Tema foi debatido durante audiência pública na Alerj sobre a discriminação racial na execução das políticas de drogas
Apesar de o Rio de Janeiro ser o primeiro estado do país a aprovar uma legislação específica para incentivo ao uso da cannabis medicinal (Lei 8.872/20), o acesso a esse tipo de tratamento ainda é um desafio para pessoas negras e em vulnerabilidade social.
Esse foi um dos temas debatidos na última semana pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) durante audiência pública sobre a discriminação racial na execução das políticas de drogas. O debate foi realizado pela Comissão de Combate às Discriminações e a Comissão Especial para o Cumprimento das Leis da Alerj (Cumpra-se).
“Temos pessoas que infartam, com dores crônicas e ansiedade que poderiam estar sendo tratadas com a cannabis medicinal. Mas as pessoas da favela, que são as que mais sofrem com a guerra às drogas, não têm esse acesso. Nem todo mundo tem dinheiro para se incorporar a uma associação ou para importar o óleo”, comentou Luiza Souto, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
Para melhorar o acesso a este tratamento, já autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o presidente do Cumpra-se, deputado Carlos Minc (PSB), defendeu a integração da cannabis medicinal no Sistema Único de Saúde (SUS) no estado, como ele propõe no Projeto de Lei 3.019/20.
“Essa é uma proposta protocolada em 2020 referente ao sistema estadual, que é o que cabe a nós legislar. E ela é importante porque muitas pessoas ainda não têm acesso por ser um tratamento caro”, explicou Minc.
A cannabis medicinal é usada no tratamento de diversas doenças, desde transtornos como a ansiedade até o controle de convulsões epilépticas. A inclusão no SUS já tem o apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que publicou em abril uma nota a respeito do tema.
“A gente já tem dados que possibilita falar que existe sim uso terapêutico da cannabis e de outras dezenas de condições que ainda estão sendo estudadas”, explicou Francisco Netto, doutorando em Saúde Pública pela instituição.
Lei de drogas
O debate também focou na seletividade racial da aplicação da Lei de Drogas no estado do Rio de Janeiro. De acordo com dados da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, sete em cada 10 pessoas que passam por audiência de custódia, entre 2017 e 2019, presas em flagrante com drogas são negras. A maior parte desses casos acaba enquadrada como tráfico.
“Nas periferias do interior do Estado do Rio e da região metropolitana, nós podemos observar que a política de criminalização das drogas é também uma política de criminalização da pobreza. Nós observamos a omissão do Estado brasileiro em toda a sua política de Assistência Social, de Educação e de Saúde”, declarou o deputado Professor Josemar (PSol), que preside a Comissão de Combate às Discriminações da Alerj.
A advogada da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Carmem Lúcia Lourenço, reforçou que a aplicação da Lei de Combate às Drogas para diferenciar o usuário de drogas de um traficante varia de acordo com a localidade da apreensão e a cor de quem está sendo acusado. O advogado André Barros ainda lembrou que, apesar da previsão do Artigo 38 da Lei de Combate às Drogas, para ele o combate ao financiamento do tráfico ainda é ineficaz.
O coronel da Polícia Militar (PM) Max William de Oliveira explicou que a corporação aplica, nos cursos de formação, noções de distinção entre traficantes e usuários e defendeu a revisão da legislação, no âmbito federal, com métricas mais precisas que ajudem nessa distinção e evite subjetividade. “A política tem que ser clara e objetiva para eximir questionamentos”, declarou.
Como é o acesso hoje?
Hoje, o acesso à cannabis medicinal é feito principalmente através da importação de medicamentos ou da produção de associações como a Associação Brasileira de Acesso à Cannabis Medicinal do Rio de Janeiro (Abrario), que possui autorização judicial para plantar e distribuir, além de estudar seus efeitos. A diretora da instituição, Marlene Esperança, explicou que um frasco de óleo produzido a partir dos princípios ativos da planta pode chegar a custar R$ 200.
“Cerca de 30% dos nossos filiados são associados sociais, pessoas que não têm condições de pagar e nós abraçamos, só que a gente não consegue fazer mais do que isso. É aí que entraria o trabalho do SUS. Esse é um projeto que tem que ser muito bem elaborado e em parceria com as associações”, defendeu Esperança.
Fonte: Brasil de Fato