Ricos mais ricos e pobres mais pobres. Novidade? Sim. Está pior. E isso, devido a que estão se aproveitando das crises mundiais: primeiro, a pandemia e depois, a guerra da Ucrânia. Isso foi constatado pelo relatório da Oxfam: “a ‘sobrevivência’ do mais rico: por que é preciso tributar os super-ricos agora para combater as desigualdades”. Esse relatório é fundamental para pensarmos a conjuntura atual internacional e como se insere o novo governo na luta contra o problema que importa, qual seja, a desigualdade como freio do desenvolvimento econômico numa ótica popular.
É importante ressaltar uma das causas fundamentais do aumento da desigualdade nesse período de pós-pandemia: a inflação dos lucros nos setores de energia e de alimentos. Se advoga que a inflação atual é resultado da guerra na Ucrânia. Mas isso, como demonstra o relatório da Oxfam não é toda a verdade. Pois, há conglomerados que inflacionam os preços com base no pânico social e na chantagem especulativa. Eles têm esse poder, pois controlam empresas fundamentais nas cadeias produtivas desses setores. Essas grandes empresas e em alguns casos, como no Brasil, empresas públicas, são dominadas pela lógica de lucratividade de acionistas e pelo mercado financeiro que inflacionam lucros e ações nas bolsas de valores.
Segundo Oxfam (2023), 500 empresas que aparecem na revista Fortune tiveram um crescimento de 156% entre 2009-2019, passando de 820 bilhões de dólares para 2,1 trilhões. Grande parte dessas empresas dominam as áreas já citadas, obtendo super lucros, com 10% acima do líquido médio de 2018-2021. Duma análise de 96 dessas empresas, seus lucros aumentaram em mais de duas vezes (256%) em 2022, em comparação com a média de 2018-2021. 84% de seus lucros extraordinários foram pagos diretamente aos acionistas e 76% delas aumentaram suas margens de lucro.
Isso demonstra que há monopólios setorizados que tem capacidade de inflar o preço acima do seu valor real. Isto é, das condições de valorização dessas mercadorias, da quantidade que há de demanda, dado o tempo que se teria para produzi-las e oferta-las. Assim, eles geram condições monopólicas, reforçadas pelo seu vínculo ao mercado financeiro e à especulação na bolsa. Dessa maneira, elas têm condições de atribuir preços absurdos aos seus produtos.
Quem paga? Outros setores transferem o valor (salários e lucros) a esse setor. Desde a vendinha que vê seus custos aumentarem, pois o diesel está caro, com acionistas lucrando R$ 100 bilhões por causa da suposta inflação mundial. Se o lucro fosse menor, o preço também seria. O relatório da Oxfam apenas evidencia essa redistribuição de valores econômicos e recursos para alguns setores. Ao final são super capitalistas que enriquecem.
E trás outra evidencia, que há uma internacionalização desses atores. No entanto, isso não deriva de uma ideia de mercado como abstração onipotente. Há articulações globais amparadas nos países de centro e no velho imperialismo. Ao mesmo tempo, com capitalistas que compram ações e lucram com esse papel multiplicado, isto é, sem que esse capital ajude na compra de meios de produção, capazes de gerar emprego produtivo. Mas esses atores atuam politicamente, é isso que vemos no Brasil quando há uma política de preços da Petrobras que atrela os preços internos ao mercado externo. Quando eles fazem chantagem contra gastos públicos que poderiam criar um controle desse capital e redistribuir recursos.
Assim, há um lugar de conflito, com espaço para políticas diferenciadas. Por um lado, a retomada de alianças internacionais latino-americanas contra esses conglomerados que estão amparadas em seus Estados. Por outro lado, há uma renovada ideia de luta pela soberania nacional contra o consenso neoliberal-financeiro, de um mercado que dita as regras e ameaça com desabastecimento a economia brasileira. Pois, como se vê, os lucros extraordinários resultam na inflação de preços. Dessa maneira, com menos lucros, o mundo continua vivendo e produzindo. Por outro lado, as pessoas morrem de fome com gás caro e inflação de alimentos.
Confira o relatório no link abaixo: https://www.oxfam.org.br/forum-economico-de-davos/a-sobrevivencia-do-mais-rico/
Venâncio Oliveira
Doutor em economia e escritor. Trabalha com assessoria sindical. Ministrou cursos em comunidades e organizações sindicais na América Central e no México de alfabetização econômica e economia política.