Embora contratações de homens esteja crescendo, atividade ainda é exercida, predominantemente por mulheres negras no país
Neste ano, a Proposta de Emenda à Constituição nº 72/2013, mais conhecida como “PEC das Domésticas” completa uma década. Embora a legislação tenha contribuído para o reconhecimento de direitos à categoria como pagamento de horas extras, seguro desemprego, recolhimento de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – ou seja, garantias já estabelecidas para outras profissões – ainda há muitos passos pela frente a fim de que a classe obtenha melhores condições de trabalho no país.
É o que demonstra levantamento publicado pelo Departamento Interestadual de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas (DIEESE), com base na Pesquisa de Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-Contínua). Segundo dados compilados pelo Instituto, no final de 2022, o Brasil possuía aproximadamente 5,5 milhões de trabalhadores domésticos. A maioria são mulheres (5,4 milhões), correspondendo a 91% do segmento.
Também com base na investigação, é importante destacar que, apesar de ainda empregar, predominantemente, mulheres, nos últimos três anos, elas têm diminuído as taxas de ocupação no setor ao passo que as contratações de homens estão aumentando. Em 2019, haviam 5,7 milhões de mulheres empregadas na área (300 mil a mais). Já eles totalizavam 472 mil admissões naquele período e, atualmente, são 539 mil, ou seja, 67 mil novos trabalhadores foram incorporados.
Segundo Lei Complementar nº 150/2015, considera-se “empregado doméstico” como sendo aquele que: “presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana”. A categoria abrange funções como diaristas, caseiros, cuidadores de idosos e enfermos, jardineiros, motoristas.
Ainda mais vulnerabilizadas
Ainda, de acordo com o mapeamento, a informalidade é outro problema que tem perdurado no segmento. No final do ano passado, das 5,4 milhões mulheres ocupadas, a maior parte (4 milhões) não possuíam carteira de trabalho assinada, isto é, três em cada quatro estavam desprotegidas pela legislação trabalhista.
Na aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, trabalhadoras domésticas juntamente com trabalhadores rurais foram excluídos de modo que, somente 30 anos mais tarde, em 1972, a Lei nº 5.859 estendeu o direito à carteira assinada e demais benefícios resguardados pela Previdência Social.
Atualmente, domésticas só recebem até três parcelas de seguro-desemprego, no valor de um salário mínimo nacional (R$ R$ 1.302), enquanto as demais categorias têm direito a cinco parcelas, até o teto máximo do seguro-desemprego, que em 2023, está em R$ 2.230,97, conforme tabela.
Os baixos rendimentos também persistem. Majoritariamente, trabalhadoras domésticas ganham até um salário-mínimo no país (75%). Porém, o salário pode ser ainda menor face ao grau de instrução. Por exemplo, colaboradoras sem instrução ou com menos de um ano de estudo recebem R$ 819 por mês. Já entre aquelas que possuem ensino superior completo, o valor aumenta para R$ 1.257 (mas ainda inferior ao salário-mínimo). A diferença representa R$ 438 a menos no bolso das mulheres com menor escolaridade.
“A maior parte deste segmento vive na informalidade, sem vínculos trabalhistas reconhecidos. Um exemplo é o grupo das diaristas, que é ainda mais precarizado. É muito comum vermos este tipo de serviço ser ‘combinado’ sem chegar ao papel. Isto dificulta imensamente o acesso a direitos como férias, décimo terceiro, proteção em casos de acidentes de trabalho. A classe também sofre muita desvalorização e discriminação”, pontua a advogada Julia Almeida.
Para ela, o desprestigio enfrentado pela categoria é reflexo do perfil mais recorrente destes trabalhadores: 3,4 milhões são mulheres negras, representando 65%. A desigualdade salarial entre homens e mulheres também pode ser observada na área. Enquanto elas representam 22% dos trabalhadores domésticos que ganham até dois salários-mínimos no país, eles somam 31%.
Mais velhas e contribuindo menos com a Previdência Social
Levantamento exclusivo feito pela LCA Consultores a pedido da BBC News Brasil apresenta mais informações sobre o perfil de quem exerce o trabalho doméstico atualmente bem como permite observar mudanças no campo ao longo dos últimos dez anos.
Em 2013, pouco mais da metade dos trabalhadores domésticos brasileiros (53%) tinham 40 anos ou mais. Em 2022, o percentual chegou a 65%. Já a proporção de contribuintes caiu de 38,6% para 36,2% na última década. A quantidade de mulheres que sustentam suas famílias com a renda advinda do trabalho doméstico também cresceu: saltando de de 40% em 2013, para 53% em 2023.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.