Encontro em formato híbrido aconteceu na manhã desta terça-feira (10) com a participação de lideranças e com o lançamento da cartilha “Paraná Quilombola: História, Cultura e Resistência”.
Enquanto 31,1% dos paranaenses se declaram pretos ou pardos, essa população ainda sofre com a falta de políticas públicas efetivas e ações do poder público. “Das cem comunidades quilombolas do estado, apenas 38 são certificadas pela Fundação Palmares, do Governo Federal, e, somente uma, o Quilombo Invernada Paiol de Telha, em Reserva do Iguaçu, tem a terra regularizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Essa luta não pode ser só deles, mas de todos nós. O nosso objetivo é dar visibilidade às comunidades e o combate ao racismo estrutural faz parte do nosso mandato”, afirmou o deputado Goura (PDT), que propôs o debate na Assembleia Legislativa do Paraná.
A maior parte dos quilombolas é composta por comunidades negras que vivem em grupos de descendentes de africanos escravizados ou com algum parentesco, que inclui ainda outras etnias. O maior problema que enfrentam, ao longo de décadas, é a regularização fundiária, já que estes locais são fruto de doação ou de ocupação. Mas as dificuldades não param por aí. Pelo menos foi o que relataram participantes da audiência. Tanto as lideranças quanto representantes de instituições que auxiliam os quilombolas. “Nós sempre caminhamos com os povos tradicionais do Paraná e desde 2015 lutamos pela aprovação de um projeto aqui na Assembleia Legislativa, o 724/2015, que prevê instituir o Estatuto das Comunidades Étnico-raciais. Peço auxílio de todos aqui para conseguirmos aprovar esse projeto tão importante. Ele vai assegurar direitos fundamentais também aos quilombos do nosso estado”, pontuou o deputado Professor Lemos (PT).
Pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), falou Ana Maria Santos, do Quilombo Invernada Paiol de Telhas. “A nossa principal causa, o nosso principal objetivo, sem dúvida, é a regularização fundiária dos nossos territórios, porque certificada não é o mesmo que regularizada. E sem um documento, não se tem acesso a programas de Governo”, explicou. Por esse motivo, dentro das comunidades, falta tudo: escolas, saneamento básico, água potável, energia elétrica, comunicação. “Enquanto não tivermos escolas próprias, as nossas crianças não vão conseguir resgatar a nossa cultura. Esse é um apelo que eu faço para que os deputados estaduais levem essa solicitação ao Governo do Estado”, pediu.
Lideranças relataram dificuldades – “Temos pautas a serem resolvidas e precisamos de estratégias coletivas para isso. E esta Casa pode nos ajudar a resolver e nos apoiar”, reivindicou Carla Galvão, secretária-geral da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado do Paraná (FECOQUI).
“Temos que ter o direito de cultivar a nossa terra. Se você planta, você corre o risco de ser multado. Estamos privados de produzir nosso alimento, que é orgânico, saudável. Tudo por causa da falta de regularização fundiária. Tirar da natureza o nosso alimento, cuidando dela é o nosso objetivo”, pediu Jean Gonçalves Barreto, presidente da Associação do Quilombo Rio Verde, em Guaraqueçaba.
Gedielson Ramos Santos, do Quilombo Córgo das Moças, que representou o Coletivo de Educadores Quilombolas, também relatou os problemas enfrentados pela comunidade em relação à falta de acesso a programas governamentais em razão da não regularização fundiária. “Precisamos de auxílio, porque até hoje lutamos sozinhos e desta forma, não conseguimos nem mesmo preservar nossa cultura”.
Claudia Ferreira da Rocha Santos, representando o Movimento das Mulheres Quilombolas. (MMQPR), acredita que “quando se fala da questão agrária, das famílias que trabalham com agricultura familiar, que são todas as comunidades quilombolas, faltam políticas públicas para podermos trabalhar melhor. Estamos nos nossos territórios sem espaço, já que perdemos com as invasões e até com as famílias se desfazerem de seus terrenos. Falta investimento para que possamos plantar e sobreviver nos próprios territórios. Foi uma luta grande para que pudéssemos permanecer nas comunidades. Falta o olhar do Poder Público também na questão do lazer e da educação, que já foi falado aqui hoje. Além do difícil acesso às áreas. Temos pessoas capacitadas e com vontade de trabalhar dentro das comunidades”.
Ademar da Silva Candiero, zelador cultural, lamentou o fato de que a Lei Aldir Blanc de emergência cultural, ao longo da pandemia, não tenha chegado às comunidades quilombolas. “Nem os recursos, nem a Bolsa Qualificação chegaram. Assim, pudemos observar como essas comunidades estão desassistidas pelo Poder Público. Elas não têm internet. Parece que não há interesse em que a informação chegue às comunidades. Se falta comunicação, é impossível que a informação sobre os editais cheguem às comunidades. Então, minha fala é no sentido de denunciar essa falta de atenção, escancarada durante a pandemia. Pedimos investigação do racismo institucionalizado no ramo da cultura. Pedimos por atenção”.
Nilton Morato, da comunidade do Córrego do Franco, do Vale do Ribeira, reforçou como a falta de uma boa rede de internet prejudica as comunidades quilombolas. “Grande parte das comunidades têm a mesma dificuldade. Até mesmo participar de audiências públicas como esta é mais difícil para nós, além de tudo que já foi dito aqui hoje”.
Outras presenças
Leila Klenk, ex-prefeita da Lapa e engenheira agrônoma do IDR/Emater, que participou presencialmente da audiência, se disse feliz com a presença majoritariamente feminina na mesa. Ela contou que os quilombolas sempre foram marginalizados, e os que vivem na Lapa, muito mais. “A população negra por lá é periférica, pobre e marginalizada. Infelizmente, não se retrata a história de 400 famílias que vivem no município atualmente. Parte delas, apesar de pequena, produz alimentos. Nós carecemos de regularização fundiária por lá também. Lá falta esgoto. Existe projeto pronto, mas não houve liberação de recursos para isso. Procuramos diversos órgãos governamentais, mas não há sequer uma política específica para crédito. Lá tivemos a alegria de retomar uma escola quilombola na região. Um direito deles de ter a cultura preservada. Tenho orgulho das nossas comunidades quilombolas da Lapa, que, aos poucos, têm tido pequenos avanços, mas há muito a ser feito ainda”, destacou, relatando um pouco da experiência como prefeita do município.
Gabriela Grupp, do Movimento Negro Unificado e representando Rita Oliveira da Defensoria Pública da União e Coordenadora do Grupo de Políticas Etnorraciais da DPU, afirmou que “é dever do Poder Público consultar e ouvir as comunidades tradicionais. Algo tão óbvio, mas que nem sempre acontece”. Ela falou sobre o andamento dos processos de regularização fundiária e explicou que a ausência de demarcações se deve à exploração das terras pelo agronegócio. “Desde 2018, a Defensoria acompanha diversas comunidades, que já têm tido respostas a partir de ações que ajuizamos para regularizar as áreas. Nossa principal demanda. A DPU também tem pautas como estudos de impacto ambiental, construção de escolas e garantia da isenção do pagamento de pedágio dos moradores das comunidades, além do problema do atraso de entrega de cestas básicas. Também estamos tentando garantir a vacinação contra a Covid-19 das comunidades. Reiteramos a urgência de que todos os órgãos públicos atuem para garantir a proteção dessas comunidades”, argumentou.
Saul Dorval, presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, detalhou um pouco da atuação do Conselho, como o aumento em 37% da empregabilidade de negros no estado do Paraná, a solicitação, junto à Cohapar, para o programa específico de habitação para as comunidades e junto à Fomento Paraná a busca de uma linha de crédito para a população negra. “Chegamos à conclusão de que a comunidade negra precisa de uma linha própria de crédito”.
Ele reforçou a fala da Defensoria Pública de que o Conselho atua junto ao Departamento de Estradas de Rodagem (D.E.R/PR) “para que nenhum quilombola que vive em áreas próximas a uma praça de pedágio, pague a tarifa. Isso vale para todo o estado”.
O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) emitiu uma portaria tornando permanente o trabalho de regularização da situação eleitoral dos povos indígenas, caiçaras e quilombolas do Paraná, através do Programa Cidadania Plena. “São pessoas que tinham dificuldade de comparecer ao Tribunal. Abrimos 23 zonas eleitorais para os eleitores de Guaraqueçaba. Além disso, conseguimos regularizar a situação de dois mil eleitores somente nesse período. Em plena era digital, constatamos que um número grande de pessoas não tem acesso aos canais. Por isso, voltamos o olhar para elas e assim, cumprimos nossa premissa de que o eleitor possa votar onde ele mora”, celebrou Solange Maria Vieira, secretária de eleições do TRE.
Miriam Fuckner, assistente social na área de promoção e cidadania do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR/EMATER) destacou alguns programas que são desenvolvidos com as comunidades na questão de segurança alimentar e nutricional e na capacitação. “Atuamos desde 2007 com as comunidades quilombolas, conhecendo as suas principais demandas. Hoje estamos em 15 comunidades com 14 extensionistas. Lutamos para trazer mais profissionais para atuarem nas comunidades. Nem os que temos fazem trabalhos exclusivos com os quilombolas. O que dificulta um pouco o nosso trabalho. No ano de 2021 atendemos às 280 famílias com políticas como o Renda Agricultor, da SEJUF, de fomento às famílias. Alguns critérios do programa acabam excluindo quilombolas. Temos exemplos de comunidades que conseguiram se desenvolver a partir da distribuição de sementes e ainda conseguimos incluir as famílias no mercado. Essas famílias precisam produzir sim, mas também gerar renda comercializando os produtos”, afirmou. E completou: “Estamos iniciando consultas com as lideranças das comunidades para que possamos definir os pontos principais de aptidão para as famílias para desenvolvermos os projetos. Entendo que o turismo seria uma dessas atividades. Mas as demandas estruturais precisam ser resolvidas para contribuir com o nosso trabalho. A questão fundiária é uma delas, porque limita o acesso das comunidades aos programas governamentais disponíveis”.
Daniel Alves Pereira, defensor público do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Paraná, explicou que a instituição tem atuado para garantir o acesso das comunidades às vacinas. ”Claro que nós que estamos de fora, não conhecemos a situação real das famílias que vivem nas comunidades quilombolas, mas estou deixando os nossos contatos para que possam nos acionar. Estamos ao lado das famílias para fortalecer essa luta”.
Carolina dos Anjos, coordenadora do programa PRG/MAD de pós-graduação em Meio Ambiente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de um grupo de pesquisa que trabalha com educação quilombola, denunciou o silenciamento e a falta de comprometimento do Estado em relação à educação escolar quilombola e a precarização de políticas de regularização fundiária, dificultando à propriedade a terra, prevista na Constituição de 1988. “Academia e Estado precisam trazer as comunidades para junto de si, afinal elas são as verdadeiras guardiãs da natureza. Comunidades quilombolas e natureza são uma coisa só. Se temos um ar minimamente possível, nós devemos a elas”, enfatizou.
Assistente Social do IDR/Emater, Jussara Inês Dresch, contou que muitos gestores não entendem as reais necessidades das comunidades quilombolas. “Lá em Bocaiúva do Sul, onde existe o Quilombo Areia Branca, por exemplo, temos muita dificuldade de acesso e com energia elétrica. As estradas são ruins e precisamos investir nessas melhorias, afinal, o quilombo é muito próximo de Curitiba”. O mesmo ocorre no Quilombo Gramadinho, em Doutor Ulysses, conforme relatou Laura Rosa. “Além da precariedade das estradas, o transporte escolar está sucateado. Além disso, falta espaço. Pais e responsáveis ficam preocupados com a segurança dos nossos jovens estudantes”.
Cartilha
Foi lançada, durante a audiência pública, a cartilha “Paraná Quilombola: Nossa História, Cultura e Resistência”, que conta a história de resistência desses povos e dá visibilidade aos costumes, tradições e informações sobre projetos, leis aprovadas e as lutas que eles vêm enfrentando ao longo dos anos. “A cartilha é muito importante para nos dar visibilidade no estado e para mostrar que estamos vivos e resistimos”, comemorou Rozilda Oliveira Cardoso da Associação das Comunidades Negras Rurais de Castro, onde são quatro as comunidades certificadas. “Hoje é um dia da gente celebrar o lançamento dessa cartilha, construída em conjunto com as comunidades quilombolas. Nossa luta contra o racismo é diária. Por isso, precisamos de iniciativas como esta para nos fazermos representados”, concluiu o deputado Goura.
Fonte: Cláudia Ribeiro | Assessoria da Alep