Dissertação de mestrado em Engenharia Ambiental da UFPR avalia a atmosfera de nove pontos da região e mostra que áreas industriais tiveram maior índice de risco relativo de mortalidade por Covid-19
Gráficos e ilustrações: autora da pesquisa, Gabriela da Costa
Entre 2020 e 2021, uma pesquisa de dissertação de Gabriela da Costa, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Paraná (UFPR), revelou que, dentre as nove regiões analisadas, as áreas industriais Cidade Industrial de Curitiba (CIC) e de Araucária tiveram um maior risco relativo de mortalidade por Covid-19 (5,8%) comparado às outras partes mais residenciais da cidade, como o bairro Cajuru (0,8%).
Em maio deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou o relatório de Estatísticas Sanitárias Mundiais 2022 e trouxe dados de que quase toda a população global (99%) respira em uma atmosfera com nível de poluentes acima do normal. Além disso, de acordo com o Estudo de Carga Global de Doenças (Global Burden of Disease – GBD), somente em 2019, a poluição do ar foi responsável por 6,67 milhões de mortes no mundo.
Em um momento da história no qual uma doença respiratória foi responsável por uma pandemia global, a atenção para a poluição e as mudanças climáticas se faz ainda mais necessária. A dissertação de Gabriela da Costa estuda justamente essa relação. O estudo analisa a qualidade do ar durante a pandemia em oito pontos de Curitiba (PR) e um em Araucária, município da região metropolitana da capital, e relaciona os dados obtidos com os da Covid-19 na região.
Sobre o que é a pesquisa?
Partindo de estudos recentes realizados em outros países que relacionam a poluição atmosférica com a maior incidência da Covid-19, a pesquisa avalia e traça um comparativo entre as regiões de Curitiba e Araucária com maiores índices de poluição e de casos e mortalidade por Covid-19 durante 2020 e 2021, época de maior contágio da doença.
Por meio de uma rede de sensores, foram estudados os níveis de material particulado fino (MP2,5) na atmosfera, que compreende poeiras, fumaças e todo tipo de elemento que permanece suspenso no ar por causa de seu tamanho pequeno.
São diferentes tipos de material particulado existentes, mas o foco do estudo são as partículas com diâmetros menores que 2,5 μm, que podem ser inaladas, atravessar as barreiras dos pulmões e prejudicar, assim, a troca de oxigênio no corpo.
Como a pesquisa foi feita?
Foi feita a instalação de uma rede sensores de baixo custo que detectam a presença do material particulado fino na atmosfera em oito diferentes distritos sanitários de Curitiba, e um também na região industrial de Araucária. Neles, o ar penetra por quatro pequenos orifícios na parte superior e é guiado para um detector de laser.
“Esses sensores conectam a internet e disponibilizam, de dois em dois minutos, quanto de material particulado fino tem no local”, explica a pesquisadora. Ela destaca que, pela sua forma de funcionamento, o equipamento possibilitou uma análise mais espacializada do ar em Curitiba, que durou de maio de 2020 a dezembro de 2021 — em diferentes fases da pandemia de Covid-19.
Além dos sensores de MP2,5, em janeiro de 2021, foi instalada na região central de Curitiba uma microestação que realizou a mediação automática de NO2, BC, O3, umidade, temperatura e temperatura de ponto de orvalho, que foram usados para correção de dados dos poluentes medidos.
Quais foram os resultados?
A partir dos dados de poluição coletados, foram observados três diferentes padrões:
- As regiões industriais (Distrito Sanitário do Tatuquara, do CIC e a cidade de Araucária) e também o Distrito Sanitário do Portão, região de maior densidade demográfica da cidade, segundo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), registraram as maiores concentrações de MP2,5;
- A região urbana com grande volume de tráfego obteve dados intermediários;
- As regiões residenciais e com maior área verde, como o Distrito Sanitário de Santa Felicidade, têm as menores concentrações do poluente.
Há uma relação entre as concentrações de poluição, incidência e mortalidade por Covid-19, principalmente durante o inverno — época em que os poluentes ficam mais concentrados na atmosfera. Isso sem deixar de levar em consideração também outras características relevantes de cada região, como fatores sociais e econômicos locais.
As regiões mais centrais da cidade, nos Distritos Sanitários do Pinheirinho, Matriz e Portão, obtiveram elevados índices de mortalidade por Covid-19 em 2020 e 2021. Esses locais se destacam por apresentarem fluxo intenso de circulação de pessoas, fator contribuinte na transmissão da doença. Por outro lado, as regiões da Boa Vista e Cajuru, no nordeste de Curitiba, indicaram uma menor mortalidade e incidência de casos da doença, o que coincide com a menor concentração de MP2,5 na região.
O estudo também mostra que o Distrito Sanitário do Pinheirinho, que apresentou a maior mortalidade por 100 mil habitantes acumulada nesses dois anos (499 óbitos), também apresenta um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e renda per capita do município de Curitiba, segundo dados do Atlas. E durante a pandemia, as condições socioeconômicas da população e a vulnerabilidade social tiveram impacto significativo na transmissão da doença e no acesso aos serviços médicos.
Além disso, o resultado da pesquisa mostrou que todas as regionais apresentaram médias anuais e diárias de MP2,5 acima do padrão indicado pela OMS, que enfatizam a importância de uma maior atenção às ameaças da poluição atmosférica à saúde pública. A partir do cálculo de risco relativo, uma metodologia da Organização Mundial da Saúde (OMS) para avaliar o impacto de um determinado poluente na saúde da população, o estudo estimou os riscos de mortalidade por Covid-19 e também de mortes prematuras associadas ao MP2,5.
Os valores mais altos de risco relativo foram detectados nas áreas industriais (CIC e Araucária, com 5,8%) e os mais baixos nas áreas residenciais (Cajuru, com 0,8%). Além disso, estimou-se que em 2021, o MP2,5 esteve relacionado com 3% das mortes por causas naturais em Curitiba e 3,7% em Araucária.
Para quem esta pesquisa é importante?
Ter estudos detalhados sobre a poluição atmosférica de uma determinada região é um passo importante para que as autoridades de saúde locais possam mapear áreas e populações mais afetadas.
“É muito importante para a saúde municipal e para as questões de priorização de esforços e recursos e o impacto social está muito atrelado a isso, à identificação de populações vulneráveis e à justiça ambiental”, explica Gabriela.
Ela também destaca a importância, em um contexto de pós-pandemia, de trazer atenção ao tema à população no geral e conscientizar de que as questões ambientais estão bastante vinculadas às de saúde. Mesmo a Covid-19 sendo uma doença viral, respirar um ar poluído prejudica diretamente a resposta do corpo à doença, como mostra um dos estudos citados por Gabriela, publicado na revista internacional Science of the Total Environment.
Fonte: Jornal Plural