Processo de privatização da empresa de energia não analisou os impactos tarifários e regulatórios. Ação dos sindicatos diz que venda da Eletrobras ao mercado prejudica indústrias e consumidores residenciais
Uma ação dos sindicatos dos eletricitários e associações pode ajudar num eventual processo de reestatização da Eletrobras, empresa de energia que foi vendida pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), abaixo do preço do mercado. Isto porque a Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou que o processo de venda passe por uma perícia que vai produzir provas técnicas de eventuais dolos ao país, especialmente à reindustrialização e aos consumidores de energia.
A decisão é do juiz federal Adriano Saldanha Gomes de Oliveira, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que nomeou Clarice Ferraz, economista e diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), como perita do caso.
O advogado da ação, que representa duas entidades e quatro sindicatos, Fernando Antunes, explica que a perita terá 30 dias, contados da data da perícia, para apresentar seu laudo, com as respostas dos questionamentos formulados pelas partes, os autores da ação, e os réus que são a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
“Não há prazo para que o juiz dê seu parecer, mas já é uma vitória, pois sua decisão será embasada tecnicamente, já que a privatização da Eletrobras não teve nenhuma discussão com a sociedade”, avalia o advogado.
O engenheiro elétrico e diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), Ikaro Chaves, diz que a necessidade da avaliação de um perito é normal no sistema judiciário, já que um juiz não é especialista.
“Se um prédio cai quem dá o parecer técnico sobre as causas do acidente, normalmente é um engenheiro, que é especialista. O mesmo em relação às questões da Eletrobras. Por isso, foi escolhida uma técnica no assunto.
A ação dos sindicatos dos eletricitários é de 2021 e questiona os impactos tarifários e regulatórios da privatização.
Os impactos tarifários são aqueles referentes aos valores das contas que os brasileiros vão pagar, sejam empresas, sejam consumidores. Já o impacto regulatório é para verificar se ocorrerá desabastecimento de energia, se haverá concentração de mercado, possíveis prejuízos a outras empresas do setor, decorrente da privatização da Eletrobras.
Para os autores da ação “o modelo de privatização também coloca em risco o meio ambiente, a estrutura de geração e de distribuição energética já custeada pelo consumidor ao longo de décadas, bem como a capacidade hídrica brasileira, já que o armazenamento de recurso energético se dá pelo represamento de água.
“O dano potencialmente, pode ocorrer em qualquer unidade da federação, tendo em vista que a venda da Eletrobras é capaz de influenciar no preço do serviço prestado em todo o país. Além disso, é evidente que a venda da Eletrobras poderá produzir dano ao erário federal, portanto de abrangência nacional. Também está envolvido potencial risco de dano aos recursos hídricos do Brasil, já que armazenamento de recurso energético é o represamento de água”, traz também trecho da ação.
“Nada disso foi apresentado durante o processo de privatização feito a toque de caixa; nem ao TCU [Tribunal de Contas da União] que havia feito o pedido de esclarecimento. Nós questionamos, mas esses relatórios nunca foram apresentados à sociedade”, diz Ikaro Chaves.
Assinam a Ação Civil Pública duas entidades: a Associação dos Empregados de Furnas (Asef) e a Associação dos Empregados da Eletrobras (Aeel); e quatro sindicatos: Sindicato dos Eletricitários de Furnas e DME ( Sindfurnas); Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado de Rondônia (Sindur-RO); Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF) e o Sindicato dos Urbanitários do Maranhão (STIU-MA).
Lula quer reestatizar Eletrobras
Durante o processo de privatização foram colocadas as chamadas “poison pill” (pílula de veneno), que praticamente impedem a reestatização da empresa.
Em outubro do ano passado, o Conselho do Programa de Parceria de Investimento (CCPI) regulamentou a “poison pill”. Isto significa que qualquer acionista ou grupo de acionistas que ultrapasse, direta ou indiretamente, 50% do capital votante teria 120 dias para pagar pelas ações pelo menos 200% a mais do preço de cotação. Ou seja, o valor para a reestatização seria pelo menos 230% (a preços de outubro) a mais do que pagaram pelas ações os compradores da Eletrobras.
Segundo cálculos do Coletivo Nacional dos Eletricitários, por conta desta cláusula, a União teria de pagar R$ 161 bilhões para reaver o controle da Eletrobras. Caso a poison pill e a limitação sobre poder de voto sejam derrubadas, o custo para reestatizar a Eletrobras seria de cerca de R$ 5 bilhões. Antes a União detinha 60% das ações e hoje apenas 43%, mas tem direito a apenas 10% dos votos do Conselho da empresa.
No início de fevereiro deste ano, o presidente Lula anunciou que o governo, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), iria pedir a revisão dos termos e efeitos da desestatização da empresa. O presidente ainda sinalizou que o governo vai comprar mais ações da estatal, caso as condições econômicas permitam.
“Foi feito quase que uma bandidagem para que o governo não volte a adquirir maioria na Eletrobras. Nós, inclusive, possivelmente o advogado-geral da União, [ele] vai entrar na Justiça para que a gente possa rever esse contrato leonino contra o governo”, disse Lula.
“O que posso dizer é que foi um processo errático, foi um processo leonino contra os interesses do povo brasileiro, foi uma privatização lesa-pátria”, ressaltou o presidente da República.
A Eletrobras foi privatizada em junho de 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por R$ 33,7 bilhões. Na época, estabeleceu-se o preço de R$ 42 por ação.
Fonte: CUT Brasil