Apenas em empregos direitos, marca possui 44 mil funcionários distribuídos em todas as regiões do país. Companhia está em processo de recuperação judicial, tentando evitar a falência
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) publicou, na última quarta-feira (1º), relatório que traz os potenciais impactos do caso Americanas, para os trabalhadores. O grupo Americanas atua em diversos segmentos, com foco no comércio varejista, e combina atividades físicas, como lojas de ruas e de shoppings, e armazéns de e-commerce e plataformas digitais.
Segundo levantamento disponibilizado pela própria marca, há 3.601 lojas em atividade no país, considerando as próprias e negócios com outras empresas, a exemplo do Hortifruti Natural da Terra, maior rede varejista especializada em frutas, legumes e verduras do país, com 79 lojas distribuídas em quatro estados da região Sudeste, a saber: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.
Em 2021, quase metade das lojas próprias estavam na mesma localidade (1.937), representando, 49,6%. Em segundo lugar, aparece o Nordeste (22,6%) e em terceiro, a região Sul (10,4%). A empresa tem presença em todos os estados brasileiros e em 938 municípios.
Ainda, de acordo com dados compartilhados pela companhia, em 2021, concentrava 44.481 funcionários em todo o país. A maior parte estava empregada na região Sudeste (61,2%), e, em seguida, no Nordeste (19,9%), Sul (7,6%), Centro-Oeste (5,7%) e Norte (5,6%).
Relembre o caso
No início de janeiro, a Americanas comunicou inconsistência nos registros das dívidas que a companhia assumiu com fornecedores e os bancos, isto é, a empresa solicitou empréstimos dos bancos, para efetuar compras dos fornecedores mediante pagamento à vista, fazendo dívidas sobre as quais incidem juros. O valor estimado, até o momento, é de R$ 43 bilhões.
Contudo, conforme anúncio, nos últimos anos, os valores não foram inseridos na conta de dívida bancária da empresa e, sim, na conta de fornecedores, como se não houvesse intermediação de nenhuma instituição financeira.
“A subnotificação contábil da dívida bancária melhorou os indicadores de endividamento, desempenho e patrimônio das Americanas, garantindo que a empresa tivesse acesso a melhores condições de crédito (em termos de volume de empréstimos concedidos, prazos e juros cobrados) do que ocorreria se a contabilização tivesse sido realizada de maneira correta”, aponta o documento.
Neste momento, a Americanas está em processo de recuperação judicial, ou seja, busca renegociar as dívidas acumuladas, tentando evitar a falência, e enquanto isso, as lojas físicas continuam abertas e funcionando normalmente.
Fausto Augusto Junior, diretor técnico do DIEESE, considera que o rombo irá refletir na concessão de crédito, dificultando o acesso. Para ele, além da necessidade de as investigações avançarem a fim de identificar se ocorreu ou não fraude, bem como para que os responsáveis sejam nomeados, discutir a situação dos trabalhadores direitos e indiretos é preponderante.
“Garantir os empregos, verbas trabalhistas, são questões fundamentais. Estamos falando de um conjunto muito grande, quase 50 mil postos de trabalho e, portanto, quase 50 mil famílias que de alguma forma tiram o seu sustento”, afirma.
O analista enfatiza também que o caso também demonstra a urgência de desconstruir a ideia de que a iniciativa privada seja uma forma de administração mais eficiente e alheia a erros de gestão e fraudes, discurso que tem sido muito mobilizado por governantes de perspectiva neoliberal que tendem a transferir a gestão de serviços públicos para o mercado.
“É muito comum a gente ver a defesa de que a iniciativa privada gere melhor os negócios, mas aí nos deparamos com um escândalo deste tamanho que coloca em risco mais de 40 mil postos de trabalho. É claro que o setor privado tem suas virtudes, gera renda, mas está longe de ser esta Madre Tereza como é apresentado”, avalia.
Perfil
Em relação ao perfil dos trabalhadores empregados nas principais operações das Americanas, é importante destacar que mais da metade eram mulheres: 53,6%, ou quase 24 mil trabalhadoras. Também é importante destacar que a força de trabalho possui um perfil majoritariamente jovem: 75,9% dos empregados possuíam menos de 30 anos. Em relação ao pertencimento étnico-racial, 42,1% dos funcionários foram declarados como pardos e 16,9%, como pretos, representando, assim, 59%.
Com relação ao tipo de vínculo, a Americanas declarou que 84,7% do corpo de funcionários era considerado permanente e outros 15,3% estavam com vínculos temporários. Vale ressaltar que a presença de temporários era bem maior entre as mulheres (17,8%), enquanto entre os homens ficava em 12,3%.
Mobilizações
Na última sexta-feira (3), um ato nacional, no Rio de Janeiro, foi convocado para chamar atenção para manutenção dos empregos dos trabalhadores da Americanas. A mobilização contou com presença de funcionários e lideranças de sindicatos. O ato representa mais uma tentativa de assegurar os direitos da categoria.
No fim de janeiro, centrais sindicais abriram uma ação civil pública na Justiça do Trabalho de Brasília visando o bloqueio de bens dos acionistas bilionários da Americanas: desde 1983, a Americanas pertence, majoritariamente a três dos homens mais ricos do Brasil, segundo a revista Forbes: Jorge Paulo Lemann, o mais rico do país; Marcel Telles, o terceiro; e Beto Sicupira, o quarto. De acordo com o periódico, juntos eles têm juntos quase R$ 160 bilhões.
Assinaram o documento, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a Força Sindical (FS), a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), a Confederação dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs-CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC). De acordo com as entidades, além dos 44 mil funcionários em exercício, a Americanas tem outras 17 mil ações trabalhistas contra ela tramitando na Justiça, nas quais são discutidos pagamentos de mais de R$ 1,5 bilhão.
“É essencial que estes trabalhadores tenham pelo menos seu direito de rescisão garantido. É claro que o mais importante é a defesa dos 44 mil empregos, mas a Justiça tem que assegurar, no mínimo, seu valor devido. Algo que muitas vezes demora muito nestes processos”, observa Júnior.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.