Banco de leite do HU armazena mensalmente mais de 300 litros; doando 200ml, uma mãe já consegue mudar a vida de outros bebês
Diferente do que propaga a “lata do leite dourado”, como classifica a coordenadora de Banco de Leite do Hospital Universitário, Letícia Colinete, o leite materno é a melhor e mais saudável opção ao desenvolvimento do bebê. Todos os nutrientes necessários ao seu crescimento estão ali. O banco de leite, portanto, acaba se transformando em uma rede de mães que se sensibilizam com a questão e, por meio da doação, tornam possível a maternidade de outras.
Segundo Letícia: “Muitas delas precisaram de doações nos primeiros dias do filho. Quando estão na maternidade, recebem alguma quantidade de complemento, e vêem a importância daquilo para o bebê. E quando elas conseguem estabelecer o aleitamento materno, elas querem retribuir. E a forma de retribuir é doando leite”.
Hoje, dia 19 de maio, é comemorado o Dia Internacional da Doação de Leite. Em Londrina, o banco de leite do Hospital Universitário, para além das doações, realiza a pasteurização e o armazenamento do líquido. Por mês, são aproximadamente 314 litros coletados, os quais abastecem a região e ajudam cerca de 500 crianças. A meta semanal é de 60 litros, para 143 receptores no hospital.
Para a coleta, o Hospital Universitário se mobiliza, indo até a casa das mães e levando todas as informações e materiais necessários. Mesmo que o fluxo de leite não seja grande, poucos mililitros por dia já ajudam, afinal, o pote da coleta totaliza 200ml. A doação, nesse sentido, não é feita a partir de quantidades expressivas de leite, ao contrário do que se imagina quando o assunto é a doação.
O leite humano, nomeado como “leite cru”, por sua vez, pode ser conservado por até 15 dias no congelador. Para que os profissionais da saúde façam a coleta, basta entrar em contato com o HU de Londrina, via ligação, pelo número 3371-2390.
Outros serviços, como o amparo ao manejo da amamentação, também podem ser agendados por este número. Neste caso, é necessário o comparecimento da mãe ao Hospital Universitário, pelo caráter personalizado que cada atendimento tem, de acordo com cada dificuldade. Todos os serviços são gratuitos.
Saber amamentar é um fator biológico?
Um dos problemas evidentes nos corredores das UTIs neonatais é a desinformação. Em nossa sociedade, a crença de que a mulher é biologicamente preparada para ser mãe, a desvia de acompanhamentos médicos cruciais para a saúde dela e do bebê: “Quando a gente descobre a gestação, a gente pensa em foto, quarto, enxoval… A gente pensa um pouco no parto também, né? Mas falamos pouco sobre o puerpério, sobre a amamentação… E a gente pode mudar esse cenário com informação”, afirma Mayara Cazarim, enfermeira e consultora.
Este problema estrutural dificulta o entendimento sobre a importância da doação de leite materno. Aliado à rotatividade das doadoras, as campanhas de doação transformam-se em verdadeiras sagas. De acordo com Letícia Colinete, assim como nas campanhas de doação de sangue, a doação de leite tem suas especificidades. Segundo ela, são aptas para doar mães que estiverem “amamentando o próprio filho, que tenham os exames de pré-natal normais e percebam que têm um excedente de leite”.
Mayara Cazarim, que trabalha com o empoderamento de mães no quesito “amamentação”, relata que deu início à sua consultoria pela brevidade com a qual o assunto foi tratado em sua graduação, em 2012, além das coisas que presenciou nas UCIs e UTIs neonatais como, por exemplo, o despreparo dos pais, que chegavam muito ansiosos. Os tópicos de saúde da mulher são tratados com muita rapidez e os estigmas tomam o lugar da informação.
A mãe, nesse sentido, é condicionada a muitos fatores estressantes: os hormônios atuando no corpo, a ansiedade, o medo, a insegurança. Tudo isso interfere na sua conexão com o bebê e, desta maneira, a doação de leite, tão importante, acaba sendo o último dos planos.
Assistências de saúde como o pré-natal e o acompanhamento pós-parto são essenciais para que as mães tenham entendimento sobre o que está acontecendo em seu corpo e o que vai acontecer, como a “apojadura”, nome dado à descida do leite. O acompanhamento é importante para que elas saibam como manejar esta fase.
A conexão do bebê com o peito tem muito a ver com a música “Comida”, dos Titãs – brinca Mayara Cazarim. Assim como na canção, “a gente quer comida, diversão e arte”, o bebê interpreta o peito como uma fonte para o seu entretenimento, prazer e nutrição.
Quando as mães se encontram na possibilidade de doar leite, além de viabilizar existências, elas estão beneficiando a própria saúde, evitando problemas como a mastite, uma inflamação dos tecidos da mama; dor e regurgitamento mamário. “Elas têm que tirar [o leite] para alívio próprio. Então esse leite que ela descartaria, vai salvar a vida de crianças que estão internadas. É benefício para quem recebe e para quem doa também”, destaca Letícia Colinete.
O leite materno previne alergias, infecções e doenças na vida adulta. “Não é possível comparar o leite com qualquer outra coisa”, destaca Mayara acerca do caráter único e vital do leite materno. “A informação é o começo de tudo para as mulheres entenderem que são capazes, o quanto isso é importante – amamentar o próprio filho, e sobre a doação de leite também. Tem mulheres que nem sabem que podem doar”, completa. A doação de leite materno, portanto, enfrenta questões muito mais complexas que dizem respeito à amamentação e ao amparo das mães em sua jornada de saúde.
Texto: Leiliani Peschiera | Portal V