Juntamente com reformulação da carreira dos agentes educacionais, pagamento do piso para aposentados e isenção previdenciária, mobilização relembra massacre de 1988
30 de agosto é mais um dia de luta para os trabalhadores da educação pública no Paraná. Neste dia, há 35 anos, o então governador, Álvaro Dias ordenou que a Polícia Militar avançasse com cavalos, cães e bombas contra professores que protestavam por melhores condições de trabalho e mais qualidade no ensino público. Ao menos, 12 educadores ficaram gravemente feridos em decorrência da violência.
Em memória do massacre, nesta quarta-feira (30), a APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) está mobilizando a categoria para diferentes atividades. De manhã, a partir das 8h, ocorre ato em frente a ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná). De acordo com Walkiria Mazeto, presidenta do coletivo, o foco da manifestação é a valorização dos funcionários de escola e aposentados, os dois segmentos mais afetados pelas políticas de austeridade adotadas pela gestão de Ratinho Júnior (PSD).
A liderança destaca que, por mais que governos anteriores tenham sido marcados pelo sucateamento, sob a administração do atual mandatário do Palácio do Iguaçu, a precarização atingiu níveis não observados antes.
“Os e as primeiras [funcionários de escola] requerem mudanças na carreira como houve com outras categorias, como as que foram aprovadas para o Quadro Próprio do Executivo. O segundo segmento, os e as aposentadas, sofrem constantemente com as políticas deste governo que vão desde contribuição previdenciária, reajuste diferenciado em comparação aos que estão na ativa e, agora, deixando de fora do reajuste [concedido] aos professores de 13,25% para os e as aposentadas que não mantém paridade com os demais professores. A paridade garante que os e as aposentadas recebam o equivalente ao que recebiam quando estavam na ativa, mitigando as perdas salariais que acontecem com quem está aposentado e aposentada”, afirma.
São, portanto, pautas da categoria: reformulação da carreira dos agentes educacionais, extensão do índice do piso (13,25%) aos aposentados e isenção do desconto previdenciário até o teto de R$ 7.500 estabelecido pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). “Com a reforma da Previdência, a contribuição passou para 14% sobre benefícios que ultrapassam três salários-mínimos. A taxação injusta faz com que uma professora aposentada receba hoje menos do que recebia em 2019”, adverte a entidade.
Plataformas zero
Além de ocupar as ruas, os profissionais da educação irão promover um dia de “plataformas zero”, ou seja, não haverá a paralisação total das aulas, mas o uso de aplicativos e dispositivos eletrônicos será interrompido. A “greve das plataformas”, como também tem sido chamado o movimento, busca incentivar a interação entre docente e estudante bem como recuperar a autonomia do professor em sala de aula.
“As plataformas se tornaram instrumentos de controle sobre a atividade pedagógica. Professores e professoras são obrigados e obrigadas a usar as plataformas, sob risco de sofrerem punição. Trata-se de uma lógica quantitativa e mercantilista de obtenção de metas e resultados”, pontua.
Segundo Mazeto, em pesquisa realizada com sindicalizados, a APP observou que a maioria dos professores desaprova as atuais políticas de plataformização implementadas nas escolas estaduais do Paraná. Os docentes foram consensuais em identificar a sobrecarga de trabalho. Ainda, oito em cada dez professores indicaram que adoeceram ou conhecem colegas que tiveram problemas de saúde mental após o uso cada vez mais intensivo de aplicativos em sala de aula.
Para Mazeto, o atual secretário de Educação, Roni Miranda “reza a cartilha” de seu antecessor, Renato Feder. À frente da mesma pasta, agora em São Paulo, Feder foi um dos principais responsáveis pela crescente plataformização do ensino no Paraná nos últimos anos. “É preciso dizer um basta a política de plataformização implementada por Renato Feder e Roni Miranda, ex e atual secretário de educação do Paraná. Este é a segunda vez que propomos o que estamos chamando de ‘plataforma zero’ e na medida que o governo não retroceder nesta política, tendemos a intensificar esta ação em outros momentos”, alerta.
Márcio André Ribeiro, presidente do Núcleo Sindical Londrina, também destaca que o emprego de maneira autoritária, sem diálogo com as comunidades escolares por parte da SEED (Secretaria Estadual de Educação) tem levado o adoecimento de professores a níveis alarmantes. Entre as principais queixas do quadro está a falta de qualificação para o uso das tecnologias, já que não é garantido pela pasta, programas de formação continuada com esta finalidade. Ainda de acordo com ele, os estudantes também têm sofrido com a sobrecarga de atividades.
“Somos preparados como educadores para dar aula com recursos que nós temos, com as didáticas pedagógicas que a academia fornece, nós não somos preparados para sermos produtores de conteúdo, youtubers, para estarmos na frente de câmeras. A grande maioria de nós não tem esse domínio. E não é apenas isso, o governo do Paraná tem tentado implementar de forma impositiva, sem nenhuma discussão, um modelo de educação digitalizado, plataformizado, com aplicativos, um monte de recursos que ao invés de auxiliar nas estratégias pedagógicas tem feito o inverso, tem sobrecarregado absurdamente todos os alunos, professores”, evidencia.
Ribeiro ressalta o aumento de assédio moral já que a categoria é pressionada para que as plataformas gerem resultados. “Há todo um investimento, um dinheiro que ao invés de vir para melhoria de estrutura de sala de aula, trazer mais conforto e qualidade para os alunos, é investido uma fortuna absurda em sistemas que não trazem resultado nenhum e como consequência o adoecimento da categoria tem sido assustador. O afastamento de muitos professores com todos os tipos de doenças”, diz.
Para ele, diferentemente das violências físicas, como as sofridas pela categoria em 30 de agosto de 1988, estas de ordem emocional são menos visíveis para a população. “Muitas vezes há crítica, as pessoas não entendem, faltaram dois, três professores, o que está acontecendo? O que está acontecendo é que está todo mundo adoecendo. Isso sempre foi um quadro muito presente na educação de forma geral, mas infelizmente, nos últimos cinco, seis anos, tem se agravado de maneira extremamente intensa”, assinala.
Tecnologias como apoio e não como fim
O professor observa que não se trata de ser contra o uso de tecnologias em sala de aula, porém avalia que as plataformas e aplicativos devem se somar a outras metodologias e recursos a fim de auxiliar o professor na mediação dos conteúdos aos estudantes e não serem tomadas como a finalidade do processo educativo.
“É muito importante dizer que nenhum de nós é contra o avanço da tecnologia e a utilização como apoio ao processo de ensino aprendizagem, é um auxílio muito interessante. Eu diria que é fundamental esta integração com as ferramentas digitais, mas isso tem que fazer parte do processo, juntamente com o livro didático, com o quadro. Todos estes elementos precisam ser vistos como ferramentas dentro de um processo. O que a SEED tem feito é colocar estas ferramentas como o fim do processo, utilizar aplicativos, questionários através de computadores, como se isso fosse o próprio processo de ensino aprendizagem em si, o que é um equívoco absurdo”, analisa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.