Situação de escravidão da doméstica foi denunciada pelo MPT. Juíza reconheceu vínculo de emprego de 1989 a 2022
Decisão da Justiça do Trabalho em São Paulo condenou um casal em R$ 800 mil por manter durante mais de 30 anos uma trabalhadora doméstica em condição análoga à escravidão. A soma inclui salários atrasados, valores pelo período em que ela prestou serviços sem receber nada, e verbas rescisórias. Além disso, contempla indenização por dano moral individual e coletivo. A sentença é da juíza Maria Fernanda Zipinotti Duarte, da 30ª Vara do Trabalho, em primeira instância. Portanto, cabe recurso.
A magistrada reconheceu o vínculo de emprego entre a idosa e o casal de janeiro de 1989 a julho de 2022 na função de trabalhadora doméstica, com salário mensal de R$ 1.284 (o salário mínimo à época da rescisão). Também determinou o registro em carteira, independentemente da decisão final, sob pena de multa diária de R$ 50 mil reversível à trabalhadora.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou com a ação, a partir de denúncia feita pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da Mooca, a zona leste da cidade. De acordo com o processo, isso aconteceu após a idosa pedir ajuda a outra entidade assistencial vinculada à prefeitura de São Paulo.
“Esqueceu” do registro
Uma primeira tentativa de receber auxílio ocorreu em 2014 na mesma instituição, quando houve uma conversa com o casal. “Foi acordado que eles registrariam o vínculo de emprego da vítima e pagariam os créditos trabalhistas devidos, o que nunca foi cumprido”, informa o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2). Na ocasião, o dono da casa disse ter “esquecido” de fazer o registro. “É a certeza da impunidade que grassa, ainda, por diversos estratos sociais brasileiros”, anotou a juíza.
De acordo com depoimento da vítima, ela foi procurada no abrigo em que morava para trabalhar na residência do casal e cuidar do filho pequeno. “Mas nunca chegou a receber pagamento pelo trabalho, nem usufruiu de férias ou períodos de descanso. Entre suas obrigações estavam limpar a casa e servir as refeições para toda a família dentro de uma jornada que se iniciava às 6h e terminava além das 23h.”
“Ambiente acolhedor”
Já o casal, também segundo o TRT, alegou manter laços familiares com a mulher, proporcionando “ambiente familiar e acolhedor” durante anos. “Sustentaram que a vítima dispunha de total liberdade de ir e vir, mas que por opção própria saía pouco de casa. Disseram que retiraram a doméstica de situação de rua, resgatando-lhe a dignidade e lhe garantindo afeto.” Assim, eles consideram a ação “um exagero”. E negaram o trabalho em condição análoga à escravidão da doméstica.
“O labor em condição análoga à escravidão assume uma de suas faces mais cruéis quando se trata de trabalho doméstico”, afirmou a magistrada na decisão. “Por óbvio, a trabalhadora desprovida de salário por mais de 30 anos não possui plena liberdade de ir e vir. Não possui condições de romper a relação abusiva de exploração de seu trabalho, pois desprovida de condições mínimas de subsistência longe da residência dos empregadores, sem meios para determinar os rumos de sua própria vida.”
Fonte: CUT Brasil