Defensora critica investigação de casos e recomenda medidas para controle do uso da força policial
O Paraná não tem projeto para frear o número de mortos em ações policiais. E os casos aumentam ano a ano. Em 2021, foram 417 em todo o Estado, segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Paraná (ver quadro). Desde que o órgão passou contabilizar os óbitos, em 2015, o crescimento foi de quase 70%.
Nesta semana, o Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (Nupep), da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), divulgou nota técnica sobre a análise de 302 mortes registradas de 1º de janeiro e 28 de outubro de 2021. E revelou dados alarmantes como o fato de que 38% são de pessoas que nunca tiveram passagem pela polícia e menos de 1% geraram processo na Justiça.
A Rede Lume conversou com a responsável pelo estudo, a coordenadora do Nupep e defensora pública, Andreza Lima de Menezes. Veja os principais trechos da entrevista.
Motivo do estudo
“O que motivou o estudo foi o aumento do número de mortes considerando o registro feito pelo Gaeco desde 2015. Não tem política pública sendo colocada em prática para tentar frear esse número de mortes.”
Legítima defesa
“Nos chamou atenção (nos casos estudados) uma certa pobreza nas fundamentações relacionadas à legítima defesa dos policiais. Há sempre um discurso de que os civis mortos reagiram à abordagem, que estavam armados e que foi necessário vitimá-los.
Mas existem normas internacionais e normas internas da própria Polícia Militar do Paraná falando sobre a questão do uso progressivo da força e de se tentar o mínimo de lesividade nas abordagens, ainda que exista uma reação (da pessoa abordada). A reação da polícia deve atender uma gradação. Há a necessidade de uso dos meios moderados no conceito de legítima defesa.”
“A gente não vê esse fundamento sendo debatido com a profundidade que a gente espera quando se trata de uma morte.”
Investigação parcial
“Outra questão que deixa a gente alarmado é que há um Código de Processo Penal que determina que crimes dolosos contra a vida precisam ser investigados por outra instância que não a Polícia Militar. E a gente vê justamente um fluxo inverso. As mortes são primeiro analisadas nos inquéritos policiais militares (IPM) e, posteriormente, são remetidas para a Justiça Comum. Todo o material probatório, aquele material mais importante, que é colhido nessa fase pré-judicial é colhido pela própria PM.
Há situações em que vemos a investigação sendo feita pela Polícia Civil, mas existem casos em que o investigado é prioritariamente a pessoa morta. Teve uma situação bem esdrúxula que foi solicitado exame toxicológico do morto. A pessoa está morta. Ela não pode ser punida. Não existe punição para pessoa morta.”
Cena alterada
“É difícil a gente cravar esse tipo de coisa (quando questionada se a Polícia planta armas junto aos mortos para forjar confrontos). Para minimizar essa desconfiança, propomos uma medida que já foi adotada no Estado de Goiás em que toda a cena da morte tem de ser preservada. A Polícia Civil e as equipes de Polícia Científica precisam chegar à cena e encontrá-la o mais intacta possível.
O que a gente vê (nos processos) é a narrativa de que alteração da cena era necessária para a preservação da equipe policial (em 53% dos casos investigados os policias disseram que retiraram a arma das pessoas depois de atirar nelas). É como se a pessoa atingida ainda fornecesse perigo para a equipe.”
Eficiência não é matar
“Existem outras polícias no mundo que são muito presentes, atuantes, e que não fazem uso da força dessa maneira desproporcional (quando questionada sobre argumentação do comando da PM em Londrina de que há mais mortes porque a polícia está trabalhando mais). Temos exemplos interessantes, no estado de São Paulo, que é a maior força policial do Brasil. A gente viu um declínio muito grande no número de mortes, mais de 30%.”
“As câmeras (acopladas aos uniformes dos PM) são apenas parte das medidas. Também houve a adoção de uma norma, segundo a qual a investigação em São Paulo é exclusiva da Polícia Civil. Quando a investigação é feita por órgão externo à Polícia Militar, a gente vê a redução da letalidade.
A Polícia serve para proteção das pessoas, não para ceifar suas vidas.”
Fonte: Redação Rede Lume