empregados pelos agressores, evidenciando requintes de crueldade: tiro lidera (41%), seguido de facada (24%) e espancamento (16%). Predominantemente, os crimes aconteceram em espaços públicos (61%). Acompanhe o documento na íntegra, disponível aqui.
Para Bruna Benevides, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo e secretária da ANTRA, fatores como a falta de dados e/ou subnotificações governamentais, ausência de ações de enfrentamento à violência contra pessoas LGBTQIA+, aumento de ações transfóbicas, inclusive, por autoridades levam a estes números, que, por sua vez, sinalizam a reprodução de múltiplas opressões contra a população trans, cuja expressão máxima é o assassinato.
“Qual é a visibilidade que pessoas trans têm tido? Se pegar o telefone e pesquisar no Google ou qualquer outro mecanismo a palavra ‘travesti’, oito em cada 10 notícias são sobre violência e esse cenário tem que mudar. Nós somos linhas de frente para sermos vistas, mas também somos linhas de frente para sermos mortas”, provocou durante cerimônia de entrega do material à equipe do Ministério de Direitos Humanos, realizada na última quinta-feira (26).
Transfobia no Paraná
Entre as unidades federativas, o Paraná é o 8º estado mais perigoso para a população trans no Brasil. No território, foram identificados seis assassinatos em 2022, sete em 2021 e cinco em 2020. Em entrevista ao Portal Verdade, Ursula Brevilheri, mulher trans não-binária, licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), ativista no Coletivo Trans Não-Binárie e Articulação Brasileira Não-Binárie (Abranb), destaca o caráter diverso das violências que atravessam o cotidiano dos corpos dissidentes e a necessidade de desconstruir a visão hegemônica que associa a população LGBTQIA+ apenas à opressão.
“A gente pode falar desde questões institucionais que envolvem dificuldades de acesso que são violências e precisam ser consideradas como violências porque ferem o nosso lugar no mundo, mas também experiências cotidianas, desde você se apresentar para uma pessoa, como aconteceu comigo recentemente, e a pessoa falar ‘isso não é nome de gente’. E as violências físicas que a gente passa muitas vezes. Nunca sofri uma violência de ser agredida de forma explicita, mas já levei empurrões, já fui assediada, já fui ameaçada duas vezes. Acho que é importante entender que não é culpa nossa, mas entender que é uma realidade que a gente precisa sobreviver e resistir”, afirma.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.