Os animais, cada dia mais, são considerados importantes para a saúde e para o bem-estar dos seres humanos, uma vez que sua companhia oferece inúmeros benefícios para os tutores. Todo o amor e cuidado com os pets, contudo, também traz preocupação, já que o receio de perder a companhia do animal está sempre presente.
Os moradores do jardim Igapó, na zona Sul de Londrina, têm enfrentado um medo constante quanto aos seus melhores amigos animais: o envenenamento. Maria Beatriz Trovão, proprietária de um táxi pet e residente no bairro, desconfia que um transeunte tentou envenenar sua cadela dentro de seu próprio quintal.
“No último domingo (30), dormi até mais tarde e a Gaia estava junto comigo dentro de casa. Sempre que vou soltá-la no quintal, dou uma olhada para ver se não jogaram alguma coisa e dessa vez não foi diferente. Nesse dia, porém, percebi que a Gaia estava com algo na boca e já entrei em desespero”, relata a empreendedora.
Trovão conta que correu até a cadela e pediu para que o animal parasse de mastigar. Quando Gaia cuspiu o conteúdo no chão, a tutora percebeu que era um pedaço de bolo. “Fiquei sem entender nada, porque um pedaço de bolo é algo bem estranho de dar para um cachorro, então só peguei e joguei na rua. Alguns segundos depois, quando percebi o que podia ser, fui até lá e peguei de volta para analisar se estava envenenado. Não queria que nenhum cachorro na rua comesse e corresse o risco.”
Ao avaliar a fatia de bolo, Trovão diz não ter encontrado indícios de veneno. Contudo, a empreendedora ressalta que existem substâncias injetáveis que podem passar despercebidas pelos tutores, mesmo após uma análise.
As suspeitas da tentativa de envenenamento de Gaia são endossadas, ainda, pelas imagens capturadas pelas câmeras de segurança da casa que ela divide com a companheira, Mariana. Segundo Trovão, as imagens mostram um homem mais velho atirar a fatia de bolo no quintal.
“A atitude desse homem foi bem suspeita, porque ele parou, deu uma olhada no quintal e só depois jogou o bolo. Ele usava um boné e isso escondia o rosto, então não conseguimos identificar. Pelo que vimos, nem o conhecemos, mas algumas pessoas desconfiam que seja um morador aqui do bairro”, explica.
Outros animais não resistiram
Apesar do susto, a labrador Gaia está bem. Mesmo assim, outros animais do bairro não tiveram a mesma sorte. A cabeleireira Marli Rossett, que é vizinha de Trovão e tutora da maltês Sophi, conta que diversos pets já foram envenenados e não resistiram.
“Uma cliente minha do salão, que era idosa e viúva, tinha dois cães que eram seus companheiros. Infelizmente, ambos morreram depois de ingerir chumbinho, que foi colocado dentro de algo e atirado para dentro do quintal”, revela.
Rossett relembra, ainda, que os gatos de Trovão também sofreram uma tentativa de envenenamento. A empreendedora, que tem, além de Gaia, um coelho e sete gatos, conta que, há cerca de dois anos, encontrou manjubas repletas de chumbinho.
“Encontramos as manjubas e outros peixes várias vezes em nosso quintal. Quem jogou, jogou aos montes. Nossa sorte é que nossos gatos são acostumados somente a comer ração, então não chegaram a ingerir e nada de pior aconteceu”, aponta. No caso registrado há dois anos e no atual, a empreendedora não fez uma denúncia formal por não ter suspeitos.
O cachorro de um vizinho de Trovão e de Rossett não resistiu às consequências da ingestão de veneno. Segundo as moradoras, alguém jogou um alimento com chumbinho no quintal do idoso e o animal morreu pouco tempo depois de comer.
Os casos recorrentes fizeram com que as tutoras tomassem medidas para proteger suas melhores amigas caninas. “A Gaia não sai mais sem nossa supervisão. Quando precisamos sair para fazer o transporte de algum animal, temos que deixá-la em uma creche ou com minha mãe. É uma situação revoltante, porque ela não pode ficar à vontade dentro da própria casa”, aponta Trovão.
A cadela Sophi, por sua vez, costuma ficar no jardim da casa, o que deixa a cabeleireira tensa. “Iremos colocar câmeras a partir de agora e é urgente que os órgãos públicos nos ajudem. Nossos bichinhos fazem parte da nossa família, são amados e nos amam. Não podemos deixar que quem os faz mal fique impune.”
Efeitos do veneno
O envenenamento de animais domésticos não é um problema somente de Londrina, mas de todo o Brasil. De acordo com a médica-veterinária Ana Caroline Augusta do Nascimento, que é pós-graduanda em neurologia veterinária, os carbamatos e o organofosforado são as substâncias mais utilizadas pelos criminosos.
“Além desses raticidas que são usados de forma ilegal, existem os raticidas anticoagulantes, que podem causar hemorragias graves. Infelizmente, essas são substâncias fáceis de encontrar e são produtos baratos e com alto potencial tóxico, que podem levar o animal à morte de forma rapida”, detalha.
O carbamato, que é popularmente conhecido como chumbinho, oferece riscos proporcionais à quantidade ingerida. Os sintomas, conforme aponta a médica veterinária, também podem variar. “Normalmente, os animais apresentam salivação intensa, tremores musculares, diarreia e até mesmo convulsões. Na maioria das vezes, a morte acontece por conta da baixa frequência cardíaca e da dificuldade respiratória.”
Os venenos injetáveis, citados por Trovão, podem ser um problema para os pets, especialmente devido à difícil identificação. De acordo com Nascimento, essas substâncias só podem ser verificadas por meio de exames laboratoriais.
Independente do veneno ingerido pelo animal, a recomendação é levar o pet até o hospital veterinário mais próximo imediatamente. A médica-veterinária indica, ainda, que é necessário ligar para o estabelecimento durante o trajeto para que o profissional responsável prepare o protocolo de desintoxicação.
Jéssica Magno, que é médica-veterinária clínica de cães e gatos, ressalta que diversas substâncias presentes no dia a dia dos animais podem ser tóxicas, como medicamentos, produtos de limpeza e plantas.
Nesse caso, os envenenamentos são considerados acidentais e, como explica a especialista, podem ser prevenidos por meio da supervisão atenta do tutor. Contudo, no caso de envenenamentos criminosos, as ações são mais complexas.
“O tutor pode buscar um adestrador capacitado e realizar um treinamento para que o cão não coma alimentos que não estejam em seu comedouro habitual. Para gatos, não permitir as voltinhas. O gato na rua e nos telhados está sujeito constantemente a diversos riscos além do envenenamento”, finaliza.
Direitos dos tutores e dos animais
Os direitos dos animais têm avançado cada vez mais no Brasil e, quando um pet é envenenado de forma proposital, o responsável pode ser denunciado para responder criminalmente por sua ação. Segundo Gabriela Maia, advogada animalista e presidente da Associação Direito Animal, a situação se enquadra na Lei de Crimes Ambientais.
“A Legislação prevê que o crime de maus-tratos aos animais no artigo 32, cuja pena é de detenção de três meses a um ano e multa. Se o animal-vítima for um cão ou gato, segundo essa mesma Lei, a pena prevista para o crime é maior e pode variar de dois a cinco anos de reclusão e multa”, ressalta.
A advogada explica que, além de responder criminalmente pelo envenenamento, o responsável pode ter de pagar indenização não somente para o tutor, mas também para o pet afetado.
“O tutor tem direito à indenização pelos danos materiais causados, que consistem nas despesas com os tratamentos veterinários e quaisquer outras providências que devam ser tomadas para eliminar ou reduzir os danos causados pelo envenenamento, além de indenização por danos morais devido ao transtorno causado. Já, pelo viés do Direito Animal, o animal também terá direito à indenização por danos morais, uma vez que ele é a vítima real da situação.”
Como denunciar
De acordo com Maia, a prioridade inicial dos tutores deve ser o atendimento ao animal envenenado. Contudo, é importante não se esquecer de denunciar o crime. Para isso, os responsáveis pelo animal devem registrar um B.O. (Boletim de Ocorrência) em uma delegacia da Polícia Civil ou em um posto da Polícia Militar.
“Ao fazer o B.O., é ideal que o tutor do animal já tenha a identificação do autor do crime. Para identificar o autor do crime, podem ser consultadas testemunhas, gravações de câmeras de segurança na rua e qualquer outro meio cabível. Esse ponto é imprescindível, pois o infrator apenas será penalizado e poderá ser obrigado a indenizar o animal e seu tutor se for identificado”, explica.
A advogada explica, ainda, que é importante solicitar aos policiais uma perícia no local em que o pet foi envenenado. Os dados obtidos devem constar em um relatório e o documento poderá ser usado como prova em uma investigação. Caso o animal morra, é fundamental realizar a necropsia.
Em Londrina, as denúncias podem ser feitas diretamente à Sema (Secretaria Municipal do Ambiente), por meio da DBEA (Diretoria de Bem-Estar Animal).
Conforme a Lei Municipal 12.992/2019, são definidos como maus-tratos diversas práticas como agredir ou golpear animais; abandonar, envenenar ou causar sofrimento físico a eles; manter animal em local desprovido das condições mínimas de higiene e asseio; abusá-los sexualmente; e deixar de prestar a assistência veterinária e demais cuidados que garantam o bem-estar animal, entre outras.
Quem presenciar uma situação de maus-tratos pode fazer a denúncia por meio do formulário on-line e os dados do denunciante não serão divulgados. Os casos relatados são atendidos em até dois dias úteis, o que depende da urgência.
Mesmo com o preenchimento do formulário, a DBEA destaca que, em casos de envenenamento, o tutor deve, também, procurar a polícia.
Fonte: Portal Bonde