Empresa de turismo alega que não tem financiamento permanente desde 2019, quando deixou de ser autarquia federal
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), retirou de pauta a proposta que prevê a destinação de 5% dos valores arrecadados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) para a promoção internacional do turismo no Brasil.
A despeito de ter sido aprovada na Câmara dos Deputados em 25 de abril, a expectativa é que os senadores barrem a transferência. Segundo Pacheco, existe uma “tendência” em suprimir o trecho da proposta que prevê a destinação dos valores. Ainda assim, há um “compromisso de dar soluções” à promoção internacional do turismo no Brasil.
A proposta foi anexada à Medida Provisória (MP) n° 1147/2022 por meio dos artigos 11 e 12 do Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 9/2023, que estabelecem à Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) o valor equivalente a 5% dos valores arrecadados pelo Sesc e pelo Senac.
A inserção à MP, que traz novidades para o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), foi realizada após uma articulação feita pelo presidente da Embratur, Marcelo Freixo, com o líder do governo na Câmara dos Deputados, o congressista José Guimarães (PT-CE), relator da medida.
O que defende a Embratur?
Desde 2019, quando deixou de ser autarquia federal e foi reclassificada como serviço social autônomo, a Embratur foi retirada do orçamento da União e busca outras fontes de financiamento permanente. Em nota, a empresa destacou que “a escolha pelo Sesc e Senac é o mais justo: o recurso vem do setor que se beneficia com a atuação da Embratur”.
De acordo com o estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que embasou a proposta, a cada R$ 1 investido na promoção internacional do turismo, R$ 20 entram na economia por meio do consumo feito pelos turistas.
“Ao todo, são 359 atividades de serviço e comércio que lucram com o turismo. Quando mais estrangeiros visitam nosso país, aumenta a demanda desses setores, que faturam mais e contratam mais trabalhadores. Cresce também a contribuição social sobre a folha, que é a principal fonte de receita do Sesc/Senac. O valor investido volta, mas, no caminho, gera mais empregos para milhões de brasileiros”, defendeu a empresa em nota.
O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, afirmou recentemente que o valor que pode vir a ser destinado “não é nada” para “promover o Brasil inteiro”, em entrevista ao jornal Correio Braziliense.
Se a medida for aprovada, cerca de R$ 445 milhões devem ser destinados à Embratur todo ano. O valor corresponde a 5% do orçamento do Sesc e do Senac de 2021: aproximadamente R$ 8,9 bilhões, segundo dados da Receita Federal, sendo R$ 5,7 bilhões do Sesc e R$ 3,2 bilhões do Senac.
A Embratur também defende que o patrimônio líquido do Sesc e do Senac é “robusto e vem crescendo, indicando que aumentam os recursos de um ano para outro, o que enriquece o patrimônio”. O patrimônio líquido é a diferença entre os ativos e os passivos de uma empresa, ou seja, entre todos os bens e direitos, como patrimônios, receitas a receber e patentes, e todas as obrigações, como aluguéis, duplicatas a pagar, salários dos colaboradores e impostos.
O patrimônio líquido do Sesc em 2020 era de aproximadamente R$ 19 bilhões. Em 2022, esse valor passou para R$ 29,7 bilhões, segundo dados do próprio Sesc. Quanto ao Senac, em 2020, o patrimônio líquido era de R$ 9,3 bilhões e passou para R$ 11,8 bilhões em 2022.
Outro ponto levantado pela Embratur é o incremento de caixa positivo do Sesc e do Senac, que indica “que entram mais recursos do que saem de um ano para outro”, conforme relatório da empresa. O resultado da diferença entre o que entra e o que sai do caixa desses serviços soma cerca de R$ 2,8 bilhões, sendo R$ 1.615.825.020,26 do Sesc e R$ 1.183.147.671,68 do Senac. De acordo com a Embratur, não haveria prejuízos para os órgãos do Sistema S caso a transferência fosse aprovada, uma vez que em média “sobram R$ 2 bilhões sem uso no orçamento do Sesc e Senac a cada ano”.
Esse valor de R$ 2,8 bilhões poderia ser lido como superávit. No entanto, Alain Mac Gregor, diretor jurídico e sindical da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que representa Sesc e Senac, afirma que não há superávit nos balanços financeiros de ambos os serviços.
“O Freixo saiu falando que a gente tem superávit. Ele pegou o corte de um ano e falou que tem superávit. Mas isso não corresponde à realidade. Não tem superávit, não tem. Todo ano é esse mesmo dinheiro que fica lá de reserva técnica para o lastreio de obras que já estão sendo realizadas”, disse em entrevista ao Brasil de Fato.
“Quando o departamento nacional autoriza um gasto, ele automaticamente separa o dinheiro ali nessa conta que o Freixo falou que é superávit para ir utilizando na medida em que você vai realizando sua obra. Então a gente hoje tem mais de 150 obras em andamento, que estão lastreadas por esse dinheiro que ele falou que é superávit. É uma questão de gestão. Se ele tivesse sido gestor, ele entenderia como isso funciona. É dinheiro carimbado para obras que estão em andamento”, conclui.
O valor que entra no caixa do Sesc e do Senac é superior ao orçamento de alguns ministérios previsto para 2023, como o do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Ministério da Agricultura e Pecuária e Ministério da Cultura. O caixa do Sesc em 2022 foi de R$ 9,7 bilhões e do Senac, de R$ 5,5 bilhões, somando pouco mais de R$ 15 bilhões.
O que alegam Sesc e Senac?
Segundo a CNC, a perda de 5% sobre o orçamento pode representar para o Sesc uma redução de R$ 121 milhões em atendimentos gratuitos, 2,6 milhões de quilos de alimentos distribuídos, 2,6 mil exames clínicos, 7,7 mil matrículas em educação básica, 37 mil atendimentos em atividades físicas e recreativas, 2 mil apresentações culturais com público de 14 milhões, o fechamento de 36 unidades, corte de 1.994 postos de trabalho e encerramento de atividades em 101 municípios.
Já o Senac prevê uma perda de 7 milhões de horas-aula gratuitas, 31.115 matrículas gratuitas, 29 centros de formação profissional, 23 laboratórios em turismo, corte de 1.623 postos de trabalho e encerramento de atividades em 95 municípios.
Esses dados, segundo a CNC, são fruto de uma consulta feita em todos os estados sobre o impacto de 5% a menos no orçamento de cada unidade do Sesc e do Senac. Mac Gregor explica que o sistema como um todo é custeado pelos estados que mais recebem contribuições, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais – onde há concentração de médias e grandes empresas, que têm a obrigação de fazer a contribuição ao Sistema S. As empresas de pequeno porte, registradas por meio do Simples Nacional, não são obrigadas a realizar a contribuição, de acordo com a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar 123/06).
Por isso, Alain explica que, “na verdade, a gente tem cinco estados que têm uma arrecadação estruturada e que ajudam os outros 21 estados e o Distrito Federal com repasses. Por exemplo, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais dão uma cota de participação para que o Acre tenha o mesmo atendimento que os outros estados. Então quem arrecada mais auxilia que arrecada menos.”
Apoio de sindicais e confederações
Os serviços, representados por meio da Confederação Nacional do Comercio de bens, Serviços e Turismo (CNC), contam com o apoio de um grupo de confederações patronais formado por Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional do Transporte (CNT) e da Confederação Nacional das Cooperativas (CNCoop).
Em carta enviada aos senadores, as confederações afirmam que a retirada de 5% do orçamento do Sesc e do Senac “padece” de inconstitucionalidade por tratar de um assunto que não faz parte do “objeto central” da Medida Provisória 1147. Também afirmam que a medida é inconstitucional por redirecionar parte das contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários que financiam o Sistema S como um todo.
Com base no artigo 240 da Constituição Federal, as confederações defendem que a legislação “garante a manutenção dos serviços sociais autônomos atingidos pela proposta, quer no tocante às suas finalidades, quer no que concerne aos recursos compulsórios, os quais lhes permitem a realização de suas atribuições, recepcionando, pois, toda a legislação de regência que lhes é própria”.
Às confederações, somaram-se as centrais sindicais e confederações nacionais de trabalhadores, que também divulgaram uma carta aberta contra a transferência de recursos. O documento é assinado por Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT e Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio.
“Esse indevido e injusto redirecionamento prejudicará milhões de atendimentos oferecidos à população nas áreas de saúde, educação, assistência, cultura, lazer e profissionalização”, afirmam no documento também enviado ao Senado Federal.
Congressistas contrários e favoráveis
Durante a votação da transferência na Câmara dos Deputados, três congressistas que foram a favoráveis à medida deram destaque para o assunto. O deputado Rogério Correia (PT-MG) afirmou que é necessário incentivar o setor de turismo, principalmente após a pandemia de covid-19.
“O governo do presidente Lula preocupa-se com essa questão e com o fortalecimento da Embratur. (…) Isso vai servir para o setor de turismo no Brasil, isso é fundamental para que a indústria do turismo possa evoluir”, afirmou Correia.
O parlamentar defendeu que o “turismo gera muito emprego, que é fundamental neste momento em que o Brasil necessita de geração de renda – o turismo é especial para isso – e de geração de emprego. Então, é renda e emprego, exatamente aquilo que estamos buscando para o Brasil. Então, vamos fortalecer o turismo, que é também uma forma de darmos consequência a essa política de geração de emprego e renda. Realmente, 5% desse superávit de quase 9 bilhões de reais é praticamente nada.”
Na mesma linha, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) argumentou que a proposta é “muito razoável”. “Nós estamos falando de 5% do orçamento do Sesc e do Senac. O orçamento dos dois juntos é de 8 bilhões e 900 milhões de reais. Nós estamos falando, de 447 milhões de reais”.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) disse, nesse sentido, que “transferir 5% de setores superavitários, como Sesc e Senac, não é nada demais e não vai prejudicar as atividades sociais, culturais e meritórias que, especialmente, o Sesc desenvolve. Uma Embratur transparente e eficaz, como será certamente sob a direção do Marcelo Freixo, vai ficar vitalizada e é muito importante isso para o país e para quem trabalha no setor.”
Mesmo sem ter ido ainda para votação no plenário do Senado, o texto já foi alvo de contestações. O senador Jader Barbalho (MDB-PA), que inclusive faz parte da base do governo, solicitou a supressão dos artigos 11 e 12 que tratam da transferência dos valores.
“Após a tramitação na Câmara dos Deputados, foi aprovado o Projeto de Lei de Conversão nº 9/2023, com vários ‘jabutis’ incluídos, que destoam dos objetivos supracitados. Entre eles estão a inclusão dos artigos 11 e 12. (…) É inquestionável a credibilidade do Sesc e do Senac, bem como o reconhecimento, pela população brasileira, há mais de 70 anos, da importância social que têm”, justificou Barbalho.
Na mesma linha, o senador Laércio Oliveira (PP-SE) também solicitou a supressão dos artigos e afirmou que “após a tramitação na Câmara dos Deputados, foram incluídos no bojo da propositura, uma série de temas alheios, que destoam do objetivo supracitado.”
Outros senadores também tentam desvincular os artigos 11 e 12 do PLV da votação da Medida Provisória, como Damares Alves (Republicanos-DF), Rogerio Marinho (PL/RN), Izalci Lucas (PSDB-DF), Magno Malta (PL-ES), Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e Tereza Cristina (PP-MS), Mara Gabrilli (PSD/SP), Eduardo Girão (Novo-CE) e Marcos do Val (Podemos-ES), que já apresentaram requerimentos nesse sentido.
Na Câmara, a inserção recebeu o apoio de deputados de partidos mais ligados ao governo e ao presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). Durante a votação, Felipe Carreras (PSB-PE), líder do grupo de parlamentares ligado a Lira, afirmou que “o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, conseguiu resgatar o que o Congresso Nacional não cumpriu, colocando 5% do Senac e do Sesc para fazer promoção turística.”
“Nós devemos votar a favor da nova Embratur, para a Embratur poder cumprir o seu papel no que diz respeito à promoção turística internacional rapidamente.” Votaram majoritariamente contra PL, Republicanos, União Brasil e PP.
Como é o financiamento Sistema S?
No total, são nove os serviços que fazem parte do Sistema S: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Social do Transporte (Sest), Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Todos esses serviços são financiados com recursos das empresas integrantes desses setores. As empresas pagam uma contribuição fiscal ao governo federal e uma parte dessa contribuição é repassada para as entidades patronais – a CNC, no caso do Sesc e do Senac, e o CNI, no caso do Serviço Social da Indústria (Sesi) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Essas organizações, por sua vez, repassam os recursos para os serviços do Sistema S.
As contribuições variam de 0,2%, no caso do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), a 2,5%, no caso da Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop). O Sesc recebe 1,5% e o Senac, 1,0%. Diferente do que muitos pensam, essas contribuições não saem do bolso dos trabalhadores, mas dos empregadores.
“As receitas são advindas de contribuições obrigatórias das empresas – a partir de alíquotas recolhidas na folha de pagamento. A contribuição é paga exclusivamente pelos empresários. Os trabalhadores não pagam nada. Essa contribuição, que está na lei, para o caso do Sesc é equivalente a 1,5% da folha de pagamento das grandes e médias empresas do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e para o Senac o equivalente a 1% da folha”, elucida Alain Mac Gregor.
Fonte: Brasil de Fato