Estudo revela impactos do racismo no envelhecimento
O Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) acaba de publicar pesquisa intitulada “Envelhecimento e Desigualdades Raciais” (disponível aqui). O estudo identificou que o racismo também impacta no processo de envelhecimento da população. A investigação entrevistou 500 pessoas com mais de 50 anos em três capitais de diferentes regiões do país: São Paulo, Salvador e Porto Alegre.
As cidades foram escolhidas por apresentarem um alto índice de envelhecimento populacional, em que o grupo dos idosos cresce mais do que o de jovens. O mapeamento apresenta o índice de envelhecimento ativo — formado por condicionantes que influenciam na qualidade de vida, como saúde física e mental, mobilidade, exposição à violência, inclusão digital, sociabilidade e segurança econômica.
O índice é o resultado de uma série de perguntas relacionadas a esses aspectos, e vai de 0 a 100. Quanto mais elevado, melhor a situação do grupo. Na maior parte das variáveis, pessoas brancas têm índices superiores aos da população negra. Além disso, na maioria das faixas etárias, a situação dos homens tende a ser melhor do que a das mulheres.
Acesso a serviços privados de saúde
No Sudeste, considerando a faixa etária de 60 a 69 anos, a diferença na acessibilidade a serviços particulares de saúde chama a atenção e escancara o racismo. Enquanto quase metade dos homens brancos (46%) possuem recursos para pagar por algum tratamento, apenas 1% dos homens negros declararam ter esta condição.
Entre as mulheres também há discrepância. Mulheres brancas com acesso a serviços privados de saúde representam 30%. Já entre mulheres negras, a taxa cai para 27%.
Para a fisioterapeuta especialista em gerontologia, Valesca Cassela, os resultados da pesquisa demonstram que o envelhecimento é um processo diverso e atravessado por recortes como gênero, classe social, pertencimento étnico-racial de modo que as políticas públicas devem considerar como as múltiplas desigualdades sociais incidem nesta fase da vida.
“Falarmos da condição de um idoso morador de uma grande cidade, de classe média e com suporte da família é muito diferente da realidade de um idoso que sobrevive no interior e com um salário-mínimo para arcar com todas as despesas regulares e mais remédios e tratamentos, por exemplo. Esse olhar mais amplo tem que guiar a formulação de programas que priorizem estes idosos em situação de maior vulnerabilidade”, afirma.
Para ela, o estudo também reafirma a importância do SUS (Sistema Único de Saúde). Estima do Ministério da Saúde demonstra que 80% dos brasileiros dependem, exclusivamente, dos serviços públicos para qualquer atendimento de saúde. “O SUS foi muito atacado nos últimos anos, com cortes de investimentos, tentativas de privatização. A gente percebe que cobrar pelos atendimentos significa impor uma política de morte, já que a maior parte das pessoas não têm dinheiro para custear consultas e tratamentos”, ressalta.
“O Brasil é negro, mas o envelhecimento é branco”
O estudo também evidencia que homens negros são as vítimas mais recorrentes de mortes prematuras no país. Os óbitos ocorrem já a partir dos 15 anos e devido à exposição a faces diversas da discriminação racial: violência, acidentes de trabalho e falta de acesso a serviços de saúde.
As contas não fecham
Ainda, de acordo com o levantamento, na capital paulista, a maioria das mulheres negras na faixa etária de 60 a 69 anos, apresenta dificuldades para manter despesas básicas (63%). Já entre mulheres brancas, o percentual cai para 54%. Entre homens negros, a dificuldade para fechar as contas no final do mês, foi indicada por 58%. Já entre brancos, o índice foi apontado por 38%.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.