De acordo com relatos, abusos acontecem há mais de uma década. Em nota, Universidade informou que médico foi afastado e processo de investigação está em curso
Em reunião realizada nesta sexta-feira (24) na UEL (Universidade Estadual de Londrina), estudantes, professoras e membros de coletivos da cidade, como a Frente Feminista, deliberaram pelo chamamento de dois atos na próxima segunda-feira (27) a fim de repudiar os crimes de assédio (Lei nº 10.224) e importunação sexual (Lei nº 13.718), denunciados na DASC (Divisão de Assistência Médica à Saúde da Comunidade) bem como reivindicar que as queixas sejam apuradas e as vítimas acolhidas.
Os casos vieram à tona nesta semana, depois que uma jornalista relatou ter sido assediada pelo ginecologista M.A.C, durante consulta. Segundo a profissional, em atendimento para tratar de um escape menstrual e marcar um exame preventivo, o médico falou sobre posições sexuais enquanto gesticulava para demonstrar os movimentos. Por sua vez, os cuidados de saúde que a levaram até o Hospital não receberam a mesma atenção do especialista que em nenhum momento abordou os assuntos.
A paciente registrou denúncia na Ouvidoria da Universidade e também procurou a Delegacia da Mulher. Desde a repercussão da violência por meios de comunicação locais e nacionais, mais cinco mulheres já se pronunciaram alegando serem vítimas do mesmo médico, conforme apontado por reportagem da jornalista Isabella Alonso Panho, publicada no Estadão. Além dos crimes sexuais, os abusos envolvem violência obstétrica e lesbofobia.
As manifestações ocorrem em frente ao RU (Restaurante Universitário) em dois horários. O primeiro encontro acontece a partir das 12h. A ideia é que, após concentração para confecção de faixas e cartazes, um cortejo seja convocado até o Gabinete da Reitoria, também localizado no campus, para que seja entregue uma carta manifesto aos gestores da Universidade, demonstrando apoio ao processo de investigação instaurado e cobrando celeridade.
“Os atos do dia 27 são de extrema importância para a nossa luta contra os crimes sofridos pelas pacientes da DACS-UEL e na nossa luta contra o assédio e abuso. Com eles, mostraremos nossa força, nossa voz e nossa indignação mobilizando o máximo de pessoas, além de mandar um recado importante para todes: não toleraremos mais sermos tratades assim”, indica Maria Julia do Carmo Mazzaro, estudante de Ciências Sociais na UEL, e atualmente membra da gestão do Centro Acadêmico do curso.
“Consideramos o caso emblemático: temos a expectativa que o médico nos acolha e ofereça atendimento respeitoso no momento que precisamos de cuidado. E o que recebemos são denúncias que remontam a mais de a década de diversas violências, inclusive assédio e importunação sexual, contra mulheres. As denúncias são sobre atendimentos na DASC e também na Maternidade Municipal”, complementa Meire Moreno, professora na rede estadual, doutoranda em Sociologia na UEL.
A docente destaca que os protestos não tem como objetivo chamar atenção somente para o episódio que motivou a denúncia mais recente, mas para toda a repressão e violência as quais as mulheres estão submetidas cotidianamente, em especial, para o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos – área que foi extremamente negligenciada nos últimos quatro anos em face da ascensão de um governo de extrema-direita, liderado por Jair Bolsonaro (PL), e suas agendas contrárias à igualdade e diversidade de gênero.
“Por isso vamos protestar! Eles não passarão! Não mais! Nosso protesto é um recado para os agressores e para toda sociedade. Se mexeu com uma, mexeu com todas! Chega de Assédio! Queremos nossos corpos livres! No contexto da sociedade machista e patriarcal, crescemos sabendo que seremos vítimas. Isso não é admissível. Precisamos mudar esse quadro”, ela ressalta.
Também nesta sexta-feira (24), por meio de nota, a Reitoria informou que o servidor envolvido foi afastado da Universidade. Indicou, ainda, que “procedimentos administrativos preliminares”, em caráter sigiloso, estão sendo conduzidos com base no regimento da Instituição. Veja documento na íntegra.
Já no período da tarde, às 17h30, está prevista panfletagem em frente ao RU. A finalidade é trazer mais informações sobre as formas de violência de gênero existentes (violência doméstica, assédio sexual, importunação sexual, violência obstétrica são alguns exemplos) e indicar quais são os canais para denúncia.
Movimentos e entidades cobram medidas
Desde o compartilhamento da denúncia pela jornalista, diversas frentes da cidade têm emitido posicionamentos e solicitado que, com base em um processo legal de apuração, medidas sejam tomadas. Os pareceres apontam, ainda, a necessidade de ações educativas que rompam com a reprodução de uma cultura misógina que legitima opressões e silenciamentos. Confira a seguir algumas manifestações:
JUNTES
A JUNTES (Comissão de Prevenção à Violência Sexual e de Gênero) do CECA (Centro de Educação, Comunicação e Artes) publicou na última quinta-feira (23) carta de repúdio e acolhimento. Acompanhe a seguir:
Sindijor e FENAJ
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná (Sindijor Norte PR) e a Comissão de Mulheres da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) também se pronunciaram. “Não se pode conceber que um profissional siga no serviço público diante de tantas situações controversas que necessitam de investigação”, alertam as entidades. Confira aqui o documento completo.
Néias
Nas redes sociais, Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina, também se manifestou: “como entidade comprometida com os direitos de meninas e mulheres, nos solidarizamos com todas as vítimas e aguardamos a devida punição do responsável”, adverte.
Força Autônoma Estudantil
Também pelas redes sociais, o movimentou comunicou alerta às pacientes. “Tanto a violência obstétrica quanto a ginecológica, desconsideram a importância da autonomia das mulheres e pessoas com útero como seres capazes de realizar escolhas que impactam nossos corpos e nossas vidas”, afirma. Veja nota na íntegra.
Em atualização
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.