Na última década, o número de domicílios chefiados por mães solo aumentou 17%, passando de 9,6 milhões para 11,3 milhões
De acordo com levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mães solo (mulher que assume de forma exclusiva todas as responsabilidades pelo filho, sejam elas financeiras ou afetivas) encontram mais dificuldades para entrarem no mercado de trabalho e, quando conseguem uma vaga, a remuneração é inferior. Segundo a pesquisa, no final de 2022, o salário médio de mães solo no país foi de R$ 2.105. A quantia é 39% menor ao rendimento de homens casados e com filhos (R$ 3.438).
O estudo identificou que a desigualdade aumentou após a pandemia do novo coronavírus. Em 2019, a diferença era de 33%, enquanto elas ganhavam R$ 2.325; eles recebiam R$ 3.493. A defasagem atinge quase um salário-mínimo: R$ 1.168. O pagamento ofertado a mães solos também é 20% menor ao de mulheres casadas com filhos. Estas últimas recebem, em média, R$ 2.626, ou seja, R$ 521 a mais por mês.
A investigação contemplou mães solo entre 15 e 60 anos. Os dados partem da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na última década, o número de domicílios chefiados por mães solo aumentou 17%, passando de 9,6 milhões em 2012, para 11,3 milhões em 2022.
O crescimento foi puxado por mães solo negras, que saltaram de 5,4 milhões para 6,9 milhões no período. A maioria das mães solo vive em lares monoparentais, isto é, formados apenas por elas e seus filhos (72%).
Diferença é ainda maior entre mulheres negras
Em 2022, a renda média de mães solo negras foi estimada em R$ 1.685. O montante é 39% inferior ao ganho de mulheres brancas ou amarelas que são únicas responsáveis pela criação dos filhos. O relatório destaca a diferença do grau de escolaridade entre os grupos. Enquanto aproximadamente 21% das mães solo brancas possuem ensino superior, entre mães solo negras, a porcentagem recua para 9%.
“Tenha filhos, mas trabalhe como se você não tivesse“
No último ano, cerca de 29% das mães solo estavam fora do mercado de trabalho no país. Entre aquelas que possuíam filhos menores de cinco anos, o contingente era maior: 32%. Mães solos negras desempregadas e que desistiram de procurar um posto totalizaram 31%.
Melina Caldani, atuou como educadora parental em Londrina. Ela ressalta que grande parte das queixas trazidas pelas mães referiam-se aos ambientes corporativos, já que, embora haja pressão social para que as mulheres exerçam a maternidade, após o nascimento, elas são condicionadas ao ambiente doméstico e, portanto, exiladas dos espaços públicos.
“Tenha filhos, mas trabalhe como se você não tivesse, é dito para as mulheres. Só no primeiro ano do bebê, por exemplo, uma mãe acaba se ausentando do trabalho, depois que ela volta da licença-maternidade, no mínimo uma vez por mês, se o bebê dela for saudável porque as consultas de puericultura [visitas periódicas para acompanhar o desenvolvimento da criança] no primeiro ano são mensais”, pontua.
A profissional evidencia a sobrecarga enfrentada pelas mães, que mesmo quando moram com companheiros, são mais responsabilizadas pelo cuidado dos filhos. “A criança entra na escolinha, é previsto que ela tenha 12 episódios de virose no primeiro ano, normalmente, quem acaba fazendo este corre para pediatra é a mulher, a mãe, por ser a principal cuidadora, isso sem falar nas horas dedicadas a amamentação que seria o equivalente a aproximadamente 40 horas semanais. É muito exigido dela e a cobrança no trabalho também vem em forma de produtividade como se ela não estivesse amamentando, pelas faltas que ela acaba tendo e muitas mulheres se não são demitidas ou acabam tendo que escolher entre a família ou a carreira”, ressalta.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.