Embora sejam maioria entre bolsistas de mestrado e doutorado no país, elas enfrentam dificuldades para ascender a postos mais altos na carreira científica
Dados levantados pelo estudo “Androcentrismo no campo científico: sistemas brasileiros de pós-graduação, ciência e tecnologia como estudo de caso”, e publicizados pela Folha de São Paulo, demonstram as diversas dificuldades enfrentadas por mulheres que optam em seguir a carreira científica no Brasil. As barreiras vão desde falta de incentivo para o ingresso, desigualdade salarial a assédio. De acordo com a investigação, elas ocupam apenas três de cada dez ocupações em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, embora representem 44% da força de trabalho no país.
Atualmente, somente 28% dos pesquisadores de todo o mundo são mulheres. No Brasil, apesar de elas serem a maioria (58%) entre bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), agência federal responsável por fomentar a ciência em todo território nacional, tornam-se presença menos frequente em cargos de liderança.
Mulheres correspondem a 57% dos estudantes de mestrado e 54% dos doutorandos, mas são as que menos desenvolvem seus estudos no exterior (48%). Também são minoria na coordenação de grupos de pesquisa (38%). No comitê de seleção da Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das principais instituições da área, correspondem a 7% dos membros. Criada há mais de um século, apenas em 2022, a organização teve uma mulher na liderança, a biomédica Helena Nader.
Ainda na esteira dos pioneirismos, Luciana Santos, engenheira, vice-governadora do Pernambuco até dezembro de 2022, assumiu o Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação. Nomeada pelo governo Lula (PT), ela é a primeira mulher negra a ocupar a pasta.
“Quando você fala de Física, as pessoas só veem a cara do Einstein. Mas tiveram também mulheres que fizeram descobertas muito importantes e não foram reconhecidas”, afirma Amanda Fonseca, mestranda na Universidade de São Paulo (USP).
Um dos exemplos é Marie Curie, cientista que mesmo frente a obstáculos para estudar, já que mulheres não eram admitidas nas universidades, na Polônia, seu país de origem, contribuiu nos estudos sobre radioatividade. Em 1903, foi a primeira mulher a receber um Prêmio Nobel, uma das principais premiações mundiais para reconhecimento de pessoas que desenvolvem trabalhos, ações e pesquisas em benefício da humanidade. Desde então, somente 17 mulheres receberam o Prêmio Nobel nas áreas de Física, Química ou Medicina. Já entre os homens, 572 já ganharam o título, representando 97% das concessões.
Fonseca ressalta que o maior tempo gasto com trabalho doméstico não remunerado, dificulta que mulheres aumentem a produção científica, critério para ascender na carreira. Informações coletadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificaram que, em média, mulheres dedicam 21 horas por semana limpando, cozinhando, lavando roupa, cuidando dos filhos. O tempo gasto por homens com as mesmas tarefas é em torno de 11 horas.
“Serviços domésticos e maternidade fazem com que as mulheres cientistas diminuam ou mesmo interrompam seus estudos, deixem de concorrer a editais, bolsas, orientações, de publicar resultados das investigações em periódicos qualificados. Estas são atividades fundamentais para que o pesquisador consiga manter sua produção ativa e com legitimidade no campo”, pontua.
Em 2021, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) criou espaço para que seja registrado período de licença-maternidade. Com isso, a pausa para cuidar de filhos recém-nascidos não será mais considerada uma lacuna no currículo Lattes, principal plataforma que reúne dados de pesquisadores brasileiros, passando a ser compensada na avaliação de produtividade.
Desde 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado em 11 de fevereiro. A data buscar dar visibilidade ao papel e às contribuições fundamentais das mulheres nas áreas de pesquisa científica e tecnológica, cooperando, assim, para o alcance da equidade de gênero entre pesquisadoras e pesquisadores.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.