Atos foram organizados em diversas cidades do país
Na última sexta-feira (11), Dia do Estudante, dezenas de alunos da educação básica e ensino superior ocuparam o calçadão de Londrina para ato nomeado: “Londrina pela Educação – Mobilização contra o novo ensino médio, a militarização das escolas e bloqueios orçamentários”.
Conforme informado pelo Portal Verdade, o protesto, organizado pela ULES (União Londrinense dos Estudantes Secundaristas) com apoio da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) iniciou às 17h em frente ao Cine Teatro Ouro Verde. Além da entrega de panfletos à população e falas de lideranças estudantis, os participantes saíram em passeata pela região central da cidade.
Randher Lima, aluno do curso técnico de Biotecnologia do IFPR (Instituto Federal do Paraná) – campus Londrina e presidente da ULES, conta que antes mesmo da convocação nacional por parte da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e UNE (União Nacional dos Estudantes), o coletivo já estava planejando atividades para a data, visto que no Paraná, o governo Ratinho Júnior (PSD) tem mantido o projeto de militarização das escolas, embora o Palácio do Planalto tenha determinado a extinção do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares.
Atualmente, das 2.109 escolas estaduais do Paraná, 194 são cívico-militares via administração da Polícia Militar e 12 geridas pelas Forças Armadas. Além da pauta estadual, os alunos também criticam o congelamento de R$ 332 milhões anunciado pelo MEC (Ministério da Educação) no início deste mês. Os recursos seriam destinados a projetos de alfabetização, pagamentos de bolsas, aquisição de transporte escolar e iniciativas de modernização de escolas e institutos de ensino.
“O ato em Londrina já iria acontecer e coincidiu com o bloqueio orçamentário anunciado recentemente. Desde 2017, o teto de gastos limitou os investimentos na educação, queremos que os recursos sejam desbloqueados e direcionados às escolas e instituições de ensino superior”, pontua.
Novo ensino médio
Outra reivindicação dos estudantes é a imediata revogação do novo ensino médio (Lei 13.415/2017). Lima destaca a forma autoritária como a mudança foi realizada, sem diálogo com as comunidades escolares.
“O novo ensino médio como a gente já cansou de falar, foi feito em 2017 de uma forma aleatória. Na época, estávamos com ocupações nas escolas e manifestações pelo passe livre, e aparece esta proposta de novo ensino médio para desmobilizar o pessoal, para que se preocupassem com esta outra pauta. Ele foi aprovado de uma forma muito eficiente, nunca vi um projeto caminhar tão rápido dentro da Câmera [de Deputados]. Foi aprovado sem nenhuma consulta aos estudantes, professores, funcionários das escolas”, ressalta.
A liderança estudantil compartilha da crítica de especialistas que indicam o esvaziamento dos currículos uma das principais consequências do novo ensino médio. Através da medida, conhecimentos historicamente acumulados são retirados e matérias sem legitimidade científica passam a compor a carga horária.
“Começou a ser implementado em 2021 e temos observado o quão catastrófico tem sido com redução da carga horária de Sociologia, Filosofia, Artes, Educação Física, matérias tão importantes para o aprendizado completo do estudante para dar lugar a matérias como Projeto de Vida, Pensamento Computacional, que não tem fundamentação teórica organizada”, avalia.
Com isso, as desigualdades socioeducacionais se amplificam, pois os estudantes que estão nas escolas públicas são os mais afetados pela falta de acesso aos saberes, dificultando a continuidade dos estudos em nível superior.
“Tiraram da cachola de alguém isso e estão colocando como carga horária e não está sendo efetivamente útil, não forma cidadão crítico e nem uma pessoa preparada para o mundo real. Ela vai chegar depois para fazer ENEM, vestibular sem conhecimentos necessários para ingressar em uma universidade. A gente sabe o quanto é difícil mesmo com todas as matérias do ensino médio este acesso à universidade vindo de escola pública”, adverte.
“O novo ensino médio está péssimo. Eu tenho sentimento de tristeza porque tiraram matérias que eram muito importantes e colocaram outras sem base alguma, que a gente não aprende nada. Eu sinto falta de Física, tiraram ela e colocaram Oratória no lugar”, acrescenta Maria Antônia Padilha Oliveira, estudante do Colégio de Aplicação Professor José Aloísio Aragão.
Abertura ao diálogo
Cecília Rocha, estudante do Colégio Estadual Vicente Rijo, também ressalta a importância que os estudantes sejam ouvidos. “Deixar nas mãos de quem não pensa no futuro do estudante e quem não consulta os interesses de quem está no sistema educacional, que são os estudantes e professores, é de uma arrogância atroz. A gente merece uma educação de qualidade e se o governo não oferece isso para gente, temos que lutar para que ofereça. Vivemos em uma democracia e nossos direitos têm que prevalecer. Direito à educação está regido pelo ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], Constituição Federal e temos que exigir”, afirma.
Bruno Garcia, diretor da APP-Sindicato, destaca que vê outro cenário para a educação pública sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no qual o MEC está mais aberto a acolher e discutir as demandas dos estudantes e trabalhadores da educação. “Vale ressaltar que foram estes governos anteriores que implementaram, mas que chegou até este momento e é neste governo que nós temos a possibilidade de conversar, da sociedade civil se manifestar e dizer que não é este modelo de ensino médio que nós queremos”, assinala.
Em abril deste ano, o ministro da Educação, Camilo Santana, definiu a suspensão da implementação do novo ensino médio. Já entre junho e julho deste ano, o MEC abriu consulta pública online sobre a reestruturação do ensino médio em todo o país.
“Nestes últimos dias, estivemos em Brasília, o MEC deve apresentar ao Congresso Nacional um novo modelo de ensino médio. Há um avanço sim por conta destas manifestações estudantis. Não existe a revogação, também não conhecemos o projeto de lei que vai ao Congresso ainda. Defendemos a obrigatoriedade de todas as disciplinas que já existiam no currículo, neste itinerário que governo apresenta como ‘aprofundamento da aprendizagem’, quais serão as disciplinas, precisamos conhecer linha a linha, ver as palavras que estão nas entrelinhas porque estão aí os riscos, quando vai para os estados e as secretarias de educação vão aplicar. Enquanto não tivermos um projeto de lei, a luta vai continuar em todos os estados”, garante.
Defesa da escola pública
Laurito Porto Filho, diretor de formação do Sindicato dos Bancários de Londrina e Região, compartilha que o Coletivo de Sindicatos aprovou apoio às reivindicações da ULES por uma educação gratuita e de qualidade. O representante destaca que, a formação política é fundamental para ingresso no mercado de trabalho e fortalecimento do movimento sindical.
“As pautas deles são necessárias para gente ter trabalhadores bem formados, para ingressar no mercado de trabalho. A grande desculpa do capital quando vai contratar é ‘não tem qualificação’. Então, a luta por melhor qualidade de ensino oportuniza a entrada no mercado de trabalho de maneira mais rápida e crítica”, diz.
Ainda, de acordo com ele, a defesa da escola pública é uma bandeira do Coletivo de Sindicatos, pois são, sobretudo, os filhos dos trabalhadores que estão ocupando estes espaços. “A pauta dos sindicatos é além das demandas junto ao patronato, tem também lutas sociais e os filhos dos trabalhadores estão nas escolas públicas. Então, a péssima qualidade do ensino público significa péssima qualidade de educação para os filhos dos trabalhadores”, complementa.
ULES amplifica vozes dos estudantes
Segundo Lima, atualmente, a ULES está trabalhando na organização de duas frentes, são elas: a de “Bases” e a “Diretoria”. A expectativa é que, estabelecendo parceria com outras entidades estudantis, o grupo consiga se reestabelecer na cidade como uma ferramenta que amplifica as lutas do movimento estudantil. A União Londrinense dos Estudantes Secundaristas surgiu em 1950. Desde então, teve papel preponderante para o andamento de diversos acontecimentos políticos não só na cidade, mas em todo o país, a exemplo dos movimentos pela redemocratização após mais de duas décadas de repressão impostas pela ditadura civil-militar (1964-1985).
A partir dos anos 2000, a ULES passou por uma série de problemas administrativos e desde 2010 não realizava eleição para equipe gestora. A realidade começou a mudar a partir deste ano, quando uma nova chapa, presidida por Randher foi eleita durante o Conules 2023 (Congresso da União Londrinense dos Estudantes Secundaristas).
“Na frente bases, estamos começando a fazer visitas nas escolas ainda com muita resistência por culpa de tudo que tem acontecido com os massacres, está muito restrita a entrada de pessoas que não sejam estudantes e funcionários das escolas. Estamos organizando junto com a APP-Sindicato para visitar estes lugares. Na frente direção, estamos lutando para reconquistar um prédio para fazer a nova sede da ULES, organizar nossas documentações como CNPJ que hoje está inapto. Também estamos em contato com a UNE, UBES e UPES [União Paranaense dos Estudantes Secundaristas] para garantir que a ULES tenham suas próprias pernas muito em breve”, indica.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.