Apesar da imensa mobilização, a Prova funciona como mais uma estratégia para impor a gestão empresarial à escola pública
Estudantes de todo o Paraná farão, nesta quarta (26) e quinta-feira (27), a 1ª Edição da Prova Paraná 2023. São mais de 350 mil alunos(as) e milhares de professores envolvidos numa operação gigantesca que pouco contribui para aprimorar o aprendizado, funcionando como mais uma estratégia para impor a gestão empresarial à escola pública.
É o que conclui a professora Sônia Bratifich Savaris, em sua dissertação de mestrado “Os Impactos da Prova Paraná em Escolas das Redes Municipal e Estadual de Educação Básica”, apresentada na Unioeste.
Dos(as) professores(as) que responderam à pesquisa, metade considera que a Prova Paraná auxilia pouco em suas ações pedagógicas – para 25%, a avaliação não ajuda nem atrapalha. Apenas outros(as) 25% consideram que a contribuição é significativa.
As ações pedagógicas são secundárias nos documentos da Secretaria de Estado de Educação (Seed) sobre a Prova Paraná, constata Sônia. “Em nenhum momento os 133 documentos analisados abordam como utilizar os resultados das avaliações para a melhoria da aprendizagem dos alunos”, registra na tese.
“A análise documental desse estudo traz um dado preocupante. A Secretaria de Estado da Educação não sinaliza, nos documentos analisados, como utilizar os resultados da Prova Paraná para a melhoria da aprendizagem”, reforça a pesquisadora.
Adestramento
Outra crítica à Prova Paraná é que seria apenas um treinamento com o objetivo de melhorar a posição do Paraná no ranking do Enem. Para atingir esse objetivo, em vez de educar, estaríamos treinando uma geração que rejeita a aprendizagem, substituindo-a pela preparação para testes.
A realização da Prova Paraná também influencia o que é ensinado nas escolas, aponta a pesquisa. “Ela provoca uma interferência muito grande, porque o professor passa a ensinar o que vai cair no teste. Quando isso acontece corre-se o risco de deixar de lado conteúdos essenciais para os(as) alunos(as)”, afirma a educadora.
Sônia, que é professora da Educação Básica da rede estadual há 25 anos, constatou que o tempo gasto para avaliar determinado conhecimento atrapalha o trabalho da escola com os(as) alunos(as), pois a aplicação e correção da Prova Paraná, em três edições ao ano, se apropria do tempo previsto nos Planos de Trabalho Docente e na organização da equipe pedagógica e diretores(as).
“A análise documental evidencia a ênfase gerencial da prova, que impacta no cotidiano de professores, diretores(as) e pedagogos com um aumento significativo de atividades, desde a organização para aplicar e corrigir, às exigências de trabalho com descritores, simulados, enfim, preparar os alunos para a Prova”, diz a pesquisa.
Distorção
Além de adestrar em vez de educar, a Prova Paraná impõe conceitos como metas de desempenho e incentivo à competição, em detrimento dos objetivos pedagógicos. É um processo que caminha em sintonia com a plataformização do ensino-aprendizagem no Paraná e relega a autonomia docente a um espaço cada vez menor.
Hoje são atribuídos três pontos para a Prova Paraná e para o Desafio Paraná, que envolve a plataforma de perguntas e respostas Quizziz. O que sobra fica a critério do(a) educador(a).
Esse tipo de diagnóstico utiliza avaliações padronizadas em larga escala para ajustar a educação à lógica da produtividade e da competitividade. Uma avaliação padronizada é incapaz de promover a equidade de oportunidades educacionais, pois despreza as especificidades dos(as) estudantes.
O modelo empresarial distorce o conceito de qualidade educacional. “Nessa perspectiva, a educação satisfatória é a que atende às exigências do mercado. O modelo de qualidade neoliberal intensifica-se na atualidade com o aumento do uso das provas padronizadas”, diz o texto da pesquisa.
“Com a lógica empresarial nas escolas, você acaba trabalhando de uma forma em que o conhecimento fica para segundo plano e isso pode trazer sérios prejuízos para os alunos”, diz Sônia.
Qualidade
O conceito de qualidade da educação na concepção neoliberal se utiliza das avaliações em larga escala para a produção de índices educacionais. “Objetiva-se formar um indivíduo competitivo, uma pessoa que adquira conhecimentos e habilidades que possuem valor econômico”, constata a pesquisa.
Nesse modelo educacional, os(as) profissionais da educação são induzidos a trabalhar por uma concepção de qualidade que sujeita a escola à razão econômica, tendo como referência do ideal pedagógico o(a) trabalhador(a) autônomo(as), ignorando a multidimensionalidade da educação, a escola e os processos educativos.
“Avaliações padronizadas não promovem a igualdade de oportunidade, pois não levam em conta as diferenças de um município para outro, de uma escola para outra, de um aluno para outro. Você acaba tratando os alunos como iguais e nós sabemos que cada aluno é único, com seu tempo de aprendizado próprio”, afirma Sônia.
A pesquisadora ressalta que não contra avaliações, mas é preciso debater o modelo adotado. “É preciso debater, porque o entendimento do que é qualidade na educação é diferente. Para a ideologia liberal, ela tem uma definição. Para os estudiosos da educação, qualidade da educação é outra coisa” diz Sônia.
“Há que se questionar esse modelo de avaliação que nosso estado utiliza. Aonde se quer chegar com isso? O que o estado do Paraná entende por qualidade da educação? Esse debate não existe e isso não é bom para a educação nem para o aluno”, afirma.
Mercado
Adotando a perspectiva neoliberal de qualidade, as escolas passam a adotar um ensino por competências e não mais centrado nas disciplinas do conhecimento. “Na tentativa de aplicar nas escolas o conceito de qualidade total do âmbito empresarial, as empresas se convertem em agências educativas”.
A retórica neoliberal de administrar mais “eficazmente” a escola, inclui “reduzir a cultura ensinada na escola às competências indispensáveis para a empregabilidade dos assalariados, promover a lógica de mercado na escola”, aponta a pesquisadora, citando Laval (2019).
As consequências desse modelo para a sociedade são desastrosas, pois as novas gerações não terão contato com “o desenvolvimento da alta cultura pelo cultivo das ciências básicas, das letras e das artes”, ressalta a autora, citando Saviani (2011).
A verdadeira qualidade da educação tem caráter social, político e histórico, pois contribui para a formação de homens e mulheres capazes de se construírem como sujeitos históricos, com condições de participar, de forma crítica e criativa, na construção e reconstrução da sociedade, da escola e da própria educação, observa a pesquisadora.
As avaliações de larga escala acabam levando à responsabilização da escola e de seus profissionais pelo baixo desempenho dos alunos. O monitoramento, a produção de rankings e a redução curricular levam à crença equivocada de que a avaliação por si é indutora de qualidade.
Banco Mundial
A pesquisadora identifica sinais da participação do Banco Mundial na imposição dessa nova agenda empresarial na educação. O Banco atuaria como “o ministério mundial da educação”.
Esse novo modelo é imposto por uma articulação de forças políticas na esfera global com forças políticas locais. Nesse contexto, os(as) educadores estão distantes da apropriação e do uso dos resultados das avaliações para melhorar a aprendizagem dos alunos.
Fonte: APP-Sindicato